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Imagine uma comédia romântica dirigida por um inglês, com um roteiro baseado em um livro inglês, e que tem como protagonista um inglês cheio de charme. Você pensou nos filmes da Working Title, como Um lugar chamado Notting Hill e Simplesmente amor, e nos atores Hugh Grant e Colin Firth? Errou! E parte do erro foi induzido porque o personagem é inglês, mas o ator é na verdade o neozelandês Russel Crowe.
Um bom ano (A good year, 2006) marca a primeira reunião do ator com o diretor Riddley Scott desde que eles fizeram o premiado e aclamado Gladiador (2000). O título se refere a uma boa safra de vinho. A bebida serve de pano de fundo para toda a história, que foi inspirada no livro de Peter Mayle que, assim como Scott, saiu da publicidade. Os dois se conheceram neste ramo na década de 70, em Londres, e cultivaram a amizade. Enquanto um decidiu virar cineasta, o amigo se aventurou pela literatura. Outro assunto em comum entre os dois é a paixão por Provence, região no sul da França. Foi em um almoço por ali que surgiu a idéia de criar uma história sobre vinhos de garagem, que mesmo sem terem pedigree chegam a ser vendidos por até 45 mil dólares a caixa, conseqüência da sua alta qualidade e baixa produção - o que os tornam raros e por isso caros.
Quando conhecemos Max (Crowe) ele é um bem sucedido operador da bolsa de valores. Sua ganância, porém, o afastou do seu último parente vivo, o bon vivant Tio Henry (Albert Finney), com quem passava instrutivas e divertidas férias de verão. É por correio que Max recebe a notícia de que seu tio havia morrido e que, como parente mais próximo, ele acabara de herdar seu château e o vignard. Individualista e ganancioso homem de negócios, Max viaja até a França para assinar a papelada e lucrar logo com a venda do local, mas o destino intercede, prendendo-o lá por alguns dias. O resto é aquilo de sempre: longe da correria e do conforto da cidade grande ele vai redescobrindo o valor das coisas simples da vida.
Da água para o vinho
Poucas são as adaptações de uma mídia para outra que mantêm todos os elementos da obra original. Um bom ano não escapa à regra. Na transposição do livro para o filme, Max deixa de ser o corretor mediano da bolsa que leva um golpe do chefe para se tornar o canalha que dá o golpe nos outros. Há ainda a supressão de personagens e de passagens. Ao contrário do que acontece no longa-metragem, a tabeliã Nathalie Auzet (Valeria Bruni Tadeschi) tem grande importância nas páginas escritas por Mayle, bem como o enólogo Fitzgerald (Gilles Gaston-Dreyfus) e o vinho Le Coin Perdu, que dão um toque de suspense à história.
Até aí tudo normal. O problema começa quando coisas que eram legais, como o tenso flerte entre Max e Fanny (Marion Cotillard) vira uma relação rasa que se resolve em poucos minutos. E ainda pior quando se desdenha da capacidade do espectador e se arruma formas de costurar pontas que estavam muito melhor quando soltas.
Se eu fosse um sommelier, diria que é um filme que de início agrada o paladar, mas no final deixa um resíduo meio amargo na boca. Como não sou, digo que Um bom ano cumpre suas funções inebriantes, mas dá uma dorzinha de cabeça depois.