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Hercules | Segredos da produção

Visitamos o set do filme com Dwayne Johnson na Hungria

04.06.2014, às 15H31.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H39

Com um calor úmido de 42 graus sob um sol escaldante, sem nuvem alguma no céu, cerca de 300 soldados gregos - elmos brilhando, armaduras de couro chapinhadas de sangue - caminham suando entre cadáveres de homens e cavalos, buscando pilhagens em um campo devastado, satisfeitos depois de uma batalha vitoriosa.

A cena poderia ter acontecido há 3.000 anos, mas pude acompanhá-la ao vivo, nos arredores de Budapeste, na Hungria, no verão de 2013. Era o set de Hercules, adaptação da história em quadrinhos The Thracian Wars, dirigida por Brett Ratner e estrelada por Dwayne Johnson.

Dentro da tenda refrigerada do diretor, observando os monitores, era impossível não ser cativado pela empolgação de Ratner. "Olha só isso, cara! Olha, olha!", dizia empolgado o cineasta, me puxando pelo braço, enquanto praticamente me forçava a olhar para um dos monitores (eu estava com os olhos fixos em outro, meio perdido por tanta informação). O que ele queria que eu visse era a longa coluna de soldados saindo da fumaça, enfileirados com Hércules (Johnson) e seus companheiros mercenários à frente. A sequência sugeria um segmento pronto do filme, mas Ratner apressou-se em explicar que era apenas algo captado há alguns dias. "Nem precisa de computação gráfica!", seguiu. "Quero realismo! Estamos fazendo um filme como eles eram feitos na década de 60! Com homens de verdade! Temos 600 figurantes que vamos transformar em 10 mil. Me deram uns húngaros e o que saiu foi isso aí", brincou, comentando que filmes como Coração Valente e Gladiador, que tiveram a mesma estratégia, são uma de suas fontes de inspiração.

Ratner está obcecado com o realismo. Ele e Dwayne Johnson estão empenhados em criar "a versão definitiva de Hércules" e, para tanto, recriaram a grécia em Budapeste, da palha dos campos ao solo negro (importado, pois a terra na Hungria é diferente da encontrada na Grécia) da cidadela de Rhesus. E não pouparam esforços - ou dinheiro - na construção de sets megalomaníacos, como devem ter sido os das grandes produções épicas do passado. Em 13 anos visitando sets, eu nunca havia presenciado nada parecido.

A mencionada Cidadela, por exemplo, ocupa os fundos do estúdio Origo, lar de produções como 47 Ronin, com a dimensão de aproximadamente meio campo de futebol. Nessa área, a imaginação não encontra espaço, pois tudo existe. Os portões de seis metros de comprimento, que eram retocados pelos pintores para se parecerem com bronze envelhecido, abrem-se para uma área livre, com colunas de mármore com cabeças de carneiro no topo. Do lado direito, algumas edificações e uma estranha favela, que terá importância na trama. Do outro, um templo grego decorado com ornamentos no formato de corvos. Ao fundo, uma escadaria alta e ampla, levando às portas de um templo imponente, sob os pés de uma estátua de 30 metros (que será ampliada por computação gráfica). Tudo isso erigido ao longo de seis meses.

A busca do realismo levou a produção a treinar 600 figurantes durante quatro meses como um exército de verdade. Os atores precisaram aprender a lutar, manejar espada, lança e escudo e mover-se em formação. Alguns também precisaram aprender a cavalgar, já que há uma centena de animais no set. Tudo isso leva o filme a contar, nos dias mais cheios, com mais de 1200 pessoas trabalhando ao mesmo tempo. "Sempre sonhei em fazer um filme assim", revela o general Ratner, orgulhoso.

Além de visual, o realismo é também temático. No filme, o semi-deus Hércules é tratado como se tivesse mesmo existido no nosso mundo. "Não há magia e não veremos deuses", explica o diretor. "Ele é um grande guerreiro, que se beneficia das histórias que são contadas sobre ele". Banido de sua terra, Hércules se torna o líder de um bando de mercenários - cada um com habilidades próprias, incluindo Iolau (Reece Ritchie), sobrinho do herói, um bardo que é encarregado de realizar uma espécie de "guerra psicológica", espalhando os feitos de Hércules e exaltando seu poder. Os famosos 12 Trabalhos da mitologia estarão presentes, mas de uma maneira inusitada - unindo flashbacks e as lendas.

"Hércules é um homem devastado por uma tragédia, alguém que perdeu tudo - e esta será sua jornada de aceitação de seu destino", diz Ratner. "A identidade é um tema forte no filme".

Enquanto esperava na tenda a entrevista mais importante do dia, vi pela primeira vez Dwayne Johnson como o protagonista, de barba e cabelos longos. "The Rock" está determinado a tornar este o papel de sua vida. "Esse filme é diferente para mim em vários níveis", comentou Johnson, completamente vestido como o personagem. "É ao mesmo tempo o papel mais físico que já vivi e o mais exigente de atuação. As três horas que passo na cadeira, esperando a aplicação da barba e dos cabelos, são fundamentais para me colocar lentamente na pele de Hércules", disse. Era minha quarta entrevista com o ator e não encontrei nele o humor leve de sempre, tamanha concentração.

A figura imponente de Johnson - cuja cabeça quase batia no teto da tenda em que estava a imprensa - também foi trabalhada ao longo de um ano para esse papel. "Acordo às 3 da manhã, faço exercícios cardiovasculares, aí tomo meu café - filé, ovos e mingau de aveia, a primeira de sete refeições que faço diariamente - e depois começo a sessão de musculação. A partir daí são três horas de maquiagem, aplicação das tatuagens, barba e cabelo e estou pronto para o trabalho", revelou.

"Estou muito feliz com esse visual. Fizemos muitos testes de figurino e maquiagem, mas chegamos nesta, que acreditamos que é a versão definitiva de Hercules", disse o ator. "Há muitos detalhes. Eu uso esse tempo para habitar o personagem. A transformação é algo que nunca tinha vivido, mas me favorece. Sou muito agradecido pelo processo e os artistas que o desenvolvem, gosto muito da colaboração e como ela me transforma em um ator melhor".

"Eu achava que Jackie Chan era meu ator preferido de trabalhar em todos os tempos, mas não tem como Dwayne não assumir esse posto", elogiou Ratner. "Ele é o cara mais disciplinado que já conheci!"

Johnson, afinal, tem um desejo antigo pelo papel. "Quando a Universal me chamou pra conversar pela primeira vez, disse a eles que gostaria de fazer um filme do Hércules, mas eles me deram Escorpião Rei. Foram necessários mais 10 anos para tirar este filme do papel", lembrou. Com seu novo status de astro, Johnson conseguiu finalmente trabalhar ao lado da Paramount Pictures nesta adaptação - e escolher Ratner entre diversos outros diretores. "Conversei com muitos caras muito bons e apaixonados pelo material. Mas Bret me falou uma coisa que o colocou na frente... ele disse que queria fazer um filme sobre uma busca pela fé perdida - e concordei imediatamente com ele".

"É raro ter a opotunidade de interpretar um personagem tão mundialmente conhecido e honrar sua mitologia", seguiu. "Há algumas versões dele no cinema, mas optamos por algo novo, mais realista e um tanto sombrio, com profundidade. Ele perdeu sua fé. Ele gosta de espalhar sua lenda, mas é um mercenário sem qualquer crença. Sem deuses. Bret entendeu isso".

Para o diretor, convencer o restante do elenco multinacional foi fácil. "Todos eles, Ian McShane, John Hurt, adoraram o roteiro, que tem algumas ideias que dão várias possibilidades que grandes atores adoram. E eu acho incrível quando gente do calibre deles conversa sobre um roteiro de filme de ação de maneira tão intelectual. Eles enxergaram e desenvolveram várias coisas incríveis!".

Ratner cercou-se também de alguns dos melhores profissionais da indústria. O francês Jean Vincent, diretor de arte, trouxe para o filme sua experiência em outros épicos, incluindo Gladiador. "Não há nada de fantástico na nossa recriação. É tudo fruto de uma pesquisa minha de 2 meses trancado no museu do Louvre, em Paris. Mas como esse período histórico não foi muito documentado fora de esculturas e cerâmicas, tivemos algum espaço para brincar", disse. O designer empolgou-se especialmente com a ideia de que Alexandre, o Grande, enquanto dominava o planeta, carregou consigo uma equipe de arquitetos pelo mundo, adaptando o estilo grego e incorporando sabores locais a ele, elevando a arte. "Quis me aproveitar disso, misturando algumas coisas nos cenários mais ricos, como a cidadela ou a sala do trono", explicou.

Realismo também foi o foco nos figurinos, a começar pelo do protagonista. A figurinista Jany Temime, também francesa, optou pelo visual mais simples possível para o personagem-título. "Uma armadura de couro, um saiote, braceletes, sandálias e a capa de leão. Ele é um herói. Eu queria que seu corpo fosse seu figurino - e Dwayne é perfeito nesse sentido". A peça que foi mais complicada foi a capa, já que inúmeras configurações da cara do animal - morto durante um dos 12 trabalhos da lenda - foram criadas, até chegar à que foi considerada perfeita. "A modelagem foi feita a partir de um modelo 3D de Dwayne e ele pode usá-la nas costas ou sobre a cabeça. Ele a coloca quando precisa ser um símbolo, ser mais que um homem", explicou.

Na verdadeira confecção que a profissional montou em Budapeste, artesãos locais faziam tingimentos manualmente em tanques coloridos, gravavam metal pacientemente e aplicavam texturas e bordados em tecidos, costurando vestes para os personagens nobres. "Mas o grande desafio foi vestir os soldados. Temos diversos exércitos e foi trabalhoso criar tantos elmos, sandálias, capas e acessórios, mas o resultado é incrível - e mais surpreendente ainda é ver como os atores que os interpretam estão se tornando exatamente o que os gregos devem ter sido. É fascinante ver como eles estão adaptando as vestes, sem qualquer orientação, para se protegerem do sol entre as filmagens. Imagino que os gregos tenham feito exatamente a mesma coisa", disse, referindo-se ao atores virando os capacetes para criar uma espécie de viseira na frente ou fazerem "tendas" cruzando suas lanças e escudos.

Independente do investimento financeiro para bancar tamanho realismo, porém, é Dwayne Johnson quem parece que mais perderá caso as coisas não corram como o desejado. Seu investimento é emocional e totalmente pessoal. "Esse filme tem que ficar perfeito. Tento me superar todos os dias, me tornar uma pessoa melhor, e este personagem é a culminação disso, o papel da minha vida. Tem que ser incrível", concluiu com a voz um tom abaixo. "Tem que ser".

Hércules chega aos cinemas dos EUA em 25 de julho e tem previsão de estreia para 4 de setembro no Brasil.