Sarah Polley já era conhecida pela sua série de acertos em escolhas de papéis. Nos últimos anos atuou tanto em produções pequenas e impressionantes como A Vida Secreta das Palavras, Estrela Solitária e Minha Vida Sem Mim, como em um ou outro filme mais comercial (Madrugada dos Mortos é o mais famoso). Tais participações já davam sinais claros de um enorme talento para análise de roteiro e seleção de bons projetos. Polley, aos 28 anos, agora aplica essa sensibilidade em seu primeiro, e irretocável, longa-metragem.
Longe Dela
Longe Dela
Longe Dela (Away from Her), baseado em um conto da escritora de ficção Alice Munro, tem roteiro e direção da atriz canadense, e agora cineasta. Trata-se de um debute invejável e triunfal que surpreende por ter sido feito por alguém tão jovem, que ainda não experimentou sua cota de erros.
Totalmente voltado aos personagens, o filme tem uma trama simples. Sua qualidade vem especialmente das interpretações, conduzidas pela jovem diretora com maestria. E não deve ser fácil comandar um elenco cujas idades passam ao norte dos sessenta anos. Ainda mais verdadeiras lendas da sétima arte como Julie Christie (aos 66 e ainda naturalmente belíssima) e Olympia Dukakis. Mas Polley mostra-se à altura do trabalho e extrai algumas das melhores atuações das longas carreiras das duas atrizes. Impossível não se emocionar com a primeira, ou partilhar da discreta necessidade de distanciamento da outra.
A cineasta também sabe como usar o cenário com significado. A cena em que Fiona sai fazendo ski cross-country sozinha, e termina bem no meio de uma vastidão branca sem qualquer marco, é prova incontestável dessa habilidade. Ela se relaciona com uma seqüência anterior, na qual a mulher começa a "trapacear" sua memória colocando post-its nas gavetas para identificar seu conteúdo sem precisar abrir. A clínica e casa de repouso na qual ela decide se internar também é cheia de pequenas surpresas.
A história é contada do ponto de vista de Grant (Gordon Pinsent), marido de Fiona e professor aposentado. Quarenta anos depois de seu casamento, ele ainda ama a esposa com tocante intensidade. Daí sua relutância em deixá-la ir para uma clínica para pacientes de Alzheimer. Mas a orgulhosa Fiona sente que está desaparecendo e que sua presença na casa será um fardo e uma indignidade. Resta assim ao homem vê-la partir para a clínica... e a idéia de um futuro assustador - a possibilidade do amor dos dois ser lembrado apenas por ele.
Lindo e triste de doer, Away from Her tem uma angústia comovente e inesperada, geralmente atribuída a cineastas mais calejados. Mas Polley parece ter aprendido muito bem o ofício, trabalhando sob a direção de talentos do gabarito de Wim Wenders, David Cronenberg, Isabel Coixet... Já aguardo ansioso seus projetos futuros.