The Golden Man, conto de Philip K. Dick (1928-1982) no qual O Vidente (Next, 2007) se baseia, não tem nada a ver com o filme. Dividem a mesma premissa - a habilidade de um homem enxergar os seus possíveis futuros a curto alcance - e só. É o suficiente para que o nome do escritor de Blade Runner, O Vingador do Futuro e Minority Report apareça nos créditos, manobra que garante o "selo dickiano de qualidade".
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Mas não deixa de ser mais uma prova de que K. Dick era mesmo um visionário: o escritor não viveu para testemunhar o 11 de Setembro, mas a releitura que os roteiristas Gary Goldman, Jonathan Hensleigh e Paul Bernbaum fazem do conto é legítimo produto dos nossos tempos pós-Torres Gêmeas.
Por "nossos tempos" subentende-se a obsessão quase psicótica do corrente século por segurança, inflamada pelo terrorismo. Na trama do filme, uma agente federal (Julianne Moore) tem que impedir um ataque nuclear nos EUA. Para isso, decide procurar o vidente do título, Cris Johnson (Nicolas Cage), sujeito que faz bico de mágico em Las Vegas, onde emprega seu dom de enxergar e analisar todos os destinos possíveis dois minutos no futuro, e escolher o melhor. O problema, para a agente, é que Cris nem pensa em colaborar com o governo.
Ter à disposição uma arma como Cris Johnson é o sonho da chamada guerra contra o terror - entre esforços de vigilância que sacrificam liberdades individuais dos civis e deixam a inteligência da CIA em taquicardia constante, poder contar com uma pessoa que enxerga o futuro é a solução pra tudo. E o filme de Lee Tamahori joga com essa idéia o tempo inteiro. Frequentemente, usando de patriotada da grossa.
O fato de o personagem de Nicolas Cage ser avesso à sua "missão" e ter Julianne Moore a todo tempo martelando que ele deve assumi-la é o centro da mensagem do filme. A certa altura (na cena dos utensílios à Laranja Mecânica), faz-se ali uma breve crítica à Agência, mas não cola. Imagine o lema do Homem-Aranha aplicado à Era Bush: "Grandes poderes trazem grandes responsabilidades, então trate de colocar logo esse poder a serviço da América".
Azar da namorada do soldado, que como sempre periga morgar sozinha - e olha que em O Vidente Cage tem que escolher entre os terroristas e a Jessica Biel!
Falando em Biel, o grande problema do filme é a "obrigação" de contar uma história enquanto vende seus devaneios de batalha. E daí saltam aos olhos os personagens coadjuvantes mal-escritos, os diálogos românticos constrangedores, as crateras na continuidade... Só ficou faltando a cena da bomba-relógio em que Cage corta o filme vermelho no futuro, o mundo explode, e então ele se decide pelo azul no presente - como foram desperdiçar uma sacada dessas?
No fundo, o roteiro que Tamahori põe na tela só se interessa mesmo em brincar de utopia da guerra sem baixas. A cena em que Cage anda diante do pelotão, protegendo todos com suas antevisões, não por acaso é a mais dilatada temporalmente, a mais trabalhada do filme. E, nessa hora, a câmera sempre indecisa de Tamahori faz uma pausa decisiva para registrar o pobre combatente agradecendo ao vidente que anteviu uma detonação e acabou de salvar-lhe a vida: "Obrigado".