Cena de Rick and Morty: The Anime (Reprodução)

Mangás e Animes

Crítica

Rick and Morty: The Anime acerta ao não usar o formato como uma fantasia barata

Série não é Rick and Morty vestido de anime - é anime vestido de Rick and Morty

04.11.2024, às 16H36.

Apesar da fama de produção ousada e intelectualmente desafiadora, o que Rick and Morty fez de melhor em sua mais de uma década no ar foi simplesmente se estabelecer como uma força importante na seara da ficção científica. As premissas mirabolantes da série, calcadas no conceito do multiverso, tanto quanto o (saudável) hábito de deixar que esses conceitos e ideias se empilhem com o passar das temporadas, ao invés de serem esquecidos de episódio a episódio, construíram uma mitologia densa em torno da produção. Mas Rick and Morty nunca arrisca se tornar alienante, porque sempre busca explicar suas escolhas, baseá-las no instinto especulativo do sci-fi - afinal, para um “e se?” convencer como narrativa, é preciso que entendamos as regras que ele está dobrando.

É justamente aí que Rick and Morty: The Anime se divorcia da série que a gerou. Ao contrário de Dan Harmon e cia., o diretor e roteirista Takashi Sano não está muito interessado em fazer ficção científica na tradição ocidental - e, portanto, não se vê na obrigação de explicar nada para o público. Os dez episódios que formam a primeira temporada de The Anime atiram o espectador, sem paraquedas ou rede de segurança, em um mundo de fantasia fragmentado em múltiplas realidades e linhas do tempo, muito mais flexível quanto aos cruzamentos e entrelaços desses fragmentos, e ainda apresentado em uma ordem que mantém algo de mistério até os seus capítulos finais. 

Ao invés de densa e intelectualizada, portanto, a mitologia de The Anime é uma sopa de letrinhas rala, uma brincadeira com os chavões do alto sci-fi ultra-expositivo. Nos últimos capítulos, conforme vai se esclarecendo a história da misteriosa Elle, uma viajante do tempo que desenvolve um romance com Morty, a série descamba em diálogos explicativos atribuladíssimos, que ofuscam muito mais do que esclarecem - a sensação que fica é que, para The Anime, o sci fi todo é parte da piada. E isso pode ser difícil para os fãs da série original engolir, mas o fato é que a obra de Sano é muito mais íntegra seguindo as suas próprias obsessões do que seria tentando emular Rick and Morty com um estilo de animação diferente.

Estruturada desse jeito, a série tem espaço para brilhar em outros campos. Visualmente, a mistura dos movimentos melodramáticos do anime com as cores pastéis de Rick and Morty funciona muito melhor do que o esperado. Se nos trailers houve algum estranhamento com os traços meio rudimentares dos personagens, dentro do contexto dos episódios eles se integram brilhantemente aos cenários elaborados desenhados por Sano e sua equipe, ajudando a calibrar o tom de brincadeira que permeia a produção - e que, incidentalmente, também permite que o roteiro trabalhe emoções de forma muito mais primária, até folhetinesca, do que a série original. 

O resultado dessas escolhas é um conjunto de dez episódios que estabelece um ritmo bastante único, baseado muito mais em estímulo visual do que no apelo da narrativa. The Anime é radical justamente onde Rick and Morty nunca ousou ser, portanto: ao invés de se desdobrar em lógica interna, ela exige que o espectador entre em sua frequência para desfrutá-la como uma obra baseada em tom, construída no vocabulário das referências que a formam e indisposta a se afastar desse vocabulário. Ou você está por dentro da piada, ou está por fora - mas, de um jeito ou de outro, ninguém vai parar para te explicar a graça.

Nota do Crítico
Ótimo