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Artigo

Code Geass continua excelente 15 anos depois

Política, racismo, imperialismo e revolução

08.10.2021, às 10H00.
Atualizada em 08.10.2021, ÀS 18H44

Muito antes de Eren Yeager decidir mudar o mundo em Attack on Titan, um menino britânico havia tomado essa mesma decisão em Code Geass: Lelouch of the Rebellion. Tal qual o protagonista da obra de Hajime Isayama, Lelouch Lamperouge estava disposto a fazer literalmente qualquer coisa para destruir um império assustadoramente racista e violento — felizmente, inclusive, o desfecho da história de Lelouch foi muito menos controverso do que o final de Shingeki no Kyojin.

Tudo começou no dia cinco de outubro de 2006, quando o primeiro episódio de Code Geass estreou no Japão. O anime não adaptava um mangá, mas, sim, trazia uma história completamente inédita. A direção ficou sob responsabilidade de Gorō Taniguchi, o roteiro foi escrito por Ichirō Ōkouchi e o design dos personagens era do estúdio Clamp, formado exclusivamente por mulheres. A distribuição foi feita pela Sunrise, conhecida também pelo anime de InuYasha e Cowboy Bebop.

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Lelouch jogando xadrez em Code Geass.

Basta um episódio para que o mundo de Code Geass conquiste a atenção dos espectadores. Em uma realidade distópica, que até possui bastante fundamento na realidade, o Império Britânico dominou um terço do planeta — na vida real, o Império Britânico chegou a dominar, no auge, quase um quarto dos territórios do planeta Terra, e o mundo contemporâneo ainda carrega muitas marcas daquele período.

A dominação, no anime, chegou ao ponto em que países como o Japão foram impedidos de continuar usando o próprio nome, sendo tratados como meras colônias identificadas por números. O Japão, especificamente, virou a "Área 11", onde cidadãos são proibidos de se chamarem de japoneses e acabam sendo tratados pelos britânicos que vivem por lá como cidadãos de segunda classe.

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Lancelot, mecha do Suzaku em Code Geass.

Esse pano de fundo, apresentado logo de cara, evidencia a essência política da história. Debates sobre imperialismo e racismo são levantados conforme a narrativa se desenvolve, assim como discussões sobre a melhor maneira de enfrentar o grupo dominante. Quando a resposta é a violência? Até que ponto japoneses precisam seguir as regras estabelecidas pelo Império Britânico se quiserem ser livres? Na opinião de Lelouch, a guerra é a única resposta. Na visão de Suzaku Kururugi, a liberdade só pode ser conquistada jogando dentro das regras impostas pelo império.

Esse debate passa longe de ser uma questão meramente abstrata. Observando os protestos nos Estados Unidos que sucederam o assassinato de George Floyd, por exemplo, existem tanto aqueles que defendem respostas agressivas para demonstrar a indignação do povo em relação ao racismo indiscutível dos envolvidos quanto os que acreditam que a violência tende a ser prejudicial para a causa. Os representantes desses dois pontos de vista em Code Geass são, respectivamente, Lelouch e Suzaku.

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Shirley, uma das colegas de Lelouch.

Não pense que estamos falando de meros personagens usados como conceitos ambulantes sem quaisquer outras camadas. Ambos possuem passados traumáticos e justificativas pessoais para se comportarem da maneira como observamos. Não se tratam de simples idealistas que escolheram entrar nessa disputa de poder por algum motivo grandioso subjetivo ou altruísmo. A questão para ambos é pessoal. E, obviamente, eles têm uma vida apropriadamente retratada fora do contexto político.

Pessoas são a alma de Code Geass. Além dos dois amigos/inimigos principais, conhecemos uma série de coadjuvantes excelentes que trazem as próprias nuances para o debate político e nos marcam com as próprias histórias. Apesar dos grandes objetivos que possui, Lelouch é apenas um adolescente. Ao mesmo tempo em que elabora planos para derrotar o Império Britânico, ele se diverte com os amigos, levando uma vida dupla que pode testar os limites da suspensão de descrença de muitos espectadores.

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Kallen, uma das personagens mais importantes de Code Geass.

Além disso, quem não gosta de boas lutas. Né? Apesar da trama complexa, grandes combates entre robôs gigantes são absolutamente épicos em Code Geass. Principalmente quando envolvem Kallen (cujo mecha, Guren Mk-II Kai, tem a melhor música tema do anime) e Suzaku.

Entre as guerras e diálogos carregados de reflexões, existem festivais, muito alívio cômico, um pouco de romance e, evidentemente, magia. Afinal, Lelouch não teria como começar uma rebelião — ou melhor, se apropriar de uma rebelião que já havia sido começada pelos japoneses — contra um inimigo tão poderoso sem contar com uma arma secreta. Ter um intelecto fora do normal ajuda, mas não representa poder de fogo o bastante.

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C.C. no primeiro episódio.

C.C. é tão importante para a história de Code Geass quanto Lelouch e Suzaku. Geralmente despreocupada, ela encontra em Lelouch uma oportunidade para realizar um antigo desejo. Após fechar um contrato com o protagonista do anime, C.C. se torna a principal aliada dele — e é graças a ela que Lelouch acaba sendo abençoado com o Geass, um poder especial que é ativado pelos olhos dos humanos que fazem contratos com seres imortais.

Lelouch, especificamente, recebeu o poder de mandar as pessoas fazerem qualquer coisa. Há um limite, entretanto: o Geass de Lelouch só funciona uma vez em cada indivíduo. Aí, cabe aquela pergunta básica: regras norteiam ou limitam? No caso desse personagem genial, é a primeira resposta, com certeza.

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Geass de Lelouch.

É aí que entra em jogo o principal debate a respeito dos meios de Lelouch para atingir um objetivo. Apesar de ser o protagonista da história, as expressões faciais do personagem, assim como algumas falas dele, são dignas de um vilão sem qualquer capacidade de sentir compaixão. Por mais nobre que sejam os fins do protagonista, na teoria, ele parece se divertir mais do que deveria quando joga com vidas humanas. 

Após criar um traje especial e passar a se chamar de "Zero", Lelouch decide ajudar os japoneses na luta por independência. Contudo, ele esconde dos demais que não é japonês, assim como omite os verdadeiros objetivos que possui. Apesar da dor que causa a todos os amigos e a si mesmo, Zero segue em frente sem dar qualquer sinal de que irá desistir ou abrir o jogo e pedir perdão. Mesmo quando pessoas ao redor dele morrem, Lelouch tende a se aproveitar da situação para dar o próximo passo na luta contra o Império Britânico.

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Lelouch como Zero em Code Geass.

Ele realmente acredita que os fins justificam os meios — e essa mentalidade leva a situações desesperadoras, na qual o nível de manipulação atinge patamares absurdos. Talvez a prova mais explícita da falta de empatia de Lelouch em relação às pessoas que não são a irmã dele ou Shirley seja o que acontece com Rolo. Obviamente, não faltam motivos para que ele e os espectadores sintam raiva de Rolo, mas o que Lelouch faz com ele é indefensável.

A revelação da verdade sobre Marianne também tende a causar um profundo impacto, já que se trata de uma reviravolta completamente inesperada e intencionalmente frustrante. No final das contas, questionamos constantemente até que ponto todos os personagens são realmente sãos. 

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Suzaku servindo o Império Britânico.

Isso quer dizer que a mensagem de Code Geass é, simplesmente, mostrar quão absurdo é lutar contra a opressão usando meios "sujos"? Não. Afinal, como bem sabemos, o desfecho de toda a luta por liberdade do povo japonês no anime é uma soma das visões de Lelouch e Suzaku.

Quando se trata de injustiça em um nível tão institucionalizado quanto no caso do Império Britânico do anime, que se pauta basicamente no racismo e em ambições completamente absurdas do imperador, diplomacia não basta. O equilíbrio entre apaziguar e atacar o inimigo acaba sendo o segredo do sucesso.

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Exército de Cornelia em Code Geass.

Alianças são formadas e tratados são violados. Boas intenções se convertem em puro sofrimento. Altruísmo vira egocentrismo. Esperança se torna desespero. Segregação leva ao genocídio. Dinâmicas de poder dão outro significado à diplomacia.

Mesmo com eventuais episódios que se aproximem do cotidiano comum de adolescentes, Code Geass é bastante melancólico. Todos os personagens, praticamente, são vítimas de um pequeno grupo que se julga no direito de explorar aqueles que não podem se defender. Obviamente, um dos dois lados tem muito mais culpa do que o outro, mas a indiferença dos atores políticos em relação ao povo comum é assustadoramente realista.

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Euphemia... Lelouch fez sem querer mesmo?

Os elementos sobrehumanos fazem parte da história apenas para que exista uma disparidade menor no poder de fogo dos revolucionários japoneses em comparação com o Império Britânico (e porque é legal também, óbvio). De qualquer forma, o mais importante, nitidamente, é aquilo que se dá no contexto humano palpável.

Se o enredo de Code Geass: Lelouch of the Rebellion parece relevante para o período em que vivemos mesmo 15 anos depois do primeiro episódio ter ido ao ar no Japão, não perca tempo: assista ao anime assim que puder. Aliás, se você já tinha assistido, considere assistir de novo. Essa é uma daquelas obras que enxergamos de maneira diferente sempre que revisitamos depois de um tempo.

Lelouch, Suzaku, Kallen, Shirley, Nunnally, C.C., V.V., Charles, Marianne, Euphemia, Cornelia, Gino, Li. Se você conheceu as histórias desses personagens, tenho certeza de que não se arrependeu.