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Crítica

Ursinho Pooh 2 diverte quando aceita vocação de “Power Rangers para maiores”

Trajes de látex e tom de revanche social funcionam, mas filme os trata como distrações

29.04.2024, às 14H39.
Atualizada em 23.08.2024, ÀS 16H47

Ninguém se entrega mais para Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2 do que Marcus Massey. O ator britânico de ascendência indiana, dono de longo currículo no cinema de terror trash, veste um traje de látex elaborado, arrematado por penas pretas coladas porcamente à superfície, para encarnar a versão slasher do Corujão - e cada segundo dele em tela é um deleite. Distorcendo a figura paternalista e intelectual dos livros infantis em uma espécie de líder de gangue com tendências teatrais (cof cof) afloradas, ele é todo gestos expansivos, risadas maléficas e comentários sarcásticos, emprestando à continuação um senso de ridículo que fez muita falta no longa original.

Para o seu crédito, Sangue e Mel 2 parece seguir, pelo menos em parte, a deixa de Massey. Se não dá para dizer que todo o filme é infundido de certo bom humor, ao menos dessa vez o diretor Rhys Frake-Waterfield entende que sua trupe de vilões está muito mais para Rita Repulsa e Ivan Ooze - ambos inimigos antológicos dos Power Rangers - do que para Freddy Krueger e Jason Voorhees. Não pense que ele abandona totalmente os seus truques referenciais (o Tigrão do filme, interpretado por Lewis Santer, é todo codificado como o Freddy da turma), mas ao menos ele traz de suas raízes micro-orçamentárias uma falta de vergonha providencial, e uma vontade de aproveitar ao máximo qualquer fagulha de inspiração na qual pode ter esbarrado.

Isso significa, principalmente, que Frake-Waterfield não se esforça para esconder a tosquice dos trajes onde os seus atores estão metidos - sua preocupação, agora que tem um pouco mais de dinheiro à disposição, está mais em fazê-los parecer legais do que reais. Há de se admitir que ele e seu diretor de fotografia Vince Knight (o mesmo do primeiro filme) conseguem, na maior parte do tempo. A encenação das mortes em Sangue e Mel 2 também é francamente superior à que vimos no primeiro filme, trocando perseguições intermináveis em câmera lenta por arroubos de violência mais chocantes, muito embora a aposta dobrada no gore, realizado na mesma chave tonal circense de Terrifier, fique meio deslocado numa franquia em que o assassino não é literalmente um palhaço.

O outro favor que o diretor faz ao filme é o de aproveitar a dinâmica meio pateta, meio melodramática entre os seus assassinos para, ao lado do seu novo roteirista Matt Leslie (Verão de 84), organizar a agora potencial franquia em torno de um teatro de revanche social. Logo no início, Sangue e Mel 2 posiciona - ou melhor, nos diz diretamente - que Pooh e Christopher Robin são inimigos “que têm mais em comum do que imaginam”. Ambos são, afinal, ostracizados por uma sociedade que teme-os como monstros (seja essa monstruosidade uma mentira ou a consequência de atos que fugiram de seu controle), e ambos buscam reconquistar seu lugar nessa sociedade apesar da indiferença das instituições e das pessoas pautadas por elas.

A trama sente a necessidade de conectá-los por um laço ainda mais profundo, é claro, mas é fácil perdoar Sangue e Mel 2 pelo impulso de soletrar seus temas, principalmente se for para tentar posicionar-se no mesmo panteão de um Brinquedo Assassino ou um Halloween, franquias que há décadas se mostram aptas a comentários sociais iconográficos sem precisar de sutileza para isso. O problema é que tudo aqui cheira a cinismo, a distração, a alguém afobadamente agarrando o máximo de adereços respeitáveis - ou, pelo menos, interessantes a um público específico - e pendurando na sua árvore de Natal feiosa, para maquiar o quão pouca folhagem ela realmente tem.

Porque, no fim das contas, Sangue e Mel 2 não está interessado em resgatar o trash noventista dos Power Rangers para um público adulto sedento de sangue, e muito menos em tecer provocações sobre o ethos privado de solidariedade da organização social contemporânea. Não, isso tudo é distração. A ideia central em torno da qual tudo está organizado é muito mais vulgar - e não no sentido bonitinho, cult, subversivo da palavra. Este novo Ursinho Pooh é vulgar porque quer mesmo é fazer um troco rápido em cima de um conceito que vai rapidamente perdendo o brilho da novidade, e que permite ao seu diretor a indulgência das perversões mais fáceis que o cinema de terror sugere.

No fundo de qualquer exclamação de surpresa por essa ou aquela qualidade que o filme demonstre, portanto, sempre haverá o suspiro entediado de quem já viu tudo isso antes.

Nota do Crítico
Regular