X-Men: Fênix Negra é um filme que já chega com cheiro de velho por conta de toda a circunstância que envolve a despedida dos mutantes da Fox, a decisão de revisitar o arco da força Fênix 13 anos depois de X-Men 3, a compra pela Disney e o futuro recomeço no MCU. A melhor notícia que se pode dar ao público e aos fãs, então, é que essa impressão prévia não se confirma totalmente: Fênix Negra é um produto de entressafra, sim, mas é também um filme afinado com seu tempo.
O diálogo que o roteirista e diretor estreante Simon Kinberg traça aqui é com Logan, o filme de Wolverine que ele ajudou a produzir e que oxigenou o gênero de super-heróis com uma guinada ao drama mais adulto. Fênix Negra não renuncia ao espetáculo de blockbuster que se espera de um longa mutante, mas é todo encenado (nas escolhas de close-up, nos conflitos de personagens, nas ambientações chuvosas, soturnas) em busca de uma estatura dramática mais incisiva e consequente. Se Kinberg vai se despedir dos X-Men, ele opta pelo caminho crepuscular e definitivo de Logan porque, afinal, agora já não tem mais nada a perder.
Essa escolha fica demarcada não apenas na jornada de Jean Grey dentro do filme mas principalmente de Charles Xavier, pedra fundamental do universo mutante. Diante da oportunidade de fazer uma celebração nostálgica e autorreferente dos X-Men com esse fecho de ciclo (nostalgia que seria até justificada, dada a distância dos primeiros X-Men nos anos 2000), Kinberg pega o rumo oposto e problematiza o legado do Professor X (inclusive questionando o próprio nome "X-Men") da mesma forma melancólica e revisionista que Logan fechou a história de Wolverine. Em ambos os casos, o conceito de família, tendo Xavier como o emblema do patriarca provedor e centralizador, é colocado em xeque.
A influência que o revisionismo de James Mangold exerce sobre Kinberg é visível, mas o que faz de Fênix Negra um filme bem 2019 é o protagonismo feminino. Jennifer Lawrence, Sophie Turner e Jessica Chastain reivindicam para si o lugar discursivo, enquanto aos personagens homens resta remoer suas convicções articuladas anteriormente. X-Men sempre foi veículo propício para alegorias sociais (os direitos civis nos anos 1960, as desilusões adolescentes no fim dos anos 80, a perseguição aos gays nos anos Singer no cinema) e Kinberg não se faz de desentendido. No ano de Capitã Marvel e Alita, seu Fênix Negra transforma o subtexto feminista em texto sempre que pode.
O resultado - tanto na opção pela chave revisionista/crepuscular quanto nas escolhas de discurso empoderador - é cheio de inconsistências. Falta agilidade à decupagem, ao mesmo tempo em que viradas acontecem com pressa. Embora Kinberg seja roteirista veterano, aqui ele se mostra particularmente superficial nas relações de causa e efeito; a velocidade com que personagens atribuem culpa uns aos outros ou mudam de lado e opinião é bizarra (numa altura, Magneto literamente se vê falando em cena que mudou de ideia em relação a assassinar friamente certo personagem).
Ainda assim, Fênix Negra não deixa de ser contundente em algumas escolhas de caracterização. Isso está, por exemplo, na forma como Scott se dirige a Jean quando ela surta ("você jurou que voltaria para mim", grita ele cheio de senso de merecimento), está na redução de Xavier e Hank a egos feridos (não só Charles mas também Hank é mostrado com um copo de bebida na mão em cenas distintas de lamentação) e está na forte imagem-síntese de Magneto atacando Chastain com dezenas de metralhadoras ao mesmo tempo, impulso automático e desesperado de preservação de uma ordem bélica e masculina do mundo.
Obviamente muito disso pode ser interpretado em sentido despolitizado (o desfecho da história de Scott e Jean inclusive é construído para desfazer as decisões de X-Men 3 e configura fácil um fan service), mas Fênix Negra traz elementos contundentes demais de um posicionamento discursivo (desde o fato de Jean beber ponche sem considerar a opinião de Scott, no início da trama) para se ignorar. O filme acaba fortalecendo o isolamento de Jean por conta desse senso de despertencimento num mundo de homens (e no gênero dos super-heróis em geral, também masculino em essência), e Kinberg faz um relato invulgar nesse sentido, embora frequentemente desmedido.