Cena de Saudosa Maloca, na Vila Itororó (Divulgação)

Filmes

Entrevista

Saudosa Maloca não é cinebiografia, diz diretor: “Mergulho na SP do Adoniran”

Omelete visitou as filmagens do longa no Centro Cultural Vila Itororó, em São Paulo

20.03.2024, às 11H26.

O diretor Pedro Serrano está imerso no universo de Adoniran Barbosa há quase uma década. O curta-metragem Dá Licença de Contar saiu em 2015, revelando a abordagem única do cineasta à vida e obra do icônico sambista paulistano, misturando biografia e ficção para trazer de volta à vida uma cidade que já não existe mais. Depois veio o documentário Meu Nome é João Rubinato (2018), e agora chega o longa-metragem Saudosa Maloca, como a culminação do projeto de uma vida.

Considero os três filmes que eu fiz sobre o Adoniran como uma coisa só, comentou Serrano em conversa com o Omelete durante visita ao set de Saudosa Maloca, no começo de 2023. “Não que estivesse tudo planejado — era para ser um filme só, mas os outros foram nascendo de dentro dele, espontaneamente. O que eu tinha no começo era só a vontade de contar uma história que fosse bem paulistana, porque eu sou bem paulistano”.

De fato, andar pelas filmagens de Saudosa Maloca no Centro Cultural Vila Itororó, “mini-bairro” com prédios históricos tombados pela prefeitura de São Paulo, foi como entrar em uma máquina do tempo. No dia da visita do Omelete ao set, Serrano e seu astro Paulo Miklos gravavam em um sobradinho decorado à perfeição para se assemelhar a um bar dos anos 1950, batizado pela produção de Cachaça Vazia.

Por lá, em meio a balcões empoeirados e cartazes de propaganda no estilo cinquentista, Adoniran (Miklos) e seus companheiros de samba entoavam os últimos versos da clássica “No Morro da Casa Verde”. O cantor emendava o momento de descontração com uma conversa com o empresário Dr. Waldemar (Ney Piacentini), negociando a oportunidade de cantar um samba no rádio. Conforme os takes se repetiam, com Pedro e Paulo conversando concentrados nos intervalos, emergia um Adoniran que lutava para sobreviver de sua música em uma realidade difícil.

Através da música dele, eu vi a oportunidade de abordar questões mais profundas da cidade de São Paulo, como especulação imobiliária, gentrificação... coisas que fazem parte do dia a dia de cada um”, admitiu Serrano. “Os sambas dele dialogam muito com essa realidade, então eu via um potencial cinematográfico muito grande ali. Sem contar que, como cineasta, a gente sempre busca histórias que contam um pouco da nossa própria história, e a crônica social do Adoniran tem a ver com todo mundo que, como eu, nasce e vive nessa cidade”.

Cena de Saudosa Maloca, na Vila Itororó (Divulgação)

É até por isso que o diretor rejeita categoricamente o rótulo de cinebiografia, mesmo diante da popularidade do subgênero no Brasil (vide Mamonas Assassinas, Mussum e muito mais) e no mundo (Bob Marley, Elvis, etc). Não é, nem de longe, uma cinebiografia. É uma viagem pela obra do Adoniran, que busca uma São Paulo dos anos 1950, que vivia na lembrança dele, que ele romantizava, que era um lugar quase onírico de felicidade nas letras dele”, explicou Serrano.

O Adoniran sempre lamentou como a metrópole São Paulo fez essa coisa humana se perder, como não tinha mais gente sentada na praça da Sé jogando cacheta, esse tipo de coisa”, continuou. “Então, a nossa São Paulo é essa de antes da metrópole, mas que também está prestes a virar. A década de 1950 foi exatamente quando o desenvolvimento urbano se acentuou em São Paulo, quando houve um impulsionamento vertical muito maior. É um filme localizado em um período de transformação radical”.

Saudosa Maloca chega aos cinemas brasileiros em 21 de março.