O encontro entre super-heróis de editoras e, portanto, de universos diferentes pode ser encarado como a realização de um sonho para os fãs, um mecanismo que possibilita uma análise de suas personalidades em histórias de alto nível ou apenas uma jogada comercial para arrancar mais dinheiro dos aficionados por quadrinhos.
Ao longo de sua existência, o Homem-Aranha participou de crossovers - como são chamados estes encontros - com um sem número de super-heróis das mais diversas editoras, sem deixar de cumprir o objetivo primordial de emocionar leitores. Uma retrospectiva delas permite realçar tanto a importância única do herói aracnídeo, exposta no artigo Identificação Adolescente, quanto os fundamentos deste subgênero.
HOMEM-ARANHA E SUPER-HOMEM
As 100 páginas do Maior Combate de Todos os Tempos definiram com mestria a fórmula de um crossover eficiente. Partindo da premissa que os dois heróis sempre habitaram o mesmo universo mas ainda não haviam se encontrado, a trama reúne os vilões Lex Luthor, a maior mente criminosa do mundo, e Dr. Octopus, o cientista com tentáculos metálicos. A dupla põe em prática, então, um plano de chantagear - ou destruir - o planeta inteiro. Durante sua execução, seqüestram Lois Lane e Mary Jane Watson, respectivamente namoradas do Super-Homem e do Homem-Aranha. Após um desentendimento inicial, os dois aventureiros juntam forças e partem com tudo para deter os inimigos da humanidade.
Prendendo a atenção do leitor da primeira à última página, a trama não poderia ser mais consistente com este marco nos quadrinhos de super-heróis. A nobreza ostensiva do Super-Homem e o bom-humor característico do Homem-Aranha combinaram-se com perfeição, gerando cenas marcantes e de alto impacto. A seqüência em que o Aranha é energizado por Luthor com radiação de um sol vermelho e dá uma surra no Super é engraçadíssima, e o clímax no satélite Sociedade Negra, de tirar o fôlego. Os supercriminosos, devidamente, também tiveram suas personalidades bem exploradas, e levadas ao extremo. Há ainda fichas de identificação entremeando a edição, tornando-a mais completa e até didática para o leitor pouco familiarizado com algum dos universos envolvidos.
As duas aventuras resistem ao tempo e funcionam ainda hoje. No entanto, com as várias mudanças na vida das personagens e evolução contínua na indústria de quadrinhos, um novo projeto reunindo Homem-Aranha e Super-Homem, enfocando diferentes fases e versões de suas carreiras, seria muito bem recebido. Há uma infinidade de quadrinhistas capazes de realizar a empreitada com sucesso. No entanto, se quisermos apontar uma equipe criativa específica, Jeph Loeb e Tim Sale, que já realizaram belos trabalhos com as dois personagens em Superman For All Season (As quatro estações) e Spider-Man: Blue, seria a ideal.
HOMEM-ARANHA E BATMAN
DeMatteis é um roteirista conhecido por explorar preferencialmente temas como espiritualidade, amor, redenção e a psique humana. Por vezes, é verborrágico demais, e seus textos, cansativos. Nesta história, porém, os elementos estão bem dosados, e o resultado sobressai. O Cruzado de Capa e o Aracnídeo enfrentam Coringa e Carnificina, dois dos mais psicóticos e imprevisíveis assassinos dos quadrinhos. Ambos estão bem caracterizados numa narrativa repleta de ação.
O ponto de partida é um projeto do governo, representado pela psicóloga Cassandra Briar, visando a reabilitação de criminosos insanos irrecuperáveis por meios normais. Valendo-se de um chip implantado no córtex cerebral, ela espera manipular as ondas mentais desses bandidos. A questão ética é abordada de relance: grupos de direitos humanos apontando o fascismo do método, enquanto a psicoterapeuta Ashley Kafka afirma sua fé na humanidade e na recuperação de seus pacientes.
Como não poderia deixar de ser, as primeiras cobaias de Cassandra foram Coringa e Carnificina. Tudo corria muito bem, com os dois assassinos agindo como crianças assustadas, até que, em dado momento, Carnificina livra-se da influência do chip, destruído por seu simbionte alienígena. Sem perda de tempo, a criatura liberta o Palhaço do Crime, certo de que os dois deveriam agir juntos e promover uma matança sem igual.
A aliança entre o espetacular Homem-Aranha e o obcecado Batman para deter o par de vilões garante a força da edição. O pontos fundamentais da origem de ambos - os assassinatos de Tio Ben e do casal Wayne - são lembrados em sonhos na abertura da história. Daí, a escolha de Carnificina e Coringa como adversários, por simbolizarem a morte de inocentes, aquilo que os dois combatentes do crime tanto fazem para evitar, foi um tiro certeiro.
Fanático devotado a purificar a Terra, por meio do extermínio da maior parte da população mundial, Rãs comanda seus cientistas no desenvolvimento de métodos para manipular o clima. Resultam-se terremotos na Índia e enchentes no Meio Oeste. Em seguida, ele pretendia afundar a ilha de Manhattan para que, em meio às catástrofes, pudesse emergir como salvador do mundo. Em troca de apoio, oferece o Rei do Crime, que domina o submundo de Nova York a cura do câncer terminal do qual padece sua mulher, Vanessa Fisk.
Ao tomarem conhecimento desses planos genocidas, Homem-Aranha e Batman viajam para o Himalaia rumo a um confronto definitivo. Este é justamente o melhor da história, quando vigilantes tão acostumados ao crime das ruas adentram terreno tão diferente e hostil.
Os talentos de Greg Rucka, Devin Grayson e Ed Brubaker, nas revistas de linha do Batman, e Paul Jenkins e JMS, no Aranha, foram responsáveis por uma verdadeira renascença criativa que injetou novo fôlego aos dois heróis. Destarte, são todos ótimas opções para roteirizar, talvez em parceria, um futuro crossover. Para os desenhos, o estilo sempre dinâmico e energético de Scott McDaniel seria perfeito.
HOMEM-ARANHA E GEN13
Lançado em 1996, o especial Homem-Aranha e Gen13 foi escrito por Peter David e belamente ilustrado por Stuart Immonem. Idiossincrático e propenso a satirizar os clichês e eventos da Marvel e da DC em seus trabalhos, embora estes sejam quase todos para as duas grandes editoras, o roteirista PAD, como é conhecido na comunidade online, não perdeu tempo buscando as motivações para os protagonistas nem utilizou vilões conhecidos. Foi direto à ação, com o Aranha resgatado pelos Gen-kids durante um show de rock e levado para a residência da superequipe, na Califórnia. A vilã da trama foi uma assassina profissional contratada para capturar os aventureiros adolescentes, que também lutava na justiça pela custódia da filha. Criada apenas para o crossover, foi uma personagem marcante com sentimentos bem definidos.
Apesar de ter sido um fenômeno avassalador na época de seu lançamento, hoje a revista Gen13 será cancelada devido a baixas vendas para, em seguida, ser relançada sob a tutela de Chris Claremont e Bob Harras. Que façam um trabalho de qualidade. Se houver chance de mais um crossover com o Homem-Aranha, porém, o quadrinhista mais indicado para a tarefa é Adam Warren, que produziu as melhores histórias da equipe e enlouquece o público com as Panteras do Espaço.
MARVEL VERSUS DC E AMÁLGAMA
Desta vez, a premissa foi a de que os dois universos existiam separadamente - ao contrário do que ocorria nos encontros clássicos - e começavam a se fundir. A explicação não foi das mais convincentes: dois irmãos cósmicos que haviam se confrontado, exterminando e recriando toda a criação, dando origem aos dois universos e perdendo a consciência no decorrer dos acontecimentos, despertaram e decidiram guerrear novamente um contra o outro. As duas entidades, de fato, não lutaram, mas escolheram os maiores campeões da Marvel e da DC para se enfrentarem. No final, só poderia restar um universo.
Ao Homem-Aranha, coube desafiar a versão moderna do Superboy, o clone dotado de telecinesia táctil, criado por Karl Kesel e Tom Grummet. Os outros embates foram Super-Homem X Hulk, Batman X Capitão América, Mulher-Maravilha X Tempestade, e Wolverine X Lobo. Como novidade maior, os resultados das lutas foram decididos pelos leitores numa votação; ou seja, a história virou um teste de popularidade entre os super-heróis.
Apesar dos aspectos promissores e do furor causado na época, passados alguns anos, é fácil notar que a mini-série em quatro partes foi apenas um megaevento, como tantos que grassavam em meados dos anos 90, de proposta bombástica e pouco conteúdo. A trama repetiu elementos de outros crossovers como o fraquinho Quando mundos colidem e o incomparável épico Crise nas infinitas Terras.
A propósito, o Aranha derrotou Superboy, mas, como aquele era Ben Reilly, o clone, e não Peter Parker, detalhe que foi alterado na edição nacional, e maioria das pelejas constituiu um festival de cenas constrangedoras, esta é uma saga que merece ser esquecida.
Duas continuações foram lançadas: Marvel vs DC Série 2 (All Access), escrita por Ron Marz e desenhada por Jackson Guice, e Marvel vs DC Série 3 (Unlimited Access), de Karl Kesel e Pat Oliff. As duas foram centradas na personagem Acesso, único ser capaz de transitar entre os dois universos e que tem como missão mantê-los separados para que não se destruam.
A Série dois, mais uma decepção, teve participação do Aranha ao lado do Super-Homem, enfrentando Venom, na sua primeira edição. A Série três, a única realmente divertida, trouxe o Aracnídeo numa participação pequena, também na edição inicial, enfrentando Mântis e o Fanático em parceria com a Mulher-Maravilha.
A série de especiais Amálgama, provavelmente a melhor idéia saída da primeira Marvel versus DC, tratou de mostrar as versões dos heróis do Universo unificado que mesclava Marvel e DC. Assim, o Homem-Aranha e o Superboy renderam o híbrido Spider-Boy enfrentando Carnibizarro (Bizarro amalgamado a Carnificina) e Rei-Lagarto (Tubarão Rei e Lagarto), numa história de Karl Kesel desenhada por Mike Wieringo.
Kesel é o criador da versão pós-Crise do Superboy, a qual escreveu com mestria, apaixonado pela herança e pelo dinamismo vibrante de Jack Kirby. É um roteirista que sempre se destacou por diálogos bem-humorados e cheios de referências à cultura quadrinhística, em excelentes histórias do Super-Homem e do Demolidor. Sobre o Spider-Boy, é válido citar as declarações de Kesel à revista Wizard na época do lançamento do Amálgama: Spider-Boy desenrola-se a 1000 km/h em cada página. É uma espécie de o-que-aconteceria-se-Jack-Kirby-tivesse-feito-o-Aranha. Ele não pára pra tomar fôlego nas 22 páginas. Quando terminei a edição disse Droga, quem me dera pudesse me divertir assim todo mês!.
A personagem retornou na segunda geração de especiais Amálgama em Spider-Boy Team-Up, inédito no Brasil, junto à Legião dos Guardiões da Galáxia 2099, que incorporava elementos da Legião dos Super-Heróis da DC, dos Guardiões da Galáxia da Marvel e da versão futura do Aracnídeo do ano 2099. A arte ficou por conta do magnífico José Ladronn.
A mini-série Liga da Justiça e Vingadores, por Kurt Busiek e George Pérez, que os leitores vêm aguardando há mais tempo do que pelo novo Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, poderá reacender o interesse por um grande crossover Marvel versus DC. Para tanto, a equipe criativa que eu indicaria reúne dois grandes fenômenos recentes da indústria, Geoff Johns, sucesso absoluto em Flash, JSA, Hawkman (Falcão da Noite, o herói da Era de Ouro), escalado substituto de Busiek nos Vingadores; e Phil Jimenez, autor da melhor fase da Mulher-Maravilha, que já deu provas de ser o sucessor natural de Pérez e de sua capacidade de trabalhar uma quantidade ilimitada de personagens em JLA/Titans e na própria série da amazona.
MAIS CROSSOVERS
Embora não constem na cronologia oficial de nenhum universo, os crossovers divertem e nos presenteiam com alianças impossíveis. Quando heróis de universos diferentes se encontram, certamente aprendem com o esforço heróico distinto; eles evoluem. E nós os acompanhamos.