Pois é, O Senhor dos Anéis vai voltar aos cinemas. E pois é, a princípio, é uma péssima ideia - os novos filmes podem facilmente diluir a marca mais importante da fantasia e transformá-la em mais uma franquia interminável mandada e desmandada por executivos de grandes estúdios que não entendem nada de cinema e narrativa (em outras palavras, mais um MCU). Eu sei, eu sei, vocês estão certos. Mas, ao mesmo tempo, me ouçam aqui um minutinho: Andy Serkis fez Venom: Tempo de Carnificina.
Eu tenho plena consciência de que, para muita gente, a presença do segundo filme do simbionte interpretado por Tom Hardy na ainda nascente filmografia de Serkis como diretor só depõe ainda mais contra a decisão de entregar a ele o comando de The Hunt for Gollum, marcado para estrear em 2026. De certa maneira, não há filme menos O Senhor dos Anéis do que Tempo de Carnificina: uma aventura que abraça a vulgaridade e a galhofa inerentes da saturação do cinema de super-heróis, encontrando em entrelinhas queer zombeteiras e em um absoluto exagero estético que resgata o blockbuster noventista as formas de fazer com que o gênero finalmente respire novos ares.
Mas, honestamente? Os detratores de Venom e do “universo Sony” que me desculpem: Tempo de Carnificina é uma excelente noite no cinema. A relação codependente de Eddie Brock com o monstrengo, a condescendência óbvia embutida na performance de Woody Harrelson como o Carnificina, o caos cômico causado pelo simbionte no apartamento de Brock e por toda a cidade… é uma experiência cinematográfica que lembra mais as comédias físicas de Buster Keaton ou - para uma referência mais recente - Paul Feig do que a última reencarnação entediante do blockbuster hollywoodiano. Pode ser que a ideia não caia bem para o gosto de todo mundo, mas pelo menos ela é uma ideia.
Enquanto isso, na última vez que O Senhor dos Anéis esteve na tela grande, nós tivemos… O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos. Está dando para entender onde eu quero chegar? Peter Jackson é um grande diretor, mas o coração dele não está aqui, e isso pode ser sentido em cada frame do filme. Um amontoado sem alma de batalhões de CGI se enfrentando em uma paisagem desprovida de chamarizes visuais, que se arrasta por quase 2h30 sem acreditar nem mesmo no peso dos arcos de personagem que tentou construir pelos dois filmes anteriores, A Batalha dos Cinco Exércitos é o retrato de uma saga desesperadamente à procura de renovação.
O Senhor dos Anéis precisa tentar algo, e Serkis provou em Venom: Tempo de Carnificina que tem os culhões e o talento para fazer exatamente isso. É verdade que a visão criativa da franquia do simbionte é muito mais responsabilidade de Hardy, apaixonado pelas possibilidades do personagem e corroteirista do filme com Kelly Marcel, do que de qualquer diretor que possa assumi-la. Mas o diretor em questão ainda precisa bancar a ideia e colocá-la na tela, especialmente quando ela vai na contramão do cinema comercial desprovido de humor, referência, sexualidade e audácia que domina a Hollywood atual.
Serkis bancou - e, se você me perguntar, este é o maior crédito de sua carreira de diretor até hoje. Se há alguma esperança para The Hunt for Gollum, enfim, eu sinto dizer que ela está toda nas mãos do cara que fez Venom: Tempo de Carnificina. E podia ser muito pior.