Muitos acreditam que um artista precisa ter talento e carisma para vencer na carreira, mas será que o mais importante não é fingir de forma convincente o suficiente para o público? Embora não esteja sendo lançado oficialmente no Brasil, o anime Oshi no Ko tem sido um dos mais assistidos da temporada, com um mistério intrigante e uma sinopse absurda, embora com o pé fincado na realidade. Longe de retratar o mercado do entretenimento como algo agradável e justo, este anime quer mostrar que a vida artística é rasteira atrás de rasteira.
Uma breve sinopse (com spoilers)
Como brasileiro criado à base de muita novela, minha relação com spoilers é bem tranquila. Capas de revistas entregavam reviravoltas de roteiro, isso quando não entregavam quem era o assassino misterioso do personagem beltrano. Essa cultura também se refletiu nas publicações de cultura pop, vide as várias revistas colocando em suas manchetes informações futuras de Dragon Ball Z ou Naruto. Mas mesmo se você lidar bem com spoilers, há alguns tipos de histórias que ficam melhores quando o público não faz a menor ideia do que verá. Um exemplo é The Promised Neverland. Muitos fãs defendem que as pessoas cheguem nesta série sem conhecer nem mesmo a sinopse. O motivo é que parte da força da série é a surpresa causada ao final do primeiro episódio.
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De certa forma, Oshi no Ko funciona assim. O primeiro volume do mangá é o equivalente a uma introdução do que veremos na história, tanto que a equipe de produção do anime tomou a ousada decisão de desenvolver um episódio inicial de quase uma hora e meia porque eles acreditam que a força de Oshi no Ko é a reviravolta proposta no final dessa parte. Dessa forma, se quiser experimentar Oshi no Ko de surpresa e sem saber do que se trata, esse é o momento de parar de ler essa matéria. Ou então pule direto para os dois últimos parágrafos que trazem explicações de como acompanhar.
A partir de aqui, teremos spoilers bem leves, basicamente sobre o primeiro episódio de Oshi no Ko. Esteja avisado.
Ai Hoshino é uma das estrelas em ascensão do mercado do show business japonês. Talentosa, carismática e bastante acessível, essa cantora do grupo de idols B Komachi tem tudo para se tornar a maior de todas... quer dizer, desde que consiga esconder algumas verdades. Os fãs acreditam que ela está em um período de "férias", mas nem imaginam que na verdade Ai está grávida de um homem misterioso e pretende realizar seu parto de gêmeos sem ninguém saber.
O ginecologista Goro Amemiya é escolhido pela equipe para cuidar da gestação da artista, e tudo parecia tranquilo até o dia do parto. Na área externa da clínica Goro é assassinado por um fã stalker de Ai, alguém que descobriu o segredo da gravidez, e a partir daí algo fantástico acontece: o ginecologista abre os olhos e percebe que reencarnou como um dos filhos gêmeos de Ai Hoshino, com todas as suas memórias da vida anterior. Com uma cabeça de adulto no corpo de uma criança, Goro agora atende pelo nome de Aquamarine Hoshino e com seu olhar mais crítico percebe o quanto o mundo artístico é podre e perigoso. Aqua também suspeita que sua irmã Ruby Hoshino tem as memórias de sua vida passada, mas sem imaginar que ela é uma antiga paciente fã da artista. Aquamarine e Ruby passam a dar uma ajudinha na carreira da mãe, acompanham as apresentações e gravações pesadas da carreira da idol, até que mais uma tragédia acontece.
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Aquele mesmo fã que matou Goro encontra Ai Hoshino e a assassina. Ali no leito de morte de sua mãe, Aquamarine percebe que a única forma daquele fã ter descoberto o local onde estava Ai Hoshino é se alguém tivesse vazado a informação, e a criança com cabeça de adulto tem fortes suspeitas de a pessoa responsável por trás desse crime é seu pai. Mas quem será essa figura que se envolveu com Ai Hoshino? Só se sabe que é uma pessoa influente no meio artístico. Com isso, Aqua toma uma decisão: ele vai dedicar sua vida a encontrar esse homem e fazê-lo sofrer tudo o que ele causou para sua mãe.
Do mesmo criador de… Kaguya-Sama!?
É comum autores terem algum padrão em sua obra. Encontramos diversos elementos em comum nos mangás de Akira Toriyama, isso sem falar que Hunter x Hunter é quase uma versão mais refinada do que Yoshihiro Togashi criou no segundo arco de Yu Yu Hakusho. No caso de Oshi no Ko, surpreende quando descobrimos que a obra é escrita por Aka Akasaka, a mente por trás de Kaguya-sama: Love is War. Como se não bastassem serem duas obras com teor e gênero bastante diferentes, Oshi no Ko começou sua publicação na revista Young Jump enquanto o autor lançava a reta final de Kaguya-sama na mesma antologia.
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Mas Aka é responsável por todo o trabalho em Oshi no Ko, porque dessa vez os desenhos ficaram nas mãos de Mengo Yokoyari (de Scum’s Wish). O encontro do roteiro crítico de Akasaka casou perfeitamente com o traço de Mengo, capaz de reforçar o drama da história original ao mesmo tempo que cria personagens super expressivos, com olhos muito detalhados. Eles trazem até elementos quase fantásticos: enquanto Ai Hoshino tem um brilho localizado em cada um de seus globos oculares, seus filhos gêmeos herdaram somente um brilho cada, localizado em um dos olhos de cada irmão.
Mas o destaque mesmo de Oshi no Ko é a forma pouco romantizada na qual trata o mercado do entretenimento. Embora tenhamos mais contato com informações sobre o mercado musical sul-coreano, a indústria japonesa apresenta muitas semelhanças, sobretudo na forma pouco saudável que se dá a relação entre a idol e seu público alvo. Ai Hoshino não está exagerando quando conta que a artista precisa mentir para seu público, pois para se atingir o sucesso é necessário vender uma imagem que não é verdadeira. É comum que idols sejam exploradas por agências, enfrentem competições desleais dentro de uma mesma equipe e que tenham uma carreira exaustiva e mal remunerada. Tudo isso para um trabalho que descartará a idol quando ela não atender aos padrões de beleza e juventude esperados.
Aquamarine e Ruby têm visões muito distintas do mundo, até levando em conta a idade de cada um quando morreu na vida passada. Ruby é inconsequente como esperado de uma jovem, quer aproveitar essa nova chance para ser uma idol como sua amada Ai Hoshino, mesmo sabendo que essa profissão foi responsável pela morte de sua mãe. Já Aquamarine é mais introspectivo e calculista, além de ter desenvolvido uma vontade forte de proteger sua irmã. Por seu aspecto mais maduro, o personagem é a ponte que nos liga com o resto do elenco adulto, como a gerente da empresa de talentos e o diretor de cinema que mora com a mãe.
A série de Aka Akasaka se diferencia não só pela sua leitura cínica do mundo das idols, mas também por ser uma das poucas obras lançadas no ocidente sem qualquer tipo de nome adaptado. Em japonês o título traz uma leitura ambígua, que não revela exatamente qual é a premissa da série. Uma das leituras possíveis seria algo do tipo "apoiando sua idol favorita", mas o mesmo nome também pode ser lido como "os filhos da idol favorita". Inclusive a palavra "oshi" é um termo usado para definir algo que a pessoa é muito fã, como uma artista de um grupo musical e por aí vai.
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A versão animada de Oshi no Ko, responsável por popularizar a obra no ocidente e se tornar uma das mais vistas em streaming, foi anunciada em junho de 2022, com produção do estúdio Doga Kobo (de Shikimori's Not Just a Cutie). A série está longe de ter belas e detalhadas cenas (as famosas "sakugas"), na verdade alguns episódios têm movimentos bem durinhos, mas isso é irrelevante porque o foco está na atuação dos atores e na composição de cena. E nisso o diretor Daisuke Hiramaki (de WATATEN) acertou demais, pois a forma como o episódio se desenrola é quase magnético, mantendo o espectador preso naquela história até ser surpreendido com o começo dos créditos finais.
Com tudo isso que foi dito na matéria, Oshi no Ko parece ser uma recomendação óbvia para o público, correto? E é aí que chegamos ao principal problema desse anime, que é sua falta de disponibilidade no Brasil.
Onde assistir Oshi no Ko?
Como dito no começo da matéria, infelizmente Oshi no Ko não está disponível oficialmente no Brasil. A licença mundial foi adquirida pelo serviço de streaming Hidive, porém há alguns meses ele deixou de operar no nosso país e se tornou impossível ver a animação por meios oficiais. Entrei em contato com a assessoria de imprensa do Hidive para perguntar se havia algum plano do streaming voltar ao Brasil ou mesmo se eles pensam em licenciar Oshi no Ko para alguma plataforma que atenda ao nosso território, mas não obtive resposta até a publicação desta matéria. Caso o serviço de streaming se posicione, atualizaremos o texto.
Se ficou curioso para ler a história em seu formato original, a versão em quadrinhos, isso também vai exigir um esforço. Até o momento nenhuma editora brasileira anunciou o lançamento do mangá por aqui no nosso idioma, mas ele pode ser lido através do aplicativo oficial MangaPlus da editora Shueisha. Lá os 117 capítulos do mangá estão disponíveis (infelizmente, apenas em inglês). De qualquer forma, Oshi no Ko é uma série cujo nome é bom guardar na cabeça. Com uma trama de mistério e com um tom bastante crítico, a vingança dos gêmeos reencarnados ainda será algo que vamos ouvir por um bom tempo no meio otaku.