Ryan Reynolds veste óculos como Guy, protagonista de Free Guy (Disney/Divulgação)

Filmes

Notícia

Free Guy consolida Ryan Reynolds como um dos grandes leading men de Hollywood

Novo filme vê astro canadense tornar-se indispensável na frente e atrás das câmeras

20.08.2021, às 20H10.
Atualizada em 21.08.2021, ÀS 12H23

Era 2016 quando o roteiro de Free Guy: Assumindo o Controle chegou às mãos do diretor Shawn Levy, que recusou o projeto sem muita cerimônia. Foi só em meados de 2018, quando Hugh Jackman (astro de Gigantes de Aço, filme de 2013 dirigido por Levy), o apresentou a Ryan Reynolds, que o blockbuster original sobre um personagem não jogável (NPC) que desperta para a realidade virtual em que vive começou a tomar forma. Faz sentido: o principal lançamento desta semana nos cinemas brasileiros é um veículo feito sob medida para o carisma, a jocosidade e a experiência em comédias de ação e românticas que vêm no pacote Reynolds.

Como fez em Deadpool (2018), o astro canadense transformou Free Guy em um projeto pessoal, assumindo não só o papel principal, mas também a produção do filme e colaborando com o roteiro assinado por Matt Lieberman e Zak Penn. Quando a 20th Century Fox foi comprada pela Walt Disney Company, foi a aliança entre Reynolds e Levy que garantiu algumas das principais propriedades intelectuais da Casa do Mickey como surpresas de luxo na trama. Isso porque, seguindo a fórmula deixada por Tom Cruise, Dwayne “The Rock” Johnson e Margot Robbie, Reynolds abraçou a possibilidade de usar o filme se consolidar como um membro do panteão de leading men e leading women que constroem seus próprios projetos em Hollywood, seja criando franquias ou absorvendo papéis de bastidores naquelas que protagonizam.

Recentemente, alguns dos mais conceituados veículos de imprensa dos Estados Unidos dedicaram artigos para a análise da figura do leading man hollywoodiano nos tempos atuais. Como definiu o jornalista Scott Mendelson, da Forbes, leading men tradicionais eram definidos pela sua capacidade de carregar uma massiva quantidade de público aos mais diversos projetos cinematográficos, equilibrando a adesão popular entre a pura e simples exposição de sua persona e a exploração do apelo do seu personagem da vez. A regularidade entre sucessos em grandes produções e filmes de menor escala era o que, ao longo prazo, solidificava a reputação e status dos representantes dessa seleta classe, que já incluiu astros como Harrison Ford, Nicolas Cage e Sidney Poitier. Só que isso mudou.

Para Mendelson, o sucesso comercial estrondoso de franquias como o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), ou mais recentemente o resgate de Star Wars em uma nova trilogia, fez com que estúdios passassem a investir cada vez mais nas propriedades que setinha, sem grande preocupação em verificar se elas se adequavam aos anseios do público e, assim, aumentando as chances de fracasso que impedem jovens leading men em potencial de atingirem o nível de estrelato de um Will Smith ou Tom Cruise. Quando John Boyega ascende de estrela de um filme independente de sucesso como Ataque ao Prédio (2011) para co-protagonista em Star Wars: O Despertar da Força (2015), ele dá dois passos certeiros nessa direção. Mas quando esse potencial é enfiado em um projeto com altas chances de fracasso como em Círculo de Fogo: A Revolta (2018), a mensagem que Hollywood compreende é que o problema é o ator, não o filme, e parte em busca do próximo bode expiatório.

Tom Cruise em Top Gun: Ases Indomáveis (1986): nascia um leading man (Paramount Pictures/Divulgação)

Como o próprio Mendelson aponta, o caso de Boyega é ainda mais flagrante por englobar também o racismo estrutural que assola as decisões comerciais de Hollywood. Charlie Hunnam fez caminho similar ao astro de Star Wars, saído do sucesso televisivo de Sons of Anarchy para a lista de elenco dos sonhos de praticamente todas as grandes produções em desenvolvimento, até ser descartado como leading men de relevância. Só que ele pôde falhar ao menos duas vezes em quebrar a banca das bilheterias, no Círculo de Fogo (2013) original e em Rei Arthur: A Lenda da Espada (2017). O mesmo aconteceu com Armie Hammer, antes mesmo de acusações de comportamento abusivo e denúncias estranhas de vampirismo tirarem dos trilhos a carreira do ator. Ele também registrou dois strikes, com O Cavaleiro Solitário (2013) e O Agente da U.N.C.L.E. (2015), antes de se tornar carta fora do baralho de produções gigantescas. Boyega, por outro lado, viu sua importância minguar gradativamente, logo depois de A Revolta, entre o Episódio VIII e Episódio XIX da franquia da Lucasfilm, e o interesse de grandes franquias em seu nome desaparecer.

Ao mesmo tempo em que a análise de Mendelson faz bastante sentido, cravar que as crescentes grandes franquias extinguiram o formato clássico de leading men ignora exceções muito ativas que a repórter Liza Mullett, da Cultured Mag, apontou de forma certeira ainda neste ano: os casos de Adam Driver, Yahya Abdul-Mateen II e Thimotée Chalamet. Os três atores colecionam papéis centrais em franquias renomadas e produções originais conceituadas na mesma proporção, despontando como os representantes modernos do arquétipo defendido na Forber. A proximidade a grandes criadores do cinema moderno, como Ridley Scott no caso de Driver, Jordan Peele no de Abdul-Mateen II e Denis Villeneuve no de Chalamet, permitem ao trio uma maior segurança em relação à foice da bilheteria. E, mesmo que a questão racial permaneça flagrante quando analisado o grau de protagonismo que Driver e Chalamet já experimentaram na carreira, em relação a Abdul-Mateen II, o sucesso do astro de A Lenda de Candyman é um empolgante precedente para a diversidade futura entre os leading men hollywoodianos.

Yahya Abdul-Mateen como protagonista em A Lenda de Candyman: leading man clássico no século XXI (Warner Bros. Divulgação)

Agora, se não figuram com esses três, onde se encaixa Ryan Reynolds, ou os supracitados Cruise, Johnson e Robbie? O jornalista Mark Harris trouxe uma excelente resposta em análise escrita para a GQ em 2013: a verdadeira estrela de cinema de hoje é aquela que entende que todos os leading men (ou women) eventualmente fracassam, mas os verdadeiros perseveram sobre isso. São eles os astros que compreendem que seu tempo como favoritos do público é limitado, assim como tudo que depende da opinião mutável de terceiros, e se preparam para isso. Estrelas como George Cloney e Brad Pitt, que ao envelhecerem e perderem apelo e papéis, conseguem fazer isso parecer graciosamente uma escolha de carreira: produzindo seus próprios e menores filmes, abraçando papéis em longas conceituados e aguardando as oportunidades certas em produções maiores para relembrar ao mainstream, sempre que possível, da influência e magnetismo que ainda preservam.

Em Era Uma Vez em... Hollywood, Quentin Tarantino faz isso com Pitt e seu personagem Cliff Booth, ao mesmo tempo em que usa Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) para ilustrar a mudança na percepção sobre atores, seus talentos e sua função, que marcaram o período de transição da Hollywood em crise dos anos 1960 para a Hollywood criativa e experimental dos anos 1970. Estrela de uma série de faroeste da década de 1950, Dalton não consegue encontrar o mesmo sucesso nos anos seguintes por estar acostumado a uma realidade que vinha sendo deixada para trás: a de uma indústria que priorizava a figura do ator sobre a do personagem por ele interpretado. Quando convidado a se caracterizar com peruca e bigode falso, o astro fictício não consegue entender como o público vai querer vê-lo desaparecer em um papel; justamente a habilidade que faria com que Robert De Niro e Al Pacino disparassem ao estrelato dentro de alguns anos.

Brad Pitt como Cliff Booth e Leo DiCaprio como Rick Dalton, em Era Uma Vez em... Hollywood (Sony Pictures Releasing/Divulgação)

O que Tarantino coloca como chance de sobrevivência de Dalton em Hollywood é a escolha de ceder; se dobrar à tendência de mercado e fazer o necessário para se reinventar enquanto ator, tomando controle sobre a própria carreira. Quando Era Uma Vez em… Hollywood termina, não sabemos qual será o futuro do personagem de DiCaprio, mas no mundo aqui fora é muito fácil cravar que o próprio ator seguirá sendo um leading men de respeito por muitos anos a fio. Fundador da Appian Way Productions, o protagonista de O Aviador (2004), Ilha do Medo (2010) e O Lobo de Wall Street (2013) é também produtor de todos esses títulos, com o mais novo projeto de Scorsese, Killers of the Flower Moon, chegando provavelmente no ano que vem para aumentar a lista. Impossível estar mais no controle que isso.

Com uma história original que não funcionaria, ou sequer existiria, sem o trabalho de Ryan Reynolds na frente e atrás das câmeras, Free Guy: Assumindo o Controle é a peça de quebra-cabeça que consolida o astro canadense como membro do seleto panteão de leading men hollywoodianos para além do que qualquer filme de Deadpool poderia fazer. Caso o filme mantenha a boa performance nas bilheterias que apresentou em sua estreia, ao menos para a realidade crítica da pandemia da covid-19, esse impacto positivo no status do ator deve ser ainda mais sentido. Isso sem falar no aceno da Disney com a possibilidade de uma franquia a partir da produção.

Chega a ser irônico notar que, quando Mark Harris definiu o conceito de estrela de cinema para os tempos atuais, ele o fez falando sobre Channing Tatum, que faz uma ponta em Free Guy. Se o mundo dá voltas, Hollywood dá piruetas.