A felicidade às vezes está nas coisas simples da vida, como no cheiro do mar, no sabor da nossa comida favorita ou em obras audiovisuais que nos passam a sensação de que tudo vai ficar bem. Assim é a primeira temporada do anime Scott Pilgrim - A Série. Baseada nos quadrinhos de Bryan Lee O'Malley, a animação da Netflix mistura fofura e diversão para abordar questões cotidianas de maneira mais sutil.
Assim como nos gibis e no live-action, no anime a história segue o jovem músico canadense Scott Pilgrim, que sonha todos os dias com uma garota que ele não conhece até que ele a encontra durante uma festa. Após investigar sua identidade, Scott descobre que a garota alternativa dos seus sonhos é Ramona Flowers. Ele então cria coragem para chamar a novaiorquina para sair, mas descobre que ela possui sete ex-namorados malvados, que criaram uma liga de vilões para derrotar qualquer novo interesse amoroso dela. Para viver o amor com a mulher dos sonhos, ele precisará encarar cada um dos ex dela.
Apostando na nostalgia dos fãs, o anime segue por dois caminhos: o resgate dos fãs do filme e a identidade visual dos quadrinhos. Na dublagem em inglês, temos o retorno dos atores que estrelaram o live-action de 2010. Além de Michael Cera retornando como a voz de Scott Pilgrim e Mary Elizabeth Winstead, como Ramona Flowers, a produção traz Chris Evans (Lucas Lee), Brie Larson (Envy Adams) e Aubrey Plaza (Julie Powers), que juntos ainda possuem potencial para engajar milhares de fãs que nem ao menos conhecem a obra. Paralelo a isso, temos um design de personagens muito próximo ao traço dos gibis de O'Malley, uma saudação aos fãs das HQs.
Tudo isso se mistura em um bom trabalho de direção de Abel Góngora, que acerta em cheio ao trazer ainda mais do universo dos games, estética fundamental da franquia, para o anime. As várias cenas em 16 bits, os sons clássicos de fliperamas dos anos 1990 e as formas como os poderes de cada personagem são trabalhados são parte fundamental do desenvolvimento do universo de Scott Pilgrim — e nisso a direção é certeira. Entretanto, em algumas cenas é possível sentir falta de fluidez na animação, bem como no movimento dos personagens. Mesmo que isso não diminua a experiência sensorial criada para o espectador, evidencia que mais algumas semanas de pós-produção poderiam resultar em algo ainda melhor nas mãos do diretor de arte Takayuki Kotani.
Com mais tempo de tela que o filme de 2010, o anime ganha espaço para explorar o material original de um jeito que o longa-metragem não conseguiu. Para além do romance, existe tempo para discutir importantes temas da vida adulta, como emprego, moradia, relacionamentos abusivos, entre outros. Vemos isso, por exemplo, na relação de Ramona com os ex-namorados e como ambos os lados lidam com a própria toxicidade. Com Scott, temos um protagonista adulto, sem perspectivas de futuro e que mora de favor na casa de um amigo. Tudo isso seria considerado fracasso na vida real, mas vemos Scott como o herói popular de sua própria história.
Jovial e cheio de energia, Scott Pilgrim é um anime revigorante e delicioso de se acompanhar. Com oito episódios curtos, a produção encontra o ritmo necessário para fazer cada minuto valer a pena. Unindo isso ao carisma das animações japonesas, a série ganha potencial para alcançar diferentes públicos. Com uma história contida, mas com ganchos para um segundo ano, a animação tem tudo para encontrar um futuro promissor no streaming.