Estamos paralisados: esta semana, os atores de Hollywood se uniram aos roteiristas no que pode ser a maior greve na história da indústria. A revisão dos contratos, que envolve atualização de ganhos, regulamentações de streaming e limite do uso de Inteligência Artificial, é algo totalmente novo para os profissionais - e enquanto eles batalham lá pelos seus direitos, aqui ficamos tentando entender exatamente o que se passa.
Para ajudar, montamos um guia básico da greve, para entender as exigências de cada um dos Sindicatos e o que estas greves significam para o futuro de Hollywood.
O que é a greve em Hollywood?
Emma McIntyre Getty Images via AFP
Atores e roteiristas de Hollywood, representados pelo Sindicato de Atores (SAG - AFTRA) e Sindicato de Roteiristas (WGA), anunciaram a paralisação de seus trabalhos, isto é, a instituição de uma greve. Enquanto os roteiristas estão em greve desde 2 de maio, atores estão paralisados desde 13 de julho.
A paralisação aconteceu depois que as duas organizações não conseguiram chegar a um acordo com a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), associação que representa diversas empresas de produção de filmes e séries, como a Sony, a Disney, a Warner e por aí vai.
As negociações fracassaram, em termos gerais, porque atores e roteiristas procuram uma atualização de seus contratos em uma era totalmente nova na indústria, principalmente por causa da dominância das plataformas de streaming e o uso de Inteligência Artificial.
Por que os atores estão em greve?
CHRIS DELMAS AFP
Representados pela Presidente do SAG, Fran Drescher, os atores pedem revisão de ganhos residuais por streaming, aumento de salários, regulamentação de uso de IA, limitação de testes de elenco pré-gravados, aumento de pensões e planos de saúde, atualização de períodos de contrato e outros tópicos de contrato [via Variety].
Entre as demandas, os principais focos de discussão são os ganhos residuais. Como o ator Sean Gunn bem explicou recentemente, usando o caso de seu trabalho na série Gilmore Girls, ele recebe um valor fixo da Warner Bros Discovery pela simples inclusão da série na plataforma Netflix, independentemente do sucesso ou audiência da produção - assim como todos os elencos em diferentes produções já encerradas. Para os atores, os ganhos residuais por seus trabalhos disponibilizados nas plataformas deveriam ser dependentes da popularidade de cada produção e valor da produção para a empresa. A ideia é que exista algum tipo de substituto para o fim das reprises televisivas, que antes representam fontes de renda substanciais para atores e roteiristas.
Enquanto os atores pedem 2% do valor que cada série gera para a plataforma (um número baseado em estudo de popularidade), a AMPTP argumenta que seria impossível medir o impacto de cada produção.
Outro ponto de destaque do debate está no uso de Inteligência Artificial para replicar a imagem de diferentes atores em uma produção. Nas regras atuais, há pouca regulamentação em torno do que o estúdio pode fazer com o escaneamento de atores no futuro. Enquanto este ponto impacta todo e qualquer intérprete em Hollywood, ele é especialmente ameaçador para figurantes e extras em produções, que podem ceder sua imagem por um dia de trabalho e ser replicado para diversas cenas em um filme.
De acordo com os representantes do SAG, a AMPTP pode usar a imagem de atores já escaneados para treinar a IA a criar versões alteradas ou sintéticas para serem usados no fundo de produções. O Sindicato pede consentimento para todo e qualquer uso individual de imagem de atores, ponto que a AMPTP recusou aceitar.
Por que os roteiristas estão em greve?
Robyn Beck/AFP
As demandas dos roteiristas envolvem os mesmos problemas de contratos desatualizados dos atores e, por isso, têm diversos temas em comum. Entre as principais queixas do grupo estão a dificuldade em receber remunerações com ajustes diante da inflação, a encomenda por séries de televisão com temporadas mais curtas e, principalmente, a falta de pagamento por ganhos residuais.
Assim como os atores, os roteiristas também recebem um valor fixo pela introdução de suas produções em streaming. Paralisado, o WGA busca uma reavaliação dos valores, considerados baixos em vista do grande número de reprises, sucesso internacional das produções e alcance por meio de plataformas de streaming. Por exemplo, um roteirista de Bridgerton, Round 6 ou Stranger Things, produções que ajudam a trazer assinantes para a Netflix, não recebe nada dos lucros que a plataforma obtém com assinaturas, publicidade ou produtos derivados. Segundo as novas reivindicações da WGA, esse é um dos principais pontos que pede mudanças. A AMPTP afirma que o pagamento de direitos residuais aos roteiristas atingiu um recorde em 2021, chegando a quase US$ 500 milhões.
Além disso, a proposta dos roteiristas visa acabar com as chamadas "mini-salas de roteiristas", nas quais um grupo de roteiristas é contratado para trabalhar em um projeto e, em seguida, é dispensado antes mesmo de sua produção ser aprovada. A nova proposta estabelece que os roteiristas devem ter, pelo menos, dez semanas de trabalho garantidas e receber uma bonificação de 25%.
Além de tudo isso, os roteiristas demandam uma revisão de ganhos já que o salário médio de um roteirista caiu 4% ao longo da última década. Ajustado pela inflação, isso representa uma queda de 23%, explicada pelo novo modelo de produção: séries que antes tinham 24 episódios por temporada agora têm de 8 a 12, e o intervalo entre as temporadas perdeu a obrigatoriedade. Com contratos de exclusividade ainda desatualizados, isto acaba prendendo um roteirista a uma produção sem o mesmo ganho de antes - e sem previsão de retomada de trabalhos.
Claro que a Inteligência Artificial também tem seu tópico na briga: roteiristas pedem regulamentação no uso de ferramentas, que hoje já substituem trabalhos de revisão, tradução e por aí vai.
Produções podem continuar em desenvolvimento em Hollywood?
Poder, podem. Qualquer um pode furar a greve. Mas a enorme maioria dos atores e roteiristas de Hollywood já está paralisado, e mais produções estão interrompendo suas produções conforme os dias passam. Fora dos EUA, existem os casos à parte. Enquanto atores e atrizes canadenses pedem a greve também no país, A Casa do Dragão, da HBO, não é afetada por estar sendo filmada no Reino Unido. Por causa das rígidas leis antissindicais britânicas, o SAG-AFTRA autoriza que seus membros que também são representados pelo sindicato local sigam com suas obrigações profissionais normalmente.
Filmes e séries que já tiveram suas gravações concluídas podem seguir em pós-produção e, inclusive, antes do estabelecimento da greve dos atores, as filmagens de Deadpool 3, por exemplo, seguiam a todo vapor sem os roteiristas. Enquanto não há uma regra sobre produções seguirem ativas sem estes profissionais, a prática levanta algumas sobrancelhas por aí.
O que um ator não pode fazer durante a greve?
Henry Nicholls / AFP
De acordo com as regras do SAG, atores não poderão atuar nem promover nenhum título, seja ele um filme ou série, em entrevistas coletivas, pré-estreias, tapetes vermelhos e divulgações em eventos como a San Diego Comic-Con ou em redes sociais. Muito por isso, a SDCC deste ano está esvaziada. Um ótimo exemplo disso foi também a pré-estreia de Oppenheimer, que acontecia esta semana. No momento do anúncio da greve, todo o elenco do filme de Christopher Nolan deixou o tapete vermelho.
Os profissionais estão liberados para participar de convenções desde que não participem de painéis que promovam títulos recém lançados ou trabalhos futuros. Por exemplo, um ator pode fazer um painel sobre um tema geral como diversidade e história, mas não pode subir ao palco para falar de um filme.
Enquanto produções já finalizadas e com estreias próximas devem continuar no calendário de lançamentos, a greve dos atores impacta - e muito - a divulgação de material promocional de um filme. Por isso, esta semana, Bruna Marquezine fez um pedido aos fãs para ajudar na campanha de Besouro Azul, marcado para agosto.
Uma greve já aconteceu antes?
Rodin Eckenroth (Getty Images via AFP)
Greves de atores e roteiristas já aconteceram algumas vezes em Hollywood, e a última delas nem faz tanto tempo assim. Em 2007, roteiristas pediam uma revisão de contratos muito por conta da venda de DVDs. Para eles, o merecimento de royalties sobre os lucros da venda desses produtos era mais que obrigatório. A paralisação teve um efeito gigante na produção de programas de TV, com projetos em andamento sendo abandonados, reprises, showrunners largando suas séries e muitos (mas muitos) títulos sendo cancelados. A greve de 100 dias causou perdas de empregos, queda na produção econômica e o primeiro cancelamento do Globo de Ouro.
Agora, uma greve simultânea de atores e roteiristas não acontecia desde 1960, quando os dois sindicatos se uniram, claro, por revisões de ganhos residuais - mas por filmes exibidos na televisão. Desde 1948, os sindicatos lutavam para garantir uma porcentagem para os atores nos ganhos da exibição na TV linear de películas produzidas para o cinema.
A paralisação exigia a garantia da distribuição de valores a atores, roteiristas, diretores e outros membros da comunidade. Além de um acordo sobre este aspecto, a greve rendeu aos membros do WGA e SAG novos planos de saúde e previdência.
A greve de 1960 durou seis semanas. A greve mais longa da história dos sindicatos de atores ocorreu em 2000 e durou seis meses. Naquela ocasião, a luta foi especificamente para atores de comerciais e seus ganhos sobre residuais para anúncios de rádio e televisão.
Como isso impacta Hollywood?
FRAZER HARRISON GETTY IMAGES VIA AFP
De todas as maneiras possíveis. Paralisada, Hollywood interrompe a enorme maioria das produções em andamento e os calendários de estreia devem ser afetados, com adiamentos certos e cancelamentos possíveis. Isso já aconteceu, inclusive: a adaptação para a TV do clássico cinematográfico Metrópolis, da Apple TV+, já foi cancelada em meio a problemas de orçamento e a atrasos provocados pela greve dos roteiristas.
Ainda, o Emmy, que recentemente anunciou seus indicados, certamente será adiado.
*Esta lista contou com colaborações de Flávio Pinto, André Zuliani e Pedro Henrique Ribeiro.