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Crítica

Walt nos Bastidores de Mary Poppins | Crítica

A amarga P. L. Travers pelos olhos mágicos da Disney

06.03.2014, às 21H50.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H48

Como nasce a fantasia? Walt nos Bastidores de Mary Poppins tenta estabelecer a gênese da babá voadora, contrastando a infância da escritora P. L. Travers a sua relutante colaboração na adaptação dos seus livros ao cinema.

walt nos batidores de mary poppins

walt nos batidores de mary poppins

Logo, o título brasileiro de Saving Mr. Banks não poderia ser mais impreciso. Em nenhum momento Walt Disney (Tom Hanks) é o protagonista, tampouco circula pelos bastidores do musical vencedor de cinco Oscars. O foco é a escritora (Emma Thompson) e a sua relação com o pai (Colin Farrell). Travers Robert Goff, um fracassado banqueiro no interior da Austrália, é o Sr. Banks das suas histórias. Adulta, Pamela Lyndon Travers (nascida Helen Lyndon Goff) criou Mary Poppins para salvar o triste homem que morreu de pneumonia quando ela tinha apenas 8 anos.

A relação íntima de Travers com a sua criação é a chave do conflito entre a escritora  e Walt Disney. Por 20 anos, o animador magnata tentou comprar os direitos de adaptação ao cinema, buscando cumprir uma promessa feita às filhas. Sem dinheiro e com medo de perder a sua adorada casa,  a escritora disse  “talvez” em 1961, aceitando viajar a Hollywood para ver de perto os planos do estúdio. Ela só assinaria o contrato depois de aprovar o roteiro.

Sua pompa britânica desembarca em Los Angeles pronta para rejeitar a tudo e a todos. “Cheira a suor e cloro”, rebate a declaração do simpático motorista (Paul Giamatti) sobre o belo dia que a recebe na cidade. As roteiristas Kelly Marcel e Sue Smith se aproveitam dessa personalidade formal e patologicamente sincera para criar situações cômicas, que funcionam graças ao talento de Thompson. Suas reuniões gravadas com o roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os músicos Richard e Robert Sherman (Jason Schwartzman e B.J. Novak) são os pontos altos do filme, com a escritora esperneando por vírgulas erradas, contestando o direito da mulher de votar e rejeitando qualquer canção que, segundo ela, pudesse transformar Mary Poppins em uma boba alegre. Essa redução da escritora a um Sheldon conservador, porém, falha em investigar como a criadora de uma personagem tão leve podia manter uma relação tão pesada com o mundo.

Diversos fatos controversos da vida de Travers ficaram de fora do roteiro, incluindo a sua difícil relação com o filho adotivo, que ela separou do irmão gêmeo seguindo conselhos de uma astróloga. Walt Disney também ganhou uma versão light, sendo retratado apenas como um simpático, porém enérgico, bonachão. Ao invés de contar a complexa história da adaptação de Mary Poppins, nascida da relação de duas pessoas opostas e complicadas, o filme pasteuriza divergências para criar uma história de redenção. A babá voadora salvou Mr. Banks e a Disney salvou a Srta. Travers de si mesma - relação essa que fica visível no figurino da protagonista, formal e fechado no início, solto e colorido no final.

A verdade é que P. L. Travers passou a vida odiando a versão da Disney para Mary Poppins (principalmente o uso de animação no filme) e certamente odiaria o filme de John Lee Hancock - segundo seus netos, ela morreu aos 96 anos sem amar ninguém e sem ninguém para amá-la. Embora a interpretação de Thompson seja precisa (uma gravação da voz da escritora durante os créditos atesta isso), a versão cinematográfica da criadora da babá voadora é mero esboço. Ironicamente, a “magia Disney” transformou Travers na personagem cômica que ela tanto lutou para que a sua Mary Poppins não se tornasse.

Nota do Crítico
Bom