Atormentados pelo infame Junji Ito Collection, os fãs do mangaká entram na defensiva quando o assunto é adaptar a obra de Ito para as telas. O medo do fracasso precedeu as expectativas em relação ao anime Junji Ito: Histórias Macabras do Japão, que em seus 20 contos, divididos em 12 episódios, evidencia a genialidade mórbida do autor, mas não entrega a mesma experiência e qualidade encontradas no mangá.
O anime tem histórias interessantes, mas com um ritmo desigual. Os sustos são previsíveis, enquanto a animação abaixo da média não traz a sensação sombria vista nas páginas preto e branco dos mangás. Unida a isso, a trilha sonora dá o tom errado para o anime, que ganha tons jocosos em momentos cruciais para o clímax de cada uma dessas 20 narrativas macabras.
Entre os contos adaptados pela Netflix, vemos alguns populares, como “Tomie” e “Balões Pendurados”, um dos favoritos de Ito, que na série passa a se chamar “Balões no Ar”. Além deles, há ainda aparições de Souichi, personagem que o mangaká criou com base em sua própria adolescência. Essas escolhas de título foram feitas pelo próprio autor, que sugeriu quais de seus vários contos renderiam boas adaptações. Mesmo assim, nem o envolvimento de Ito é suficiente para nivelar animação e impresso.
O primeiro episódio da série, “Os Estranhos Irmãos Hikizuri”, não cativa nem justifica sua escolha como título de abertura da coletânea. Apesar disso, a experiência com a obra melhora consideravelmente nos contos seguintes. Medo, loucura, angústia e ansiedade guiam os personagens da trama, que, com exceção de Souichi, podem ter várias semelhanças com o espectador. Essa similaridade das histórias com o mundo real amplifica a tensão do universo do mangaká.
A impressão que fica para o espectador-fã é que escolhas comerciais tiram a oportunidade de Histórias Macabras do Japão ser grandioso. Não é como se a série fosse de todo ruim, mas há uma plasticidade e uma necessidade de “furar a bolha” que colocam um abismo entre o resultado alcançado e o real potencial da obra. Quem dá play em um anime com o selo de Ito espera sair da frente da tela com, no mínimo, um grande desconforto. Entretanto, o que recebemos é um horror limpinho, para quem ainda dorme de luz acesa.
Porém, ao mesmo tempo em que essa preocupação da Netflix possa incomodar os fãs do mangaká, ela torna a produção mais digerível para quem nunca teve contato com a criatividade insana e macabra de Ito. As escolhas se tornam uma faca de dois gumes: podem agradar desavisados, mas mal tocam no potencial de extremos do horror desinibido do autor.
No fim, Junji Ito: Histórias Macabras do Japão é uma produção interessante, mas que não toca na essência do autor, traduzindo para tela uma obra que não representa a profundidade horripilante dos contos de Junji Ito. Ainda assim, serve como um bom chamariz para futuros leitores.