O diretor Scott Derrickson anunciou pelas redes sociais sua saída do comando de Doutor Estranho 2. O motivo teria sido “diferenças criativas” com o Marvel Studios, uma justificativa que, embora não diga muito sobre que de fato provocou a decisão, se tornou padrão em Hollywood quando cineastas e atores deixam projetos no meio do caminho. Não à toa, o também diretor Phil Lord escreveu para Derrickson no Twitter: "você se juntou ao clube secreto dos punk rockers, meu amigo. Boa sorte e amor".
A expressão “diferenças criativas” é suficiente para ilustrar que diretor (ou qualquer outro membro da produção) e estúdio não compartilham da mesma visão para o projeto. Podem ser discordâncias sobre o tom do longa, quem encabeçará o elenco ou, mesmo, qual será sua trama. Especula-se que, no caso de Derrickson e Marvel, o ponto de discórdia tenha sido o elemento do terror: o diretor afirmou que Doctor Strange in the Multiverse of Madness se encaixaria no gênero, enquanto o presidente da Casa de Ideias Kevin Feige via um filme com sequências assustadoras, tal qual Gremlins e Poltergeist.
Mas, até que um dos dois efetivamente dê uma declaração com mais substância, as minúcias dos desentendimentos seguirão em sigilo. Exatamente por isso que os estúdios adotam o termo para revelar a saída de cineastas dos seus projetos. Ele é amplo o suficiente para dissociar a empresa de uma eventual polêmica.
Derrickson, porém, não é o primeiro a deixar o comando de uma produção de um grande estúdio por “diferenças criativas”. Relembre a seguir alguns casos recentes:
PHIL LORD E CHRIS MILLER EM HAN SOLO
Han Solo: Uma História Star Wars/Lucasfilm/Reprodução
A mensagem de Phil Lord a Scott Derrickson não foi gratuita: o diretor passou por uma situação semelhante ao lado do parceiro Chris Miller em Han Solo: Uma História Star Wars. Na ocasião, a dupla disse em nota: "infelizmente, nossa visão e processo não estavam alinhados com o nosso parceiro desse projeto. Normalmente não somos fãs da frase ‘diferenças criativas’, mas dessa vez o clichê é verdadeiro".
Eventualmente se tornou público que não se tratou de uma decisão em conjunto, mas sim de uma demissão. De acordo com matéria da Variety na época, a presidente da Lucasfilm Kathleen Kennedy não aprovava o estilo de direção dos dois. Já os diretores estavam surpresos com o controle da produtora no set.
Em nota, seis meses depois, Kennedy esclareceu o motivo por trás da decisão:
"Penso que são hilários, mas eles vêm de um contexto de animação e comédia, em que há muito espaço para improviso quando se está fazendo esse tipo de filme. Nós também fazemos isso o tempo todo, mas tem que fazer parte de um processo de altamente estruturado ou você não conseguirá concluir seu trabalho, alinhar as pessoas ou resolver problemas. Foi literalmente um problema no processo de concluir as coisas."
COLIN TREVORROW EM STAR WARS IX
Star Wars: A Ascensão Skywalker/Lucasfilm/Reprodução
Antes de J.J. Abrams assumir a direção do Episódio IX e nomeá-lo A Ascensão Skywalker, o longa era responsabilidade de Colin Trevorrow. O cineasta chegou, inclusive, a escrever um roteiro com Derek Connolly.
O motivo da sua saída nunca se tornou público. Os primeiros rumores apontavam como causa da demissão o ego do diretor. Depois, uma fonte do The Wall Street Journal alegou que Kathleen Kennedy não estava satisfeita com a história proposta por ele. Fato é que, apesar do afastamento, Trevorrow foi creditado pelo tratamento de A Ascensão Skywalker.
JOSS WHEDON APÓS VINGADORES: ERA DE ULTRON
Vingadores: Era de Ultron/Marvel Studios/Reprodução
Joss Whedon foi uma figura muito importante para as fases 1 e 2 do universo cinematográfico da Marvel. Não apenas ele dirigiu os dois primeiros Vingadores e criou a série Agents of S.H.I.E.L.D., como também serviu como consultor para vários filmes da Casa de Ideias. No entanto, conflitos com o estúdio durante o desenvolvimento de Vingadores: Era de Ultron levaram ao afastamento do diretor.
Whedon e Marvel tinham visões diferentes para o projeto. Enquanto o diretor queria focar no desenvolvimento da relação entre os personagens e ampliar as cenas na fazenda de Clint Barton, assim como o sonho da Viúva Negra, os executivos do estúdio pediam por mais ação e que a visão de Thor na caverna fosse maior. Somados às muitas horas de trabalho, que já afetavam sua vida pessoal, e seu descontentamento com os rumos de Agents of S.H.I.E.L.D., os problemas de Era de Ultron acabaram se mostrando realmente decisivos para o divórcio entre Whedon e Marvel.
EDGAR WRIGHT EM HOMEM-FORMIGA
Homem-Formiga/Marvel Studios/Reprodução
Outra crise do Marvel Studios causada por “diferenças criativas” envolveu o diretor Edgar Wright e o primeiro Homem-Formiga. Atrelado ao projeto desde o início do seu desenvolvimento, o cineasta originalmente assumiria não só a direção, como também assinaria o roteiro ao lado de Joe Cornish. Porém, Wright e o estúdio tinham visões muito distintas para o projeto que, no final, se mostraram inconciliáveis.
“Acho que a resposta mais diplomática é que eu queria fazer um filme da Marvel, mas não acho que eles queriam fazer um filme do Edgar Wright. Foi uma decisão muito difícil de deixar o projeto depois de ter trabalhado por tanto tempo”, afirmou à Variety, em 2017.
Fontes do Latino Review afirmaram, na época, que o estúdio queria mais conexões com o restante do MCU e que a dupla amenizasse o lado moral do filme. A versão não teria agradado o estúdio, que teria envolvido, então, outros roteiristas. A decisão teria desagradado Wright.
“Eu era o diretor e roteirista e queriam fazer um rascunho sem mim”, declarou o diretor. “Depois de ter escrito todos os meus filmes, foi algo difícil de seguir. Se eu fizer um filme desses, gostaria de ser o diretor e roteirista. De repente, você começa a investir menos emocionalmente e se pergunta por qual motivo você está ali”.
Peyton Reed o substituiu na direção e o script foi de fato reescrito por Paul Rudd e Adam McKay. Mas, de acordo com Rudd, apesar da adição de cenas e mudanças de personagens, a ideia do longa ainda era toda de Wright e Cornish.
PATTY JENKINS EM THOR: MUNDO SOMBRIO
Thor: Mundo Sombrio/Marvel Studios/Reprodução
Antes de dirigir Mulher-Maravilha em 2017, Patty Jenkins quase dirigiu um filme de herói da Marvel. Jenkins originalmente comandaria Thor: O Mundo Sombrio. Mas sua versão seria bem diferente da que foi para as telas. A intenção da diretora era fazer uma espécie de "ópera espacial à la Romeu e Julieta que se desdobraria na separação de Thor e Jane Foster", como ela mesma explicou à Indie Wire.
"Queria fazer algo para parecido com o arco de Mulher-Maravilha naquele filme e eles inicialmente gostaram e ficaram muito empolgados. Mas quando já estava lá, perceberam que o universo em volta do filme mudara, assim como o que eles precisavam fazer", explicou a diretora em entrevista ao Omelete, em 2017. “Senti que não era a pessoa certa para aquela história”.
MICHELLE MACLAREN EM MULHER-MARAVILHA
Mulher-Maravilha/Warner Bros/Reprodução
Ironicamente, antes de Jenkins assumir Mulher-Maravilha, a diretora Michelle MacLaren deixou o projeto por causa de “diferenças criativas” com a Warner Bros. De acordo com fontes da Variety, a ideia de MacLaren era fazer um épico, semelhante a Coração Valente, enquanto o estúdio queria uma história com mais foco na personagem, pegando mais leve na ação. Mas, ao que parece, as discordâncias entre as partes eram ainda maiores, indo desde a época em que o filme se passaria até a possibilidade da heroína ganhar como companheiro um tigre falante.
OS VÁRIOS DIRETORES DE THE FLASH
Liga da Justiça/Warner Bros/Reprodução
O filme solo do Flash, hoje nas mãos do diretor Andy Muschietti, já passou por várias idas e vindas. Desde 2014, quando o projeto foi oficializado, Seth Grahame-Smith, Rick Famuyiwa e a dupla John Francis Daley e Jonathan Goldstein foram anunciados para a cadeira de diretor. Todos deixaram o projeto alegando "diferenças criativas" com a Warner Bros, mas nenhuma delas foi revelada ao público.
DANNY BOYLE EM JAMES BOND 25
Universal Pictures/Divulgação
O próximo filme da franquia James Bond, que chega aos cinemas em abril, originalmente não seria comandado por Cary Fukunaga, mas sim por Danny Boyle.
As "diferenças criativas" que levaram à saída de Boyle em agosto de 2018 não foram anunciadas oficialmente. No entanto, de acordo com The Telegraph, o diretor e o ator Daniel Craig teriam discordado sobre a escalação do ator Tomasz Kot para interpretar um vilão russo. Além disso, a exigência de Boyle de levar sua própria equipe teria desagradado a produtora Barbara Broccoli.
Quando comentou a partida à revista Empire, o cineasta não confirmou os rumores. Ele apenas disse: "o que eu e John [Hodge, roteirista] estávamos fazendo era realmente bom. Não estava pronto, mas poderia ter sido realmente bom. Trabalhávamos bem, mas eles não queriam seguir esse caminho conosco. Então decidimos partir".
TIM MILLER EM DEADPOOL 2
Deadpool 2/20th Century Fox/Reprodução
Depois do sucesso de Deadpool, parecia lógico que Tim Miller retornasse para a direção da sequência. No entanto, o cargo foi ocupado por David Leitch.
No final de 2019, Miller explicou que a postura de Ryan Reynolds foi decisiva para que abandonasse a franquia. Em entrevista ao Hollywood Reporter, ele disse que o ator, roteirista e produtor "queria estar no controle da franquia". "Como diretor você pode trabalhar dessa forma, e até ter bastante sucesso, mas eu não consigo”, concluiu.