Pode parecer difícil entrar na realidade que Um Lugar Bem Longe Daqui tenta vender. A ideia de uma jovem moça branca, magra, de pele perfeita, que é marginalizada pela sociedade e vive isolada nos pântanos da Carolina do Norte poderia levantar algumas sobrancelhas. Mas parece que o filme de Olivia Newman, que adapta o livro de Delia Owens, veio para provar o alcance impressionante da atuação de Daisy Edgar-Jones. A atriz, alavancada ao sucesso pela série Normal People e recentemente vista no ótimo Fresh, tem uma qualidade rara em Hollywood, um apelo tão humano e palpável que torna sua história não apenas crível, como relacionável. É a ela que Um Lugar Bem Longe Daqui deve a maioria dos seus créditos.
Mas o drama sabe disso muito bem e constrói toda a atmosfera, tão importante para o desenvolvimento de seu mistério, em perfeita harmonia com o estado de espírito da protagonista Kya. Aqui, a garota que viveu a infância aprendendo a se virar na natureza viu cada um dos integrantes de sua extensa família deixar o pântano por motivos diferentes. Vítimas de um patriarca violento, os Clarks sempre viveram do brejo, e uma vez sozinha a pequena Kya faz o mesmo. Já em seus anos de jovem adulta, ela passa a se relacionar com um ou outro habitante da cidade Barkley Cove, encontra o amor, a violência, e tudo que a sociedade tem a oferecer.
Nesse contexto, o que guia a história e faz com que a trama de Um Lugar Bem Longe Daqui oscile sempre entre o passado e o presente é uma acusação de assassinato. Um dos riquinhos de Barkley Cove, com quem Kya se envolveu, aparece morto no pântano e os dedos - não as evidências - são apontados para a infame “garota do pântano”. Com David Strathairn no papel do advogado, o caridoso Sr. Milton, Um Lugar Bem Longe Daqui remete aos tradicionais dramas de tribunal, um que toma seu tempo sem nenhum embaraço. Seja no pântano ou frente ao júri, o filme de Newman nunca se descola do olhar sereno da Srta. Clark, e por mais que beire o tédio, Um Lugar Bem Longe Daqui faz isso de modo consciente, e é difícil não admirar seu ritmo insistente e peculiar.
A vagarosidade da trama é também surpreendente para uma adaptação, porque é difícil encontrar uma tradução cinematográfica à linguagem literária que não acelere o que as páginas de um livro dizem tão bem. Um Lugar Bem Longe Daqui nunca parece apressado. Isso não quer dizer que o filme não saiba ser emocionante - ou violento - quando necessário. E, novamente, isso tudo só funciona porque Edgar-Jones tem tudo nas mãos, e seu olhar - seja melancólico, confortável ou esquivo - é o que ancora o filme.
Um Lugar Bem Longe Daqui, apropriadamente, tem um gosto dos filmes da Hello Sunshine, produtora de Reese Witherspoon, e combina algumas das forças de seus títulos. Seja na narrativa desconfiável, na singular protagonista ou na revelação final, a história de Um Lugar Bem Longe Daqui é uma produção menos intrigante que, por exemplo, Garota Exemplar, mas que sabe criar suspeitas do mesmo jeito, sem desenvolver seu mistério de modo muito óbvio.