Criador e diretor da franquia Evangelion, Hideaki Anno falou sobre seu processo criativo e disse que nada do que ele fazia “chegava aos pés” de sua franquia. Um dos mechas mais tradicionais do mundo, Evangelion acompanha as crianças escolhidas para pilotar implacáveis máquinas na batalha contra os Anjos, monstros gigantes que querem acabar com o que restou da humanidade.
A produção foi premiada na década de 1990, conquistando o Anime Grand Prix. Aos 61 anos, casado com a autora de mangás Moyoco Anno (Sugar Sugar Rune), Anno atrai uma legião de fãs por sua extensa obra e filmografia, que teve início em 1982. Entre os principais trabalhos dele estão Gunbuster, Neon Genesis Evangelion, The End of Evangelion, Cutie Honey e muitos outros.
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Os fãs do universo encararam sua última viagem com o filme Evangelion 3.0+1.01: A Esperança, lançado no Prime Video este ano. Com o lançamento do último filme, o criador pôde, em uma entrevista na qual o Omelete estava presente, responder a perguntas e compartilhar um pouco da sua própria perspectiva da obra e do trabalho realizado. Confira abaixo as respostas do diretor:
O que o levou a trabalhar novamente em Evangelion?
Hideaki Anno: O que me levou a refazer Evangelion foi o fato de ser a única coisa que eu conseguia fazer na época. Até tentei criar outras coisas, mas nada do que fiz ou planejei chegava aos pés de Evangelion. No final das contas, cheguei à conclusão de que criar Evangelion era mais divertido. Só gosto de fazer o que é mais interessante no momento. Por isso, optei por fazer Evangelion novamente. E, ao decidir fazer de novo, eu não queria que tivesse o mesmo final, de modo algum. O tempo passou, o mundo tinha mudado, eu mesmo tinha mudado um pouco, e não achei que faria sentido ter o mesmo final. Achei que poderia ter um final mais interessante e busquei isso por um bom tempo, o que me levou a esse final. Dessa forma, fiz tudo o que estava ao meu alcance e estou satisfeito.
Evangelion sempre foi amado por uma audiência global. O que você acha da contribuição das mídias digitais e plataformas de streaming na popularização do anime mundialmente?
HA: As animações são uma criação, um mundo de pura ficção. Acho que é a forma mais adequada de substituir a imagem em vídeo, o melhor método, na minha opinião. E, para substituir essa imagem, mesmo com as palavras, ainda que exista a barreira do idioma, a animação consegue superar esse obstáculo. Em comparação com outras mídias, apresenta poucos problemas. Por isso, acho que a animação é o formato mais apreciado no mundo todo. Nesse sentido, acho que deveriam ser criadas mais animações no mundo todo. Em termos de faixa etária, acho que não só os desenhos animados, mas as animações para o público adulto, que sejam divertidas para os adultos, devem aumentar cada vez mais ao redor do mundo, ficando mais elaboradas.
Qual a maior diferença do Shinji da série original pro Shinji do Rebuild? E qual a mensagem que você queria passar com essa mudança?
HA: Na versão anterior, à época da série de TV e do filme, o Ikari Shinji só conseguia falar de si mesmo, e tentava salvar a si mesmo, a todo custo. Desta vez, ele virou um adulto, evoluiu, e consegue salvar as pessoas ao seu redor também. Ele conseguiu crescer a esse ponto. Acho que essa é a grande diferença. Antes, era apenas uma criança.
Por que você acha que Evangelion é tão importante para tantas pessoas? Você esperava esse sucesso todo fora do Japão?
HA: Uma obra, depois de concluída, é de propriedade do cliente. Só que... Não seria essa a expressão… Quem cria está sempre pensando no que poderia ser interessante, no que seria divertido. Eu e a equipe temos o papel de buscar o que é interessante. Procurei tudo o que fosse instigante e, pensando em como deixar ainda mais interessante, continuei criando, o que resultou em Evangelion. Coloquei tudo o que achei interessante em Evangelion.
Quando todo esse conteúdo chegou no espectador, ele pôde ser compreendido por diversas pessoas. Não esperava que isso fosse acontecer, que fizesse tanto sucesso no mundo todo. Basicamente, minhas obras são em japonês, baseadas na cultura japonesa. Apenas pensei que, se agradasse às pessoas além dessa fronteira, ficaria muito grato. Não tinha pensado sobre isso. Mesmo assim, pessoas do mundo todo puderam aproveitar. Foi imprevisível, e fiquei contente. Sou muito grato.
Você acha que Evangelion é mau compreendido? Você acha que pessoas que sofrem de ansiedade são capazes de compreender o tema da obra?
HA: Os equívocos e mal-entendidos foram previstos na hora da criação. Na ocasião, fiz todo o possível para que isso fosse minimizado, mas cada pessoa interpreta do seu jeito, e as inconsistências acabam aparecendo. Essa diferença entre o que tento transmitir e o que é compreendido é inevitável. Tentei fazer com que essa diferença fosse mínima mas, como depende de cada pessoa, fica muito difícil.
Quem vive em um ambiente semelhante ao do protagonista consegue interpretar o que tentei transmitir de uma forma melhor, acho. Mas não tive a intenção de criar apenas para essas pessoas. Criei tentando incluir o sentimento de pessoas que veem gente assim. Criei essa obra com o intuito de transmitir várias coisas para diversas pessoas.
Desde Evangelion, você fez alguns filmes em live-action e usou técnicas desses filmes no Rebuild. Como essa experiência te afetou e como isso afetou o produto final?
HA: Há um limite para o que conseguimos expressar por meio da animação. Ao tentarmos expressar algo impossível na animação, é preciso partir para técnicas como live-action, entre outras. Não há alternativa. Em relação a isso, desde o começo, criei esse tipo de estrutura. Naquela ocasião, a tecnologia de animação finalmente havia chegado ao ponto de comportar esse tipo de estrutura. O novo Evangelion foi feito assim. Mas, na realidade, isso vem sendo feito há muito tempo, há mais de 30 anos.
Como você se sente com a conclusão desse filme? Como trabalhar nessa obra influenciou você?
HA: A história de Evangelion já foi concluída dentro de mim. Fazer a continuação, criar uma continuação, não está nos meus planos. Concluir essa obra realmente me libertou. Em japonês, dizemos “Anmei”, ou seja, "me sinto em paz".
Esse filme trabalha muito mais o Gendo e a relação de pai e filho que ele tem com o Shinji, coisa que não tínhamos visto antes. Qual a sua intenção inserindo isso nesse filme?
HA: Anteriormente, na série de TV e no filme, não pudemos explorar muito acerca do pai. Não conseguimos descrevê-lo. Desta vez, quando tentei recriar Evangelion, desde o começo, tinha decidido que exploraria a relação de pai e filho. Portanto, desta vez me esforcei pela missão de descrever melhor o pai.
Você acredita que ter um orçamento maior colaborou para transmitir suas idéias mais fielmente em comparação com como trabalhou a obra anteriormente?
HA: É preciso injetar muito dinheiro na produção, e, nesse sentido, foi possível fazer diversas coisas graças ao valor investido. A pré-visualização, criada com computação gráfica, em que montamos as imagens e depois as transformamos em uma animação desenhada à mão, não é nada comum. Desta vez, graças ao prestígio de Evangelion, fiz o que não pude fazer antes. Conseguir fazer tudo isso me deixou muito feliz. Certamente, graças a todas as pessoas que nos apoiaram, foi possível ter um pouco mais de verba. Acho também que pensaram ter sido feito de forma bem tecnológica. E você ficou bem no cosplay de Ayanami.
Existem chances de você investir em um projeto de anime tão ambicioso quanto Evangelion de novo? Você acha que é possível criar uma obra tão marcante e revolucionária na indústria atual?
HA: Quase tudo o que se pode fazer nas animações atualmente foi feito neste Evangelion. Por um bom tempo, por alguns anos, pretendo criar minhas obras em live-action. Com relação às grandes produções, pretendo fazê-las quando conseguir pensar em um projeto adequado. No caso de uma grande produção, é difícil conseguir concretizá-la. No Japão, não é muito fácil conseguir a verba. É complicado. Mesmo que eu quisesse... bom, se surgir a oportunidade, gostaria de fazer. Enquanto sou jovem. Quer dizer, enquanto estiver na casa dos sessenta.
O quarto e último filme do Rebuild demorou 10 anos para ser finalizado, por que levou tanto tempo? Você trabalhou em outros projetos, claro, mas pode dizer que se sentiu desconectado da obra de alguma forma?
HA: Na vez anterior, até a criação de Evangelion Q, que veio antes, dei um jeito de aguentar. Mas, ao concluir Evangelion Q, eu tinha me dedicado demais, em excesso. Não poderia continuar com Evangelion, não teria mais condições psicológicas ou físicas de seguir em frente. Então, em japonês, há uma expressão moderna, "Kokoroga oreru", que quer dizer "com a alma despedaçada", e eu me sentia assim. Para me restabelecer, trabalhei em outro projeto, e isso me fez muito bem. Consegui ganhar forças para retornar a Evangelion graças a esse outro ambiente. Se não fosse por esse intervalo, acho que "Evangelion" ainda não estaria pronto.
Considerando a popularidade da franquia e toda dedicação investida nela, você considera trabalhar com Evangelion novamente?
HA: Fazer a nova versão foi bastante divertido, mas foi estressante, pois tinha que ser diferente das anteriores. Além disso, cada espectador, quando se trata de Evangelion, tem sua própria visão da obra, e tentar não destruir essas visões e manter a obra interessante ao mesmo tempo foi um trabalho exaustivo. Foi assim.
Com relação a fazer "Evangelion" mais uma vez, não tenho essa pretensão no momento. Não atualmente. Mas não posso dizer que não há nenhuma chance. Mas quanto a essa lacuna de 14 anos na narrativa, se um dia eu tiver a chance de falar sobre ela, gostaria de fazer isso, sim. No entanto, acredito que não haverá uma continuação desse filme.
Todos os filmes da franquia de Evangelion estão disponíveis no catálogo do Prime Video, enquanto o anime de uma temporada pode ser assistido na Netflix.
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