Que 2025 vai trazer uma enxurrada de lançamentos, isso todo mundo já sabe. Quem não sabe, vai ficar conhecendo nas discussões de fim e início de ano nas próximas semanas. A grande expectativa é de que a arrecadação mundial de bilheterias possa chegar a US$ 33 bilhões no fim do ano. No meio de tantos filmes que fazem parte do calendário, existem dois blockbusters que vão estrear no mesmo mês e talvez sejam os mais importantes de seus respectivos estúdios em muitos e muitos anos.
Em julho, logo na segunda semana, teremos a estreia de Superman, filme que acabou de ganhar seu primeiro trailer e será o primeiro do novo DC Universe, agora comandado por James Gunn e Peter Safran. A produção também será a responsável por trazer o herói mais famoso do mundo de volta às telonas em uma aventura solo após 12 anos. A grande questão é: apenas duas semanas depois, o Marvel Studios colocará no circuito do mundo todo, seu primeiro - e aguardado - filme do Quarteto Fantástico, um dos grupos mais amados e mais importantes dos quadrinhos, e que também está longe dos cinemas há mais de 10 anos, desde o desastre do filme lançado em 2015, ainda sob o comando da 20th Century Fox.
Dois titãs do mundo dos quadrinhos. Duas empresas que estão tentando lidar com crises que elas próprias criaram. Será que a decisão correta é a de lançar as duas produções juntas no mesmo mês?
O que os últimos dois anos podem provar é que o público ainda está disposto a abraçar e assistir grandes produções assim, seja com pouco tempo de distância ou lançados até no mesmo dia. O fenômeno Barbenheimer ainda gera expectativas de quando veremos algo dessa magnitude novamente. Um fenômeno tão grande que anulou Tom Cruise e o aguardado Missão Impossível 7, um ano após o gigantesco sucesso de Top Gun: Maverick. Em 2024 tivemos o "Glicked", com Gladiador 2 e Wicked estreando juntos nos EUA e ambos arrecadando alto. Agora, no fim do ano, teremos Sonic 3 e Mufasa: O Rei Leão, tentando repetir essa dobradinha e com previsão de ambos arrecadarem mais de US$ 50 milhões já no primeiro fim de semana.
Entretanto, há uma diferença entre os fenômenos. Barbie e Oppenheimer se tornaram uma grande brincadeira em que o público de um abraçava o do outro. Isso não se repetiu tanto com Gladiador e Wicked, que dividiram a atenção de públicos diferentes e ainda contaram com mais um peso-pesado na disputa: Moana 2, que atingiu marcas expressivas na bilheteria mundial em pouquíssimo tempo. O trio formou um arrasa-quarteirões que não deu chances para nenhum outro lançamento no período, vide Operação Natal, estrelado por Dwayne Johnson e Chris Evans. Já Sonic 3 e Mufasa devem atrair o mesmo tipo de público, o que pode gerar perdas para ambos os lados em uma busca por preferência ou onde “gastar melhor” o dinheiro. Essa dinâmica ganhou força desde a pandemia de COVID-19 e o boom dos streamings - sempre existe aquele filme que, para o consumidor, pode esperar mais um pouco para ser assistido.
A briga entre Quarteto Fantástico: Primeiros Passos e Superman pode entrar em todos esses cenários e, para entender melhor as condições de cada um, é importante levar em conta a percepção que as marcas e seus respectivos filmes carregam.
Superman é um recomeço. O Snyderverso da DC, com Henry Cavill, Ben Affleck, Gal Gadot e Jason Momoa ficou no passado. Amado por muitos, mas sem nunca ter explodido de sucesso - tanto em bilheterias, como em críticas -, o único dos 15 filmes do DCEU a alcançar a cobiçada marca do bilhão foi o primeiro Aquaman. Nem o encontro de Batman e Superman ou a Liga da Justiça conseguiram alcançar o feito. Problemas internos na Warner, a saída de Zack Snyder e a própria visão do diretor para os heróis colocaram a DC Comics nos cinemas em um momento de total descredibilidade com a audiência.
James Gunn deixou a Marvel após Guardiões da Galáxia Vol. 3 e assumiu o barco ao lado de Peter Safran. O novo trailer de Superman promete um filme mais parecido com as obras clássicas, tanto dos quadrinhos quanto dos filmes. A grande referência de Gunn está em Grandes Astros: Superman, HQ do roteirista Grant Morrison e do desenhista Frank Quitely, e o símbolo de esperança do herói. É algo completamente diferente do mundo de Snyder, onde Kal-El era um deus caído na Terra tentando viver entre os humanos. O maior desafio de James Gunn é tornar seu Superman “colorido” e parte do mundo pop atual, moldado pelo espírito realista do Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, e pavimentado pela fantasia-realista da Saga do Infinito da Marvel.
E foi exatamente aí que o caldo começou a entornar para a concorrência. Depois de 10 anos construindo a Saga do Infinito, a Marvel tinha como pedra fundamental um realismo que flertava com o fantástico. Capitão América, Gavião Arqueiro e Viúva Negra eram soldados com grandes habilidades. Steve Rogers ganha o poder do soro do supersoldado, mas é no seu coração e valores que reside o grande herói. Homem de Ferro é todo calcado na realidade e em experimentos tecnológicos para se tornar quem ele foi até Ultimato. Até a magia de Asgard, em Thor, é explicada como uma ciência muito avançada. No caminho, e aí com um MCU já bem estabelecido e cheio de sucessos, apenas Doutor Estranho e Pantera Negra brincaram com ideias mais mágicas. A maior aposta do estúdio foi exatamente com o Guardiões da Galáxia, de James Gunn, e a mistura de ópera espacial e comédia mostrou que a Marvel poderia fazer de tudo. Ou quase isso.
Com a chegada da Saga do Multiverso, tudo isso muda de forma bem abrupta. Logo somos introduzidos aos novos dilemas e equações de universos paralelos, uma inundação de séries de TV e novos personagens que o grande público não abraçou de fato. Problemas internos como a saída de Victoria Alonso, com diretores - Nia DaCosta e a perda de controle em As Marvels -, com atores - demissão de Jonathan Majors, o Kang, grande vilão dessa Saga - e externos, com a tão falada saturação do cinema de heróis. É nesse cenário que Quarteto Fantástico: Primeiros Passos chega quase como um salvador da pátria. Passado em outra realidade, a família pode significar um novo recomeço dentro do MCU, quase como uma nova Fase, e uma preparação para o gran finale do Multiverso: a volta de Robert Downey Jr. como Victor Von Doom, o maior vilão das histórias de Reed Richards e companhia.
Entretanto, existe um elemento nessa fórmula da Marvel que vem pesando - e muito - na opinião do público e pode ser o grande divisor de águas na “Batalha de Julho de 2025”: a qualidade técnica das produções. O uso constante do Volume (técnica de grandes telões de led nos cenários) e a pressa na finalização dos efeitos especiais têm sido um fator decisivo para as críticas e afastamento do público de suas produções. As denúncias de empresas e profissionais de efeitos digitais sobre os cenários caóticos e apressados nas produções, corroboraram com as críticas e deram munição para aqueles que veem o MCU diferente de outrora.
Com as filmagens encerradas oficialmente em 30 de novembro, Quarteto Fantástico tem menos de oito meses para toda a pós-produção, incluindo aí possíveis refilmagens se necessário. O uso do Volume adianta a produção, já que muito do que seria feito na pós com os fundos azuis já está pronto antes da produção começar. Entretanto, pelas fotos do set e pelo que é esperado da história, com um cenário retro futurista, muito do CGI ainda precisará ser acrescido. Fora isso, os quatro personagens principais são todos baseados em uso de computação gráfica e a Marvel não pode de jeito nenhum errar com os poderes de Reed, Sue, Johnny e, principalmente, Ben Grimm - ou melhor, d’O Coisa. A recriação dos poderes precisa ser impecável. Claro, a história tem que ser boa, mas não há chances de o público comprar a ideia do novo Quarteto se esses efeitos não estiverem acima da média do que vem sendo entregue pelo estúdio. E isso sem entrar no mérito de que Quarteto Fantástico ainda terá Galactus e Surfista Prateado totalmente criados com efeitos digitais. O tempo de pós-produção é crucial para o sucesso do filme. Superman estreará poucos dias antes e as comparações inundarão a internet e as rodas de discussão.
A julgar pelo trailer lançado em 19 de dezembro, o filme de James Gunn - que terminou as filmagens quatro meses antes de Quarteto Fantástico, em 30 de julho - vai usar todo seu potencial nos efeitos especiais. Desde o voo do herói, a criação total de Krypto, o supercão, os poderes de todos os outros personagens que estarão na história, o enorme kaiju em Metrópolis... São quatro meses a mais de pós-produção e que já mostram um bom resultado desde o primeiro pôster até a prévia em vídeo. Gunn sabe que o novo DCU precisa provar que tem a força necessária para ditar essa nova fase do estúdio nos cinemas. E se quisermos colocar mais um tempero nessa briga, a imagem da DC ainda tem algumas estrelas brilhando forte ultimamente com Pinguim e o Batman, de Matt Reeves. Sim, ambos não têm - a princípio - ligação com o mundo criado por James Gunn, mas há uma percepção de cuidado com o material base que pode influenciar o espectador quando chegar a hora do Superman voar.
Voltando ao questionamento do texto: a Marvel deveria fugir da briga com Superman? Se o estúdio não puder garantir a perfeição técnica necessária com Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, a resposta é: sim. Da mesma forma que o filme do Homem de Aço, a produção dirigida por Matt Shakman não pode se dar ao luxo de errar.
Agora, adiar para quando, é um outro problema. O feriado de Ação de Graças de 2025, nos EUA, já deve ter todas as suas salas ocupadas pela segunda parte de Wicked e por outra franquia da Disney: Zootopia 2. O fim do ano também será dominado pelo estúdio do Mickey com ninguém mais, ninguém menos que Avatar 3, em mais um possível sucesso absurdo de James Cameron. Ficaria o filme do Quarteto para 2026? Improvável, devido ao calendário e todas as mudanças que a Marvel teria que fazer. A não ser que elas já estejam nos planos, mas aí é papo para outro artigo - e, sim, isso pode acontecer.
Se a Marvel puder garantir essa qualidade de pós-produção e conseguir criar um hype que - bem ou mal já existe - esse será o filme para dar o primeiro passo de uma nova Era, ou ao menos um final apoteótico para a Saga do Multiverso. Aí é abraçar a ideia de dominância desses dois Titãs da cultura pop e dos quadrinhos e até mesmo criar um senso de retomada do cinema de super-heróis da Era de Ouro pré-pandemia.