Em uma entrevista recente, o criador de Família Soprano, David Chase, disse que, depois de entregar um novo roteiro, pediram-lhe para “emburrecer” aquele texto. Chase critica o que acredita ser uma tendência de trivialização dessas narrativas, que estaria colocando um fim à chamada era de ouro da teledramaturgia americana, da qual Sopranos permanece o totem principal de “qualidade”.
Evidentemente há muita diferença entre televisão feita em escala industrial e o cinema bissexto de um cineasta como Jonathan Glazer, mas o novo filme do diretor, Zona de Interesse, vem para mostrar que ainda é possível contar histórias de modo complexo, aprofundado e sem concessões - e ser reconhecido por isso pela crítica e pela comunidade do audiovisual. O fato de Zona de Interesse estar sendo lembrado em premiações nesta temporada do Oscar é uma luz para contadores de histórias que ousam, inclusive, abordar nessas histórias como sociedades podem depreciar quando aceitam desvios como uma nova norma e a tratam com sinistra naturalidade.
No filme, acompanha-se a história da família de Rudolf Hoss, comandante do exército alemão na Segunda Guerra, que mora literalmente ao lado de Auschwitz e lidera as operações dentro daquele que ficou conhecido como o mais brutal campo de concentração da Alemanha de Hitler. Glazer se nega a explicar qualquer detalhe da trama de forma tradicional, seja falada ou por imagens, e apenas conduz a trajetória dos Hoss como um grupo de pessoas de um subúrbio qualquer. Abordar essa naturalidade de frente é a forma de expor sua estranheza.
A primeira cena, com todos os familiares num lago se banhando num verão bucólico, expressa justamente essa normalidade com a qual o cineasta orquestra todos os pontos de Zona de Interesse. Seja na preparação do almoço, contando uma história para os filhos dormirem ou mesmo numa discussão de casal, o roteiro, também de Glazer, mas baseado no livro homônimo de Martin Amis, impõe de forma sutil a banalidade com que os agentes de um dos maiores crimes da humanidade se comportaram.
O filme nunca permite que haja um rompante que descubra a realidade; na verdade, desde o primeiro minuto, quando deixa a tela preta e aumenta a trilha, Zona de Interesse busca atenção do espectador para o que não está ali. Ao mesmo tempo que retrata um casal de adolescentes se beijando escondidos, é possível ouvir tiros sacrificando prisioneiros ou acompanhar a sutil fumaça dos trens lotados chegando para testar as primeiras câmaras de gás que marcaram a História. Mesmo nos conflitos, há o pedaço do normal que permeia o filme, seja ele o amor entre homem ou mulher, ou mesmo o embate de classes e disputa de forças tão comum em qualquer sociedade.
Sem subir o ritmo em seus 90 minutos, Glazer parece não questionar os motivos de cada crueldade cometida, nem mesmo as motivações da família Hoss, mas sim expor como é do ser humano optar pela comodidade, independente do que acontece ao redor. É mais fácil acompanhar e aceitar, engolindo o que já vem mastigado e seguir ordens, do que perguntar. É mais fácil apontar o dedo para o que há na superfície, ignorar o que se passa por trás da cortina, e simplificar a discussão. E ainda que faça um filme que pareça uma convenção da crueldade nazista, o cineasta deixa claro como a banalidade daquela época não é um traço especial de um povo, mas sim inerente ao comportamento humano, que sempre opta pela zona de conforto.