Uma dúvida que surge quando filmes baseados em animes e mangás são anunciados para a tela grande é se eles vão atrás de um entretenimento universal ou se agarrar à fidelidade de seu nicho. Nesse aspecto, Jujutsu Kaisen 0 é um bom exemplo de como traduzir a linguagem dos animes e mangás para todos os públicos.
Baseado no mangá homônimo de Gege Akutami, o filme surfa na estética do horror japonês de forma moderada e sem abandonar as características dos animes de ação. Com isso, consegue atingir um tom maduro para o público adulto sem afastar os mais novos das salas de cinema. Com uma trama de prelúdio, o longa não exige conhecimento prévio do espectador e ainda traz referências à série de sucesso.
Na história, conhecemos o drama de Yuta Okkotsu, um jovem perseguido pelo espírito de sua amiga de infância, Rika Orimoto. Ela morreu em um trágico acidente na frente de Yuta e seu espírito se tornou uma “assombração da guarda”, que elimina todos que tentam machucar o jovem. É uma das maldições mais poderosas do mundo jujutsu e por isso Yuta é mandado para a Escola de Jujutsu de Tóquio, onde faz amizades e também um perigoso adversário.
Uma das vantagens de contar uma história como a de Jujutsu Kaisen 0 é o conforto oferecido ao espectador fora da bolha do universo dos animes. O público, além de não precisar saber nada da história prévia para curtir o filme, ainda tem a chance de conhecer uma franquia que pode conquistá-lo. O mangá no qual o longa se baseia foi publicado em 2017, com o título de Escola Técnica Superior de Jujutsu de Tokyo, e posteriormente catalogado como volume 0, prelúdio, após Akutami desenvolver um novo protagonista e uma trama com mais fôlego que seguiria como sequência da primeira história. Ou seja, o filme estreia no Brasil como um chamariz para novos leitores, bem como para os fãs do anime e do mangá shonen.
O filme recorre ao horror em uma história cheia de momentos divertidos, assim como faz o mangá e a série animada — nisso Akutami é especialista. Monstros, demônios, a sensação de estar sendo observado ou até mesmo preso a mercê do desconhecido marcam presença durante todos os momentos do filme. Ainda assim, há um esforço para que o longa se mantenha dentro das expectativas de quem o assiste.
Para evidenciar suas referências ao folclore japonês, Jujutso Kaisen 0 traz consigo o conceito de youkai, uma classe especial de criaturas fantásticas do imaginário nipônico, que ajuda a história a justificar a relação dos eventos místicos do anime com a sociedade pós-moderna do país: vultos, assombrações e fantasmas são todos frutos das maldições do universo jujutsu. Assim como Lovecraft Country fez no Ocidente recentemente, o passeio de horror pelo folclore japonês inclui também no filme a figura popular da entidade Tamamo-no-Mae, uma divindade raposa capaz de encantar homens com sua presença.
Mesmo assim, o principal ponto do filme fica com a direção, que proporciona lutas épicas em uma animação fluida e bem feita. Por mais rápidas que sejam as cenas, é possível acompanhar cada movimento e vibrar com todos eles. Desde os primeiros minutos, o longa mostra que nasceu para ser visto na tela grande. O diretor Sunghoo Park, que também assina episódios dos animes Jujutsu Kaisen e Fullmetal Alchemist: Brotherhood, faz do filme um forte candidato a se tornar a obra-prima de sua carreira.
Repleto de acertos, Jujutsu Kaisen 0 é um dos grandes marcos da franquia de Gege Akutami. Contudo, o filme mostra que há espaço para crescer ainda mais e superar as expectativas estabelecidas para adaptações cinematográficas de animes e mangás. Misturando terror, com boas piadas e cenas de luta grandiosas, o longa é uma grande conquista para os fãs de anime, que cada vez mais veem suas obras nas fachadas dos cinemas.