Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança/LucasFilm/Divulgação

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Por que ser nerd e preconceituoso não faz sentido

Há espaço para tudo, menos para a intolerância

15.10.2018, às 19H21.
Atualizada em 06.09.2019, ÀS 15H48

Uma passada de olho nos comentários da notícia “Luke pode ser gay se você quiser, diz Hamill”, publicada em março de 2016, revela o lado sombrio da cultura pop. Hamill falava sobre a possibilidade da nova trilogia de Star Wars ter um personagem homossexual e revelou receber cartas de fãs que sofrem bullying e têm medo de assumir a sua sexualidade. “Já me perguntaram se o Luke poderia ser gay. Digo que depende da interpretação de cada espectador. Se você acha que Luke é gay, claro que ele pode ser. Você não deveria ter vergonha disso. Julgue Luke pelo caráter, não por quem ele ama", explicou o ator na ocasião.

Uma resposta consciente não só da importância de Star Wars para os fãs, mas da conexão criada entre Luke e o público, da jornada do jovem fazendeiro cheio de sonhos no fim da galáxia que descobre ser o herói esperado por todos. É a mesma relação estabelecida com os Hobbits em O Senhor dos Anéis, com Harry Potter ou com Homem-Aranha. Aquele que antes era rejeitado encontra a sua força, o excluído é o protagonista. Logo, a associação com a figura clássica do nerd é imediata e a identificação com esses personagens é o combustível necessário para seguir em frente, apesar das adversidades.

Nos comentários da notícia, porém, o que se vê são opiniões de pessoas que certamente não entenderam nenhuma das histórias de que se dizem fãs. Ou compreenderam tudo pelo viés dos vilões. Como pode, afinal, um fã de Star Wars julgar Luke, ou qualquer outro personagem, por sua sexualidade, se a luta da Aliança Rebelde é por paz e liberdade na galáxia? Oposição à opressão que reflete tantas outras travadas na vida real, como no paralelo feito pelos roteiristas de Rogue One ao reagir à eleição de Donald Trump como presidente dos EUA  – “Por favor percebam que o Império é uma organização da supremacia branca (humana)/ Cuja oposição é um grupo multicultural liderado por bravas mulheres”, escreveram Chris Weitz e Gary Whitta no Twitter.

Para quem cresceu com as mais variadas fontes da cultura pop, seja Star Wars, Star Trek, X-Men ou tantas outras, a mensagem é clara: respeito às diferenças. É a variedade que nos torna mais fortes, não a restrição de pensamentos e formas. A chamada por representatividade não é “mimimi” como muitos gostam de apontar nos comentários, mas uma lição que começou nos gibis, nos filmes, nas séries de TV, e é levada para  a vida. O verdadeiro “mimimi” vem de quem vê problema em algo positivo, ou de quem simplesmente usa o termo como sinônimo de “não me importo” —  quando os problemas e diferenças do mundo são apresentados é mais fácil negar tudo do que fazer algo a respeito. Aí reclamam da mudança de gênero ou origem de algum personagem (mesmo quando são alienígenas) ou do simples desejo de ver heroínas tendo tanto espaço quanto heróis. Há também quem proteste contra a correção de alguns erros do passado – como o abandono do nome Homem-Gorila do vilão de Pantera Negra.

A cultura pop está longe de ser perfeita. Mulher-Maravilha já foi transformada em secretária na Sociedade da Justiça, por exemplo. Sempre há espaço, porém, para debate e evolução. Afinal, essas narrativas e seus personagens vão além do entretenimento. São fábulas modernas que refletem a sua época. O legado, porém, é sempre o mesmo – heroísmo, justiça, bondade, respeito, solidariedade, cooperação, responsabilidade. É sempre a luz em oposição ao lado sombrio, a Sociedade do Anel contra Sauron, Harry Potter contra Voldemort. Nunca o contrário.

Não há comportamento do lado dos mocinhos, ou mesmo dos anti-heróis, que corrobore o ódio que muitos destilam atualmente. O preconceito, em todas as suas formas, não tem espaço na cultura pop. Não é, como muitos insistem em afirmar, uma questão de opinião. Promover o ódio e desprezar diferenças é uma atitude que está, e sempre estará, do lado dos vilões.

*Texto editado, publicado originalmente em 2017, na edição nº 1 da revista Omelebox, que, infelizmente, continua atual.