O versátil diretor inglês Michael Winterbottom (Código 46) não se contenta em encaixar seus filmes em fórmulas. Cada um de seus trabalhos traz gratas surpresas, como experiências narrativas e de estilo. Mas se ao longo de sua carreira ele passeou pela ficção, romance, musical e drama, é no suspense e na crítica política que ele se revela um dos melhores cineastas em atividade.
o preço da coragem
A MIghty Heart
Depois do elogiado Caminho para Guantânamo, Winterbottom volta novamente às vítimas da guerra no Oriente Médio, pessoas que tiveram suas vidas destruídas pelas ações de outros: "danos colaterais", no jargão dos conflitos. Se no anterior tais vítimas eram três ingleses muçulmanos de origem paquistanesa, ou em Neste Mundo eram refugiados afegãos, em O Preço da Coragem (A Mighty Heart) elas são um casal de jornalistas do ocidente.
O filme se baseia no romance A Mighty Heart, livro que Mariane Pearl escreveu em memória a seu marido, Daniel Pearl. Jornalista do Wall Street Journal cobrindo a guerra e buscando informações sobre um homem-bomba, ele foi sequestrado por jihadistas e cruelmente morto cinco semanas depois. O longa trata do período em que Mariane, também jornalista e grávida de cinco meses, mobilizou polícia, mídia e políticos na difícil busca pelo esposo.
O material facilmente se tornaria um melodrama desagradável nas mãos de qualquer diretor menos habilidoso. Mas Winterbottom é conhecido por não ceder a pressões mercadológicas e realiza aqui um de seus melhores filmes, narrando fatos de maneira quase documental. Isso não significa, porém, que o agonizante (e cinematográfico) suspense da espera não esteja presente. Mesmo conhecendo o final da história, a tensão é surpreendente. A expectativa, aliás, é ampliada pela edição competente e veloz de Peter Christelis, que alterna as imagens capturadas pelo diretor de fotografia Marcel Zyskind da caótica cidade de Karachi, no Paquistão.
Esse suspense só começa a se dissipar na segunda metade da história, quando entram os elementos investigativos e a trama ganha sutis contornos de thriller de ação. As seqüências são boas e contadas apenas a partir do lado dos policiais (o filme, felizmente, não tenta buscar peças faltantes no quebra-cabeça que ainda é o caso), mas é Angelina Jolie que queremos ver na tela. No papel de Mariane, a atriz faz aqui seu melhor trabalho, muito superior até ao que rendeu um Oscar a ela em Garota, Interrompida. Jolie está concentrada, transformada física e mentalmente. Ela honra a viúva de Daniel Pearl com sua brilhante atuação.
Numa nota negativa, a catarse emocional de Mariane, quando recebe a notícia que temia, poderia ter sido melhor trabalhada. Sinceramente esperava que Winterbottom procurasse uma solução diferente para a expressão de dor dela - cena esperada desde o take inicial. O plano funciona como imagem, mas acredito que eu não deveria estar pensando naquele momento no belo ângulo e como os lábios de Jolie ficam lindos na contraluz. Sentimos a cena intelectualmente, mas ela deveria ser absorvida pelo estômago.