A compra da Pixar pela Disney deu uma qualidade híbrida às produções dos dois estúdios, muitas vezes confundindo suas origens aos olhos do público. Valente é uma animação da Pixar com cara de Disney, enquanto Zootopia é um filme da Disney Animation que poderia facilmente ter saído da mesma fonte de Monstros S.A.
O novo exemplo dessa mistura é Viva - A Vida é Uma Festa (Coco). O símbolo da Pixar abre o filme e Lee Unkrich e Adrian Molina, mas é um gosto de Disney que fica durante o rolar dos créditos finais. A música é o elemento central da narrativa, que usa o Dia dos Mortos mexicano para contar uma história sobre sonhos e família.
Isso dá a Viva uma linguagem tradicional. A jornada de Miguel é clássica - um garoto que precisa lutar pelo seu direito de cantar e no caminho aprende valiosas lições sobre perdão e legado -, o que se reflete no visual do filme. A qualidade técnica da animação, capaz de recriar texturas com profundidade, se sobressai a sua inventividade estética. As decisões tomadas são esperadas e seguras, seja no design dos personagens ou no contraste entre os tons terrosos do mundo dos vivos e o colorido do mundo dos mortos. É o que afasta o filme da assinatura de um estúdio conhecido pela inovação visual, subtexto complexo e profundidade psicológica de personagens variados, sejam brinquedos, formigas, peixes ou idosos rabugentos.
Viva evita entrelinhas, mas se destaca por sua qualidade sentimental - há pelo menos uma cena de lágrimas garantidas - e pela homenagem que faz ao “dramalhão mexicano” dentro dessa proposta. Há traições e reviravoltas na história da família de Miguel que são dignas de novela. A animação, porém, evita o tom caricatural tratando esses elementos com delicadeza. A paixão move as relações familiares/amorosas de um povo que celebra seus antepassados para que a morte não seja o fim e esse entusiasmo nato é visto com orgulho.
Viva - A Vida é Uma Festa é uma animação competente, mas não se destaca entre outras que já trataram do mesmo tema (como Festa no Céu, animação de Jorge R. Gutiérrez produzida por Guillermo del Toro, e até A Noiva Cadáver, de Tim Burton e Mike Johnson). Sua aura de clássico Disney, contudo, garante uma verdade emocional que facilita a sua conexão com o público. Essa é uma celebração que entende a vida em todas as suas etapas, mesmo após a morte.