Leonera
Leonera
Essa melancolia, também presente em outro filme do diretor argentino Pablo Trapero já exibido no Brasil, Família Rodante, é um sentimento portenho acima de tudo. Tem a ver com o tango: encenar um espetáculo (os fogos, as festas, o drama da dança) para dar conta de um sofrido estado de espírito. Nessa linha quem-canta-seus-males-espanta, a música infantil que abre Leonera faz todo o sentido. É um filme de gosto agridoce que celebra a vida, ainda que conte uma história de morte.
Morte num sentido literal e também figurativo. Julia (Martina Gusman) está sendo presa com a acusação de matar o namorado em uma situação incerta, que também envolve o suposto amante (Rodrigo Santoro) do namorado. A perspectiva, se condenada, é que fique uns oito anos encarcerada no presídio feminino local - a morte simbólica. Acontece que Julia está grávida, então vai parar numa ala que mais parece uma creche. Ali há alegria e melancolia em tudo - a começar pelas paredes cinzentas de concreto, coloridas com os rabiscos das crianças.
"Leonera", em espanhol, é o lugar onde se mantêm os leões. No caso, as leoas. Trapero mais uma vez despudoriza os corpos, atrás de extrair significados, e é uma imagem forte ver o barrigão de Julia no chuveiro do presídio. Não é o caso, no entanto, de um cineasta que se encanta com o próprio talento. Quando arruma uma imagem que transborda simbolismo - como o filho que brinca se balançando na grade da cela - Trapero ainda assim mantém o plano com uma duração econômica. Não corta rápido demais a ponto de perdermos o significado, e não se alonga a ponto de explorar a imagem em "proveito próprio".
Essa humildade, podemos chamar assim, com que Pablo Trapero conta histórias acessíveis, com narrativas clássicas, mas forradas de signos, é o que lhe tem rendido reconhecimento. Não por acaso, a Videofilmes de Walter Salles é uma das produtoras de Leonera, que foi exibido em Cannes 2008 e pontua uma trajetória iniciada com o prêmio da crítica no Festival de Veneza em 1999, com Mundo Grúa. Os filmes de Trapero são do mundo, falam de temas universais - e não deixam de ter coração portenho.