Desde que se submeteu aos primeiros testes de figurino de Pantera Negra, Chadwick Boseman, astro da primeira superprodução Marvel de 2018, sentiu na pele a força política do filme, agendado para estrear no próximo dia 15. A roupa é de uma fibra especial: pesa para quem usa, mas, na tela, parece leve, amplificando a destreza de quem a veste, como uma toga ninja cheia de recursos eletrônicos feitos a Vibranium, o metal imaginado por Stan Lee como sendo um recurso natural raro. Usar esse uniforme - no caso, o uniforme do primeiro super-herói afrodescendente das HQs - significou para Boseman, do início ao fim das filmagens, um mergulho geográfico na discussão sobre lugar de fala e representação.
Pantera Negra/Marvel Studios/Reprodução
"O traje do Pantera foi modelado a partir do meu corpo, mas carrega em si uma simbologia complexa, talvez a mais complexa que os filmes de super-heroi já conheceram até agora. Ele une, como símbolo, a tecnologia mais futurista da engenharia com a tradição mais ancestral do continente negro", disse Boseman, no set das filmagens, em Atlanta. "A ideia de um rei negro que vira um vigilante, dividido entre seu povo e o mundo, reposiciona todas as formas de representação do povo africano na indústria do entretenimento, ao colocá-la num lugar antes vetado a nós, de pele escura".
Nascido na Carolina do Sul há 41 anos, Boseman ganhou notoriedade ao viver dois ícones negros dos EUA. Em 2013, após dez anos de carreira dedicados a seriados e a pequenas participações em longas pipoca, ele viveu o jogador de basebol Jackie Robinson no sucesso 42. Pouco depois, foi viver o rei do soul em Get on Up: A História de James Brown. Ali, atraiu os olheiros da Marvel, que o escalaram para ajudar o Homem de Ferro em Capitão América: Guerra Civil (2016).
"A coisa que mais me atraiu nas versões para o cinema das HQs Marvel é esse inovador esquema de saga, onde narrativas como Os Vingadores ganham afluentes em aventuras solo dos maiores vigilantes da Terra", elogia o ator, cercado de críticas positivas no ano passado por sua atuação no cult Marshall.
Cansado após um dia árduo de filmagens, ele se sentou, despojado, num banco de madeira, num salão que servia de entrada para os escritórios da cenografia lotado de croquis e fotos de aeronaves, minas de vibranium e paisagens com estátuas gigantes e do departamento de figurino. Diante de uma mesa de cerca de dois metros e meio de comprimento, lotada de jornalistas de países distintos, o ator abriu o verbo sobre o quão exigente e prazeroso é filmar com o diretor Ryan Coogler (Creed - Nascido Para Lutar).
"Ryan não é o tipo de diretor que te explica o que não ficou perfeito num take. Ele faz, faz, faz e refaz até encontrar o que deseja. E você fica ali... fazendo, aprendendo e mergulhando naquela cultura radical africana", disse Boseman, que volta às telas este ano no novo Vingadores: Guerra Infinita, num embate contra Thanos.
Mais do que uma reeducação étnica, Pantera Negra representou para ele um múltiplo processo de aprendizado. "Estudamos danças africanas, lutas tribais com lança e escudo e capoeira", diz Boseman, que dirigiu os curtas Heaven (2012) e Blood Over a Broken Pawn (2008). "Cada manifestação de luta ou dança a que éramos apresentados vinha todo um histórico acerca do que cada atividade daquela representa para a cultura africana".
Criado em julho de 1966, nas páginas da HQ Fantastic Four nº 52, o Pantera Negra ganha sob a batuta de Coogler o protagonismo de uma trama que se equilibra entre Wakanda e a Coreia do Sul, palco de uma cena de ação, antecipada já no trailer, idealizada para eletrizar plateias como nunca se viu nos filmes Marvel até agora. A tarefa de T’Challa é manter sua nação coesa, após a morte de seu pai, o antigo rei, numa articulação do Barão Zemo. Mas um vilão interessado nas reservas de vibranium, o Garra Sônica - vivido pelo ator e coreógrafo Andy Serkis, o Gollum de O Senhor dos Anéis -, abalará a paz de T’Challa. Ele ainda precisa ainda deter a vaidade de um conterrâneo vingativo, Erik Killmonger (Michael B. Jordan).
"É uma história sobre raízes num duplo prisma: raízes de família e raízes de nação", diz Boseman. "A complexidade aqui é partir do pop pra chegar ao político. E vice-versa".