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Mangás e Animes

Crítica

Belle critica a toxicidade das redes sociais com texto sobre amor e empatia

Filme de Mamoru Hosoda mescla conto de fadas e ficção futurista para escancarar problemas do presente

27.01.2022, às 14H00.
Atualizada em 27.01.2022, ÀS 16H30

Quando queremos passar uma mensagem complexa, a melhor saída pode ser criar uma analogia, e é isso que Mamoru Hosoda faz em Belle, sua adaptação futurista do clássico A Bela e a Fera. Diferentemente dos contos de fadas produzidos pela Disney, o filme do diretor de Digimon e Guerras de Verão propõe outra abordagem e uma nova moral para a história, entregando uma série de críticas contundentes à toxicidade das redes sociais. Guiado por uma trilha louvável, o filme investe em histórias de superação contadas através de mensagens de amor e empatia que o tornam uma experiência dramaticamente inspiradora.

Belle conta a história de Suzu, uma garotinha que ama música, mas passou a ter dificuldades para falar e se apresentar em público desde que perdeu a mãe em uma tragédia. Anos depois, no colegial, a jovem então recorre ao o U, uma rede social baseada em realidade virtual com mais de 5 bilhões de usuários. O aplicativo foi criado pelas “vozes” (que não têm a identidade revelada) e possui a funcionalidade de criar um avatar com a aparência baseada na personalidade da pessoa, um reflexo do que ele é por dentro no mundo real e que protege sua identidade. Dentro do U, escondida em sua aparência “fake”, Suzu se sente mais confortável para soltar sua belíssima voz e rapidamente seu avatar, Belle, se torna um fenômeno mundial. Porém, apesar de a rede social ajudá-la a se libertar do medo de cantar, a nova vida digital também vem com uma série de problemas ainda maiores que mudam a forma como ela se relaciona no mundo real.

Dentro dessa trama nada pretensiosa, Hosoda incluiu diversos julgamentos sobre as relações cultivadas nas redes sociais. Logo nos primeiros minutos, o filme nos mostra o carinho e dependência de Suzu pela sua mãe, seguido da morte dela e as reações na Internet. A personagem morre dando a vida pela de outra criança, ainda assim, os comentários falam apenas de como ela foi tola por se arriscar, como se tentassem determinar quando um sacrifício é heroico ou não. Esse ponto do filme não está lá à toa, ele é uma reflexo do que pode ser encontrado nas caixas de comentários dos sites de notícias ao redor do mundo.

Mais adiante na história, Belle finalmente encontra sua “fera” em U. A imagem que vemos é de um monstro sendo combatido por heróis da justiça, mas os diálogos que vêm depois levam a uma segunda conclusão. O personagem pintado como vilão estava, na verdade, se defendendo de um linchamento — tecnicamente virtual. Algo como uma cultura do cancelamento, na qual os tais justiceiros o atacavam em benefício próprio, visando fama e patrocínios. Nesse ponto Hosoda encaixa uma rápida reflexão sobre engajamentos problemáticos e como grandes empresas surfam nessa onda para expandir seu marketing digital. A trama ainda debate estereótipos relacionados à aparência, a necessidade de sempre mostrar uma vida feliz nas redes sociais e como o anonimato garantido por perfis falsos dão segurança para bullies.

As relações entre filme e vida real ficam ainda mais interessantes quando pensamos no contexto em que Belle é lançado. Após levar cerca de três anos para ser finalizado, o filme estreia em um momento em que a palavra "metaverso'' chega para o público em geral, no investimento que Mark Zuckerberg chama de “próximo passo na jornada de conexões sociais”. No filme, a propaganda de U — que claramente se encaixa como metaverso — promete algo parecido: “você não pode recomeçar no mundo real, mas pode recomeçar no U. Pode viver uma outra versão de si mesmo. Você pode mudar o mundo”.

Com tantas referências ao mundo digital, o charme de A Bela e a Fera também tem seus momentos de destaque. Na animação, Hosoda reforça a ferramenta de ler personalidades do aplicativo para resgatar a estética do filme da Disney. Os justiceiros de U representam Gastão e seus capangas, enquanto os utensílios animados são substituídos por inteligências artificiais, que protegem e escondem a fera em um castelo isolado, dando indícios sobre os verdadeiros sentimentos do personagem.

O filme conecta esses elementos e as metáforas com maestria, fazendo com que as várias ideias de Hosoda se unam em uma narrativa fluida. Belle mistura crítica, romance e poesia em um universo muito próximo da realidade contemporânea. Com as referências ao clássico noventista, o filme leva o espectador a um lugar-comum, ao mesmo tempo em que foge do clichê e dos finais de contos de fada. A história entende sua própria extensão e respeita esses limites, entregando uma obra necessária para os dias atuais.

Nota do Crítico
Excelente!