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Entrevista

O Hobbit - Uma Jornada Inesperada | Omelete entrevista Peter Jackson

"Eu nunca quis fazer O Hobbit porque a ideia de ter que reunir 13 anões me deixava desesperado", disse o diretor

31.10.2012, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H39

Apesar de O Hobbit ser uma produção gigantesca, orçada em centenas de milhões de dólares, uma das coisas que mais me surpreendeu quando visitei o set de O Hobbit Uma Jornada Inesperada na Nova Zelândia foi a sensação de intimidade que tudo ali transmitia. Já estive em sets nos quais via mais de 50 pessoas paradas, esperando para começar a desenvolver seu trabalho. Comparado a isso, O Hobbit mais parecia uma produção independente. Nenhuma locação tinha mais do que uma dúzia de pessoas trabalhando atrás das câmera. Não havia drama nos bastidores. Era como se um pequeno grupo de pessoas estivesse fazendo algo pessoal. Imagino que esse é o modo como Peter Jackson gosta de trabalhar.

Ian McKellen como Gandalf

Ian McKellen como Gandalf

O Hobbit poster

Martin Freeman e Peter Jackson no set

Martin Freeman e Peter Jackson no set

Bilbo e os anões

Bilbo e os anões

Durante o intervalo de uma das filmagens, já no fim do dia, Jackson veio até nós (eu estava com um grupo de jornalistas online) para responder algumas perguntas. Falamos sobre as comparações de O Hobbit com O Senhor dos Anéis, quais as mudanças que o filme terá com relação ao livro, como a trama de Gandalf foi ampliada, sua hesitação inicial para dirigir o projeto, qual é o papel da tecnologia (3D, câmera de movimento simultâneo, 48 quadros por segundo) e muito mais. Confira:

Em que dia de filmagem estamos no cronograma?

Não sei, eu não acompanho o cronograma. Sei que estávamos no dia 225 há alguns dias, então devemos estar por volta do dia 230. Nossa agenda é planejada para 240, 245 dias de filmagem. Ainda estamos mantendo o cronograma. Terminaremos no dia que previmos há um ano e meio, então isso é bom.

É importante pra você que este filme seja parecido com O Senhor dos Anéis ou você quer que eles sejam coisas completamente diferentes?

Nenhum dos dois, na verdade, É claro que eles não devem parecer tão distantes, mas ao mesmo tempo temos os personagens... Quando decidi me envolver em O Hobbit como diretor, me prometi que retomaria a história exatamente da mesma forma como fiz O Senhor dos Anéis - como se estivesse retornando à Terra-média. É como se aquele fosse um lugar real, estou ali para contar uma história diferente, mas os personagens dentro daquele universo, por serem anões, dão uma entonação diferente aos lugares que já vimos anteriormente. O Senhor dos Anéis era incrivelmente bom e mau, preto e branco. O mundo estava em perigo por causa de Sauron, era tudo muito básico e a tensão indicava o caminho que a trama tomaria. Já O Hobbit tem uma qualidade mais como um conto de fadas, matando dragões e saindo em busca do ouro da montanha. Os elementos da história dão espaço para que exista uma alteração na entonação da história, mas quanto ao visual e ao estilo de direção, eu queria manter tudo parecido, trazendo o sentimento de que estamos no mesmo universo.

Quando o assunto é continuidade, no livro, por exemplo, quando Bilbo põe o anel, ele não sente seus efeitos negativos. Já no caso de Frodo, tudo muda de figura. É esse tipo de coisa que você vai pensar e tentar consertar durante O Hobbit?

Sim. É óbvio que está tudo presente nos livros, Tolkien não sabia nada do anel quando escreveu O Hobbit. Aí, 20 anos depois, ele escreveu toda uma trilogia sobre o anel. O modo como as coisas são racionalizadas, e acho que foi desta forma que as pessoas no mundo de Tolkien as racionalizaram, é que o anel não ganha seus poderes até que Sauron volta à ativa e começa a procurá-lo. Então ele ficou adormecido por um tempo e, durante os tempos de Frodo, ele começa a ficar agitado querendo encontrar Sauron. Estamos nos baseando nisso. Mas já vamos gradualmente mostrando os efeitos do anel durante o filme. Na primeira vez que [Bilbo] põe o anel, ele é simplesmente um artefato mágico. Mas conforme ele vai o colocando outras vezes, os efeitos o atingem cada vez mais. Estamos construindo uma história a partir disso.

Ainda vai ser aquele efeito em que ele está em um mundo de sombras?

Bem, ele estará em um mundo de sombras, mas que não será tão atormentado quanto era o de O Senhor dos Anéis. Ali existia uma maior influência de Sauron e do Olho de Sauron - não vamos lidar com isso dessa vez, mas sim com o início disso.

Fale um pouco sobre a expansão da trama de Gandalf. Quando se lê O Hobbit, parece que ele tomou uma atitude aleatória quando escolheu Bilbo. Ouvimos dizer que agora haverá um motivo por trás da escolha, do porque Galdalf está atrás dele. Não só os resgatar de problemas do nada. Qual a necessidade de explicar questões em uma história que não realmente...

É interessante. Tudo volta para a questão de que Tolkien escreveu O Hobbit como um livro infantil em 1937, e mais tarde escreveu O Senhor dos Anéis. É óbvio que este universo se expandiu em sua mente, o que o levou a pensar, durante muitos anos, a reescrever e republicar O Hobbit, fazendo com que uma história tivesse ligação direta com a outra. Isso nunca aconteceu, mas muito do material acabou no apêndice das edições mais recentes de O Retorno do Rei. Tolkien estava em um estágio no qual ele continuava a trabalhar ao contrário, tentando revisar O Hobbit e ligá-lo a O Senhor dos Anéis. Nós tivemos acesso a esse material e pudemos vasculhar esses apêndices em busca de pequenas dicas sobre a história - e muita coisa são apenas ideias não finalizadas. Dá pra sentir que se ele tivesse realmente tirado tempo para finalizar tudo, hoje nós teríamos muito mais informações. Para mim, ações em filmes não devem ter um ponto de partida aleatório. Sempre fico frustrado quando acontece alguma coisa do nada e não há uma explicação por trás disso.

Sim, Gandalf visita o Condado, ele ama hobbits, lembra que eles são provincianos e contidos. Eles são desconfiados das terras fora do Condado e Gandalf se lembra apenas desse pequeno hobbit, Bilbo Baggins, uma criança que adorava aventuras, perigos, histórias assustadoras... O único hobbit extrovertido. Então quando ele vai atrás de um hobbit para ser o ladrão de sua aventura, ele volta ao Condado muitos anos depois e encontra Bilbo. Ele deliberadamente procura por Bilbo, pois esse é o hobbit que ele acha ser o melhor para o cargo. Ele fica chocado quando descobre que, dezoito anos depois, Bilbo se tornou super conservador, nada parecido com o garoto que ele se lembra. Esse é o início da relação dos dois.

Então a bondade e inocência naturais dos hobbits tem algum papel em tudo isso?

Sim. Muitos dos personagens dessa história tem interesses próprios. Anões querem suas terras de volta. Thranduil quer sua parte do que está na montanha, o que ele considera seu. Bilbo é o único que não tem interesses desse tipo, mas ele acaba se envolvendo em uma louca aventura, com personagens com quem ele deve lidar e aceitar. É bem interessante.

Levou muito tempo para que a produção d'O Hobbit realmente começasse. Quando você teve a certeza de que estaria de volta na cadeira de diretor da franquia? O que o levou a tomar a decisão definitiva de voltar?

Quando Guillermo [del Toro] deixou o time, ficamos todos surpresos - apesar de termos sentido que toda a situação da MGM na época ter sido um grande problema. A Warner estava tentando seguir em frente sem a MGM, mas não estava dando certo. Quando Guillermo saiu, nós não tínhamos um "ok" do estúdio, não tínhamos um filme. Estávamos ao léu de uma certa forma por dois, três meses depois que ele nos deixou. Eu era o responsável pela produção, mas não era como se nada muito bom pudesse sair dalí - não existia orçamento, não tínhamos nada. Não estava certo o que ia acontecer com a MGM, mas já havíamos começado a desenvolver um roteiro com Fran [Walsh], Phil [Boyens] e Guillermo. Os personagens já estavam tomando forma, então eu comecei a me conectar bem com o material.

Eu nunca quis fazer O Hobbit porque a ideia de ter que reunir 13 anões me deixava desesperado. Para mim, seria muito mais interessante ver outro cineasta lidar com isso enquanto eu observava. Achava que seria um pesadelo ter que passar por tudo isso, mas o engraçado é que, estando na minha posição, hoje vejo que a maior graça do filme são os 13 anões. Mudei completamente de ideia. Demos personalidades muito específicas a cada um deles, os transformando na parte central de nossa história. Bilbo é a alma, mas os anões e a causa pela qual lutam são o coração da história. Agora eu gosto deles. Na verdade, fico contente em ter tomado a posição que tomei.

Em O Hobbit, Tolkien explora a fundo os ideais modernos e antigos de heroísmo. Isso é algo que você vai abordar? Temos Bilbo e Legolas, que seguem em frente para a próxima história, mas Thorin não continua. Você entra no assunto do que faz heróis serem bem sucedidos contra heróis mal sucedidos?

O livro aborda, sim, alguns desses temas. Em alguns aspectos, Thorin é como um anti-herói. Ele acabou ficando tão obcecado com aquilo que acredita ser certo que passou dos limites com sua ganância pelo ouro do dragão. Os hobbits são os melhores heróis, pois são como nós. São os heróis improváveis que são atirados em um terrível perigo sem escolha, mas usam da bondade e da força que vem dentro de si para tentar sobreviver. Eles não são o tipo de pessoa que você tomaria como capaz de enfrentar um dragão, mas quando os vê em ação... Acho que esse tipo de heroísmo cabe muito bem em filmes, além de ficar muito interessante. Legolas é apenas mais um herói, não me identifico tanto assim com ele. Eu apenas deixo Orlando [Bloom] fazer aquilo que sabe fazer de melhor, o que é ótimo para o filme.

O Senhor dos Anéis teve muitos problemas, mas a maioria deles vinha da época antes de você se juntar ao projeto. Já O Hobbit parece ter sido o maior desafio de sua carreira. Entre os problemas com a MGM e com os sindicatos da Nova Zelândia, você considera esse o filme mais complicado que você já trabalhou?

Fazer o filme tem sido muito divertido. Desde que começamos a filmar, tudo tem dado muito certo. Os dois anos que antecederam a produção foram muito doídos e estressantes. Foram tão estressantes que eu tive uma úlcera - o que foi ótimo, pois todo o time teve mais seis semanas de pré-produção. Literalmente o departamento de arte, de figurino, todo mundo teve mais um tempo de preparação para o filme. Foi difícil, mas uma vez que conseguimos dar início, tudo deu muito certo. Realmente espero que toda o divertimento que tivemos fazendo o filme transpareça na tela do cinema.

Quero saber um pouco sobre a tecnologia envolvida nesse filme. Você sempre inova em seus filmes, mas especificamente nesse você tem a câmera de movimento simultâneo, os 48 quadros por segundo, o 3D. Fale um pouco sobre as novas tecnologias de O Hobbit.

Vivemos em um mundo onde a tecnologia avança muito rapidamente. Você tem câmeras que são capazes de fazer cada vez mais coisas - a resolução avança muito rápido. Há três ou quatro anos, cineastas usavam câmeras digitais com resolução 2K, agora já rodamos com resolução 4K. Tenho certeza que dentro de três ou quatro anos já estaremos na 8K. O desenvolvimento está atingindo uma velocidade assustadora. A única coisa que ainda estamos atrás é uma projeção mais luminosa para o 3D, mas os projetores a laser já estão a caminho e devem melhorar consideravelmente o brilho, além dos cinemas já estarem construindo telas maiores. Na verdade, tudo é apenas uma questão de comodidade, querer continuar usando a mesma tecnologia que vem sendo usada há 75, 80 anos - ou querer explorar novas maneiras de aprimorar as técnicas existentes, com a intenção de oferecer uma melhor experiência ao público. Como indústria, nós também temos de enfrentar a situação de que cada vez menos jovens vão aos cinemas.

É fácil assistir a filmes em seu iPad. É fácil ficar em casa e jogar videogame. Acho que qualquer coisa que possa oferecer uma experiência mais imersiva e espetacular já ajuda. Cineastas como [Stanley] Kubrick e David Lean já faziam melhorias, como 2001 [Uma Odisseia no Espaço] que foi rodado em 65mm. Eles tentaram rodar seus filmes em formatos gigantescos para fazer com que eles ficassem mais límpidos, o que é o equivalente do 5K. A Volta ao Mundo em 80 Dias foi rodado em 30 quadros por segundo, não foi? Já tem gente tentando inovar faz tempo, mas os projetores de sete ou oito décadas atrás estavam meio que presos a exibições simples, de 24 quadros por segundo. Tivemos que ultrapassar a era mecânica para explorar coisas novas, mas todo o processo foi muito interessante. Eu pessoalmente acho que 48 quadros por segundo é ótimo, mas teremos que esperar que todos assistam a um filme completo no formato, editado e finalizado, e ver o que todos acham.

O Hobbit Uma Jornada Inesperada estreia em 14 de dezembro.

Leia o artigo da nossa visita ao set de O Hobbit - Uma Jornada Inesperada

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