subtítulo "A obra-prima do medo" não foi dado por acaso no Brasil a It, produção feita para a TV baseada na obra de Stephen King. O ótimo livro que narra a jornada de um grupo de crianças contra uma entidade ancestral, que vai e volta no tempo para mostrar dois momentos na improvável luta de um grupo de amigos contra essa criatura, agora ganha sua primeira adaptação para o cinema.
[Cuidado com os spoilers!]
Gravado em Toronto, o filme não poupou esforços na recriação do atmosférico Maine nativo do Mestre do Horror. "Seria impossível retratar todo o escopo do livro de Stephen King em apenas um filme, então optamos por dividi-lo em dois momentos distintos", explica a produtora Barbara Muschietti, irmã e colaboradora do diretor Andy Muschietti. Isso significa que os dois momentos da história, o ambientado no passado e o no presente, serão separados em dois filmes, resultando em uma trama mais linear, "mas que garantirá que adaptemos fielmente o livro". "Isso era muito importante para meu irmão e eu", contina Barbara, "quando crianças, crescemos vendo o telefilme na Argentina e temos uma ligação emocional muito forte com ele".
A escala do set impressiona por tratar-se de um filme de terror, gênero normalmente mais modesto em orçamento. O departamento de arte foi ao extremo de replantar árvores mortas ao lado de uma casa cenográfica construída no terreno mais assustador que encontraram para garantir que as artes conceituais fossem reproduzidas nos mínimos detalhes. Cada galho cumprindo sua missão de preparar o espectador para o horror que está por vir.
Nada mais certeiro, afinal, em tempos em que Stranger Things encanta gerações com sua nostalgia inspirada justamente em Stephen King, que a obra seminal do "grupo de garotos sozinho contra um pesadelo" seja encarada com essa riqueza. A casa abandonada sendo apenas um pequeno exemplo desse esmero visual. Não por acaso, série e filme dividem também seu protagonista, o jovem ator Finn Wolfward.
Cada tijolo e marca na parede da casa foi pensado para que o local fosse uma passagem entre épocas. Uma investigação rápida da fachada reflete tal preocupação, com as camadas de devastação pelo tempo escondendo o mal ali dentro, que os garotos acessarão através de um poço secular, como no romance. Dessa abertura, fomos para o sistema de esgotos igualmente antigo da cidade dos jovens amigos, Derry. Crucial para a trama, a galeria de águas subterrânea foi construída em estúdio, com uma estrutura verdadeiramente labiríntica... coberta com musgo, pedras velhas, ferrugem e estranhas marcas de garras nas paredes úmidas. Tudo tão assombroso quanto cenográfico, claro. A única coisa real ali era o cheiro. "Tivemos um problema com uma das bombas, que parou de funcionar e a água ficou parada de verdade o fim de semana todo", explica a produtora. O odor acre da estagnação definitivamente agregou realismo ao filme, já que foi respirado pelos atores e equipe.
Ao final da longa galeria de túneis estava o ponto alto da visita... o covil milenar de Pennywise, o palhaço devorador de crianças que desperta de seu sono voraz a cada 27 anos.
O lar do monstro é simplesmente um dos maiores e mais elaborados sets em que já estive. Uma cisterna circular abobadada de cimento e pedra, do tamanho de uma quadra esportiva, com poças nojentas d'água, lixo e devastação (nem musgo parece crescer ali), serve de pegajoso cenário para a apavorante morada de Pennywise. No centro dessa estrutura há um vagão de madeira de circo, que outrora foi ricamente entalhado e pintado com motivos divertidos e o carão colorido do palhaço. Suas rodas estão quebradas. Há muito cederam sob o peso de toneladas de lixo que foi depositado ao redor e sobre o vagão. São pelo menos três andares do que parecem, ao menos à primeira vista, serem meros detritos... mas na verdade escondem uma natureza muito mais sombria. São brinquedos, roupinhas e itens infantis.
As peças mais próximas do chão estão praticamente desintegradas, transformadas em uma sopa cinzenta pela idade e a ação das águas na cisterna. Algumas delas datam de séculos, feitas de madeira e tecido... como bonecas antigas, bercinhos e cavalinhos de pau. A cada metro acima, o lixo vai ficando mais colorido e moderno, com o decrépito orgânico dando lugar ao plástico, bicicletas e robozinhos. Vê-se por essa verdadeira timeline da morte que o palhaço andou ocupado...
Lá no alto, um círculo azul de chroma-key entrega a única adição de efeitos visuais que esse set meticuloso receberá: um halo infernal de crianças mortas em seu eterno flutuar. Um mobile macabro e doentio que denota a natureza sobrenatural de Pennywise (interpretado por Bill Skarsgård, que não deu entrevistas para não sair do personagem).
Tive a sorte de ver esse circo macabro em funcionamento, durante a gravação de uma das cenas mais arrepiantes do filme. Nela, a única menina do grupo, suja e rasgada, entra enfim no covil da criatura... pé ante pé, tentando passar despercebida. Ela tateia as bordas da cisterna quando uma canção de caixa de música começa a tocar. Seu rosto se vira e o vagão cria vida. Há intensa luz vermelha e uma bruma sobrenatural saindo dele, enquanto uma das laterais se abre como uma ponte levadiça, formando um pequeno palco. Restos desbotados e rotos de cortinas emolduram a boca do vagão como se fossem dentes. Pennywise está ali, em pose zombeteira, e começa a dançar enquanto a canção vai ganhando contornos menos infantis com a adição de um órgão de tubos. A menina tenta correr, mas o palhaço salta pelo espaço, aterrissando acocorado a centímetros dela. Uma mão se fecha em sua nuca enquanto a boca pintada, de dentes afiados, se abre em uma caricatura doente perto do rosto da garota.
Corta!
It - A Coisa estreia em 7 de setembro de 2017.