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Crítica

Uma História de Amor e Fúria | Crítica

Animação didática lamenta que a história do homem é feita com fúria e não com amor

04.04.2013, às 19H47.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H56

Um dos sinais da consolidação da democracia no Brasil é a progressiva instituição da correção política. A animação nacional Uma História de Amor e Fúria é menos um acerto de contas provocativo com o passado do que uma revisão politicamente correta da história do Brasil.

uma história de amor e fúria

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Selton Mello e Camila Pitanga dublam os protagonistas, casal enamorado em quatro épocas distintas de conflitos armados: em 1566, quando os tupinambás são dizimados pelos portugueses na Guanabara; 200 anos depois, quando os soldados do futuro Duque de Caxias contêm a Balaiada, revolta de escravos no Maranhão; entre 1968 e 1980, quando a Ditadura sentencia a vida de presos políticos; e em 2096, quando a guerra por água potável marca a rotina de um Rio de Janeiro distopicamente verticalizado.

Conhecido como roteirista de filmes como Bicho de Sete Cabeças e As Melhores Coisas do Mundo, Luiz Bolognesi estreia aqui como diretor de longas de ficção - e para alguém com sua experiência chama a atenção o didatismo do roteiro de Uma História de Amor e Fúria. Na verdade, é quase paradidatismo, porque o filme se assemelha a um livro ilustrado do ensino básico que está passando pela devida correção política - dando voz às minorias que sempre terminam excluídas da história oficial, a história dos vencedores.

Uma História de Amor e Fúria é didático no sentido em que simplifica relações e conflitos: tudo se resume a ação e reação. Os índios não cedem espaço, atacam os portugueses, e são dizimados. Os negros cansam da exploração, tomam a cidade, e são dizimados. Os cidadão se sufocam com o regime militar, organizam-se em guerrilha, terminam torturados e traumatizados. Os 75 minutos de duração, com a divisão em segmentos, não permitem que essas histórias se desenvolvam. O filme toma as dores do mundo e não vai muito além disso - como se lamentasse o fato de, desde o começo dos tempos, a história do homem ser feita com fúria e não com amor.

A coisa melhora no segmento ambientado no futuro porque, antes de mais nada, trata-se de uma especulação. É interessante ver o Rio de Janeiro de 2096 imaginado por Bolognesi porque, apesar do discurso politicamente correto, sua projeção beira a sátira: as milícias urbanas se profissionalizam a tal ponto que passam a ter ações negociadas na Bolsa, por exemplo.

Visualmente, Uma História de Amor e Fúria também é sentidamente melhor no trecho futurista. O diretor de animação não é o mesmo dos três segmentos anteriores, e a mistura de animação 2D tradicional com CGI e fundos pintados é muito mais harmoniosa. Até ali, o filme vinha bem truncado: fluia bem nas cenas de ação ou de movimentação rápida (onde se usa o CGI para emular o 2D), mas quando era preciso usar a animação tradicional, desenhada quadro a quadro, no corpo a corpo mais lento dos personagens a imagem parecia saída de uma animação dos anos 1980, especialmente no segmento indígena.

Dá a impressão de que muito mais tempo foi dedicado no desenvolvimento do Rio-2096, e talvez Uma História de Amor e Fúria fosse bem-sucedido se tivesse se concentrado a imaginar o futuro. Afinal, o filme repete três vezes que "viver sem conhecer o passado é viver no escuro", para justificar suas intenções, mas existe algo mesmo no passado narrado no filme que o espectador já não conheça?

Uma História de Amor e Fúria | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Regular