Filmes

Entrevista

"É essencial que as mulheres ocupem os espaços", diz diretora Julia Rezende

Cineasta lança no segundo semestre o longa Como É Cruel Viver Assim, comédia elogiada em festivais

13.07.2018, às 17H58.
Atualizada em 13.07.2018, ÀS 18H15

Entre todos os filmes brasileiros previstos para o segundo semestre, Como É Cruel Viver Assim é o título nacional mais bem exposto nas salas de exibição e com o melhor boca a boca nas redes sociais. Na sua passagem por festivais, incluindo o Festival de Cannes, a comédia de erros chegou a ser comparada ao cult Fargo, dos irmãos Cohen.

Reprodução

O FIM - Festival Internacional de Mulheres, em São Paulo, deu ainda mais visibilidade e prestígio ao longa-metragem. Sua estreia ficou para 16 de agosto, mas seu pôster já está por todo canto nas redes de multiplex e cinemas de arte.

A direção é da carioca Julia Rezende, campeã de bilheteria e responsável pela milionária franquia Meu Passado Me Condena. Fora os blockbusters, a cineasta é respeitada pela crítica pelo drama romântico Ponte Aérea, que lançou em 2015.

Baseada na peça teatral homônima de Fernando Ceylão, Como É Cruel Viver Assim fala sobre um golpe armado pelo desempregado Vladimir (Marcelo Valle), perdido na vida e incomodado por não poder ajudar sua namorada, Clívia (Fabiula Nascimento), a realizar seu sonho de ter uma linda festa de casamento. O dinheiro que ela ganha na lavanderia que herdou da tia mal dá para pagar as contas do mês. Eis que surge Regina (Debora Lamm), uma amiga do casal, propondo uma virada de mesa: sequestrar seu ex-patrão, riquíssimo. Para realizar o sequestro, Vladimir convoca Primo (Silvio Guindane), um amigo mais enrolado do que ele. Os quatro começam a tratar dos detalhes da missão, abrindo precedente para uma sucessão de confusões, alguma divertidas, outras perigosas.

Na entrevista a seguir, Rezende fala ao Omelete sobre o Brasil que buscou representar e discute a importância da representatividade feminina por trás das câmeras.

Omelete: A que geração você se sente pertencente, em relação a seus pares de cinema? Que cinema essa geração busca fazer? O que você busca fazer por essa geração?

Julia Rezende: Comecei a dirigir séries em 2010, quando os canais a cabo estavam tateando a produção de séries e tudo ainda era muito incipiente. A primeira vez que pensei 'ah, dá pra ter uma ideia e vender prum canal de TV' foi com o Pedro Antônio e o Álvaro Campos, que criaram Os Buchas pra OI TV. O Pedro Amorim também estava fazendo as primeiras séries do GNT. O Ian SBF criou séries para o Multishow. Algum tempo depois, todos nós estávamos dirigindo longas. O Matheus Souza fez uma vaquinha na faculdade e fez um filme entre amigos. Era possível! Então me sinto parte dessa geração que circula entre as séries e os filmes. É uma turma que hoje está entre os 30 e os 40 e que vem encontrando espaço para criar tanto na TV como no cinema. Meus pares são muitos desses jovens diretores e também os roteiristas e os técnicos com quem divido a criação. Costumo trabalhar com a mesma equipe e a gente vem crescendo juntos, quase como uma companhia de teatro. Acho que estamos buscando o equilíbrio entre o cinema que comunica com um público mais amplo e um cinema menos comprometido com expectativas de mercado, que trate das nossas inquietações, de como nos enxergamos no mundo hoje.

De que maneira a peça Como É Cruel Viver Assim, de Fernando Ceylão, ofereceu a você um caminho para abordar um Rio de Janeiro invisibilizado no cinema?

A peça do Ceylão trazia marcas fortes. Era um texto ácido, crítico, engraçado, com uma densidade rara no humor. Quando o ator Marcelo Valle me apresentou ao texto, perguntando se eu achava que daria uma série, disse pra ele: 'essa história é um filme! Vamos fazer!'. É uma história sobre pessoas que se sentem invisíveis, pessoas que estão desesperadamente buscando um lugar ao sol. Eles precisam ser notados, precisam se sentir respeitados. Enxergava essa história na periferia de grandes cidades. É como se esses personagens pudessem estar pelo mundo, na periferia de Tóquio, de Londres, de Nova York. Mas como nós estávamos no Rio, fui buscar essa paisagem na Baixada Fluminense. Não era o Rio da Zona Norte. Tinha que ser para lá da Avenida Brasil. E aí fomos parar em Nilópolis, passarela 33 da Brasil. E quando chegamos lá foi como se os personagens já pertencessem àquele lugar. Uma dona de lavanderia, um desempregado que vive de bicos, um garoto que vive com a mãe depiladora, uma babá. Encontramos todos eles em Nilópolis.

Você é uma das diretoras de maior público no cinema latino-americano hoje. De que maneira você vê o aumento do espaço para as cineastas?

Cada vez que vejo um filme dirigido por uma mulher, eu vibro! É importante demais conquistarmos esse espaço de narradoras de histórias. Como É Cruel Viver Assim participou, agora em julho do FIM e achei o máximo. Era uma semana dedicada a filmes e debates com realizadoras. É essencial que a gente ocupe os espaços. É evidente que ainda faltam muitas oportunidades, especialmente para mulheres negras. Como pode o Brasil não ter mais longas dirigidos por realizadoras negras? Até quando? É urgente rever isso. Acredito que cada filme bem-sucedido dirigido por uma mulher abre espaço para outras.

Que heroísmo cabe em Como É Cruel Viver Assim?

Vladimir é um sujeito comum que é atravessado por essa necessidade de se sentir respeitado. Ele não tem o caráter e nem o talento para o crime, mas decide que fazer um sequestro é o ato heroico que pode dar algum sentido à sua vida. É um heroísmo de salvar a si mesmo da mediocridade.

Em paralelo à preparação do lançamento de Como É Cruel Viver Assim, você dirigiu De Pernas Pro Ar 3, parcialmente rodado em Paris. O que essa franquia com Ingrid Guimarães te oferece de mais atraente para falar de família, da condição feminina, do Brasil?

Quando recebi o convite pra dirigir o Pernas, me perguntei se era um projeto cuja narrativa teria algo a me acrescentar. Queria saber ser era um projeto com o qual eu pudesse contribuir. Então a Ingrid colocou em pauta a questão da mulher de hoje e o desejo de evoluir a discussão do conflito trabalho x família para uma pergunta que é: por que nós, mulheres, temos que enxergar o trabalho em oposição aos filhos e à vida pessoal? Estou vivendo exatamente isso agora, filmando com meu bebê no colo, e tentando dar conta de tudo. Ninguém faria um filme sobre um homem workholic que tenta conciliar o trabalho com a família, não é mesmo?