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Balanço: novos personagens da Fase 4 não escondem “autossaturação” do MCU

Mais dominante do que nunca nos cinemas e na TV, franquia do Marvel Studios tem tropeçado em sua própria onipresença

12.01.2023, às 17H28.
Atualizada em 12.01.2023, ÀS 18H29

Seja você fã do MCU ou não, é inegável que a recém-encerrada Fase 4 da franquia foi a mais divisiva lançada pelo Marvel Studios até agora. Óbvio que, financeiramente falando, os dois anos de restrições da pandemia limitaram a arrecadação do selo nas bilheterias, mas isso não muda o fato de produções como Viúva Negra e Eternos terem sido recebidas de forma morníssima por críticos e público.

Após iniciar sua expansão televisiva com WandaVision, o universo cinematográfico sofreu com algumas produções desequilibradas, que trouxeram poucas novidades para seu público fiel e também não se mostrou exatamente convidativa para novos espectadores. Ao longo de pouco menos de dois anos, em que vimos o lançamento de pérolas como Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis e aventuras fofas como Guardiões da Galáxia: Especial de Festas, o estúdio comandado por Kevin Feige bombardeou o público com uma enxurrada de títulos, que parecem ter testado pela primeira vez os inúmeros fãs que afirmam que assistiriam qualquer coisa lançada pela Casa das Ideias.

Ainda assim, a nova fase trouxe muita coisa boa para a franquia, incluindo uma nova geração de heróis e vilões carismáticos e conceitos que dão gás para que o MCU se reinvente sempre que necessário. Abaixo, você confere um balanço do que deu ou não certo na Fase 4:

Deu certo: introdução de novos personagens

Uma coisa que o Marvel Studios faz muito bem é escolher os intérpretes de seus heróis e vilões e a Fase 4 apenas reforçou o bom olho do estúdio para escalações. Mesmo com suas produções variando (e muito!) em qualidade, os novos nomes do MCU se encaixaram perfeitamente em seus papéis. Florence Pugh, David Harbour, Wyatt Russell, Jonathan Majors, Hailee Steinfeld, Oscar Isaac, Simu Liu, Tatiana Maslany e mais deixaram uma marca inegável na franquia, cujo futuro parece extremamente promissor, pelo menos no que depender de seu elenco.

Algumas dessas escalações, inclusive, foram tão boas que até os mais críticos ao MCU precisaram tirar o chapéu para as boas atuações apresentadas pelos novatos. É o caso de Maslany, Iman Vellani e Kathryn Hahn, que incorporaram respectivamente Jennifer Walters, Kamala Khan e Agatha Harkness à perfeição ao mesmo tempo em que deram sua própria identidade para as personagens, merecendo cada elogio que receberam nestes últimos meses.

Apesar de ter encerrado os arcos de Steve Rogers (Chris Evans), Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Natasha Romanoff (Scarlett Johansson), três de seus personagens mais populares, o MCU mostra que ainda tem muitas histórias interessantes para contar e atores extremamente capazes de sustentá-las.

Não deu certo: o ritmo de lançamentos

Marvel Studios/Disney+/Divulgação

Falar sobre a saturação do gênero de super-heróis nos cinemas e na TV já ficou tão velho quanto andar para frente. Goste você ou não do debate, ele volta à tona sempre que alguma grande produção estrelada por semideuses de capa e collant faz menos de US$1 bilhão nas bilheterias - e ela nunca esteve mais presente do que durante a Fase 4. Isso porque mesmo títulos extremamente rentáveis racharam o fandom no meio, seja pelas expectativas inalcançáveis criadas pelo público, como foi com Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, ou por seu foco em aventuras mais cômicas e autocontidas, como Mulher-Hulk: Defensora de Heróis e Gavião Arqueiro.

Indiscutivelmente, a culpa por essa pauta voltar com tanta força é da Disney e sua pressa em soltar o maior número de produções possíveis, mesmo quando elas ainda parecem mal acabadas. Diferente das três fases anteriores, que se desenvolveram ao longo de três ou quatro anos cada, a Fase 4 passou em menos de dois anos. Nesse período, o estúdio lançou sete filmes, oito séries e dois especiais (17 produções em 22 meses). Para nível de comparação, a Fase 1 teve apenas seis longas, lançados entre 2008 e 2012, enquanto a Fase 3 trouxe 11 títulos distribuídos de entre 2015 e 2019.

Esse ritmo frenético de lançamentos trouxe uma autossaturação do MCU como franquia. A velocidade com que somos bombardeados por novas produções faz com que muitas se tornem indiferenciáveis em nossa memória e até grandes eventos como a reunião de Tom Holland, Tobey Maguire e Andrew Garfield em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa acabam rapidamente esquecidos para dar lugar às tramas seguintes da Saga do Multiverso.

Vale lembrar que, diferentemente de 2008, quando basicamente apenas Marvel e DC levavam adaptações de gibis de herói para o grande público, hoje há um investimento gigantesco no gênero, com diferentes estúdios e emissoras lançando produções dos mais variados estilos e personagens. Com as chegadas de Kick-Ass, The Boys, Invencível, The Tick, The Umbrella Academy e afins, o público descobriu novas formas de consumir histórias de super-heróis. Enquanto a Warner entendeu esse mercado e passou a criar títulos com vários tons e temáticas, como Batman, Titãs, O Pacificador, Legends of Tomorrow, Stargirl, Arrow e Patrulha do Destino, expandindo seu público, a Disney tem jogado praticamente só no seguro, criando uma franquia incomodamente homogênea. Claro que há exceções, como Pantera Negra: Wakanda Para Sempre e Lobisomem na Noite, mas, de forma geral, criou-se uma visão de que quem vê um filme do Marvel Studios já praticamente viu todos, muito porque o estúdio não dá tempo para que o público internalize cada produção e reflita sobre o que cada uma tem de único e especial.

Não deu certo: a piora na qualidade do CGI

Marvel Studios/Divulgação

Essa ânsia pelo domínio das discussões da cultura pop citada acima também sobrecarregou as equipes de pós-produção do Marvel Studios, que se viram obrigadas a entregar produtos mal acabados tanto para séries quanto para filmes. Por mais que esse problema não seja recente (o primeiro Pantera Negra, da Fase 3, que o diga), ele foi agravado pelo ritmo industrial de lançamentos do estúdio. A qualidade dos efeitos visuais dos títulos mais recentes caiu tanto que até os fãs mais “clubistas” da Casa das Ideias admitem que tiveram suas experiências afetadas por CGI ruim.

Fora essa quebra na suspensão da descrença, os efeitos visuais pífios também refletiram em algumas das sequências de ação mais indistinguíveis do gênero. Para esconder as limitações da computação gráfica apressada, as produções da Fase 4 tiveram muitas de suas cenas escurecidas ou borradas, atrapalhando a compreensão do público e, como consequência, sua diversão. Esse problema teve seu auge em Sem Volta Para Casa, cuja batalha final entre os três Aranhas e os vilões do multiverso ficou parecendo apenas um amontoado de vultos e borrões ao invés do espetáculo épico prometido por todo o longa.

Deu certo: a chegada do multiverso

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Por mais que Doutor Estranho no Multiverso da Loucura tenha decepcionado muitos fãs e produtores de conteúdo que acreditaram em falsos vazamentos do Reddit, a verdade é que o conceito de Multiverso foi muito bem introduzido no MCU. Entre o filme de Sam Raimi e Sem Volta Para Casa, o Marvel Studios mostrou que está ciente das infinitas possibilidades que vêm com a criação de realidades alternativas, criando um hype relativamente alto para a chegada de Vingadores: Guerras Secretas em 2026.

Não bastasse, o Multiverso dá ao Marvel Studios incontáveis maneiras de substituir suas peças quando necessário, abrindo caminho para que o MCU apresente novas versões de velhos personagens. Assim, o estúdio não depende mais de astros como Evans ou Downey Jr., podendo usar “variantes” de Steve Rogers ou Tony Stark caso deseje que os vingadores clássicos voltem à franquia.

Não deu certo: a falta de ousadia de Loki, What If…? e Cavaleiro da Lua

Embora tenha sido bem sucedido na introdução do Multiverso nos cinemas, o selo não teve a mesma competência na TV. Duas das produções que deveriam ser responsáveis pela expansão do conceito dentro do MCU, Loki e What If…? podem até ter encontrado seu público, mas pecaram feio ao jogar demais no seguro. Enquanto a série criada por Michael Waldron saiu parecendo uma versão simplista de Doctor Who, a animação se limitou a criar histórias alternativas progressivamente menos empolgantes (e feias) de tramas já conhecidas do grande público.

Talvez por excesso de zelo do estúdio ou por medo dos roteiristas de alienar espectadores em potencial, as duas séries entregaram resultados bem abaixo do esperado e, embora sejam as únicas produções televisivas do MCU com novas temporadas confirmadas, nenhuma delas realmente tem seu retorno hypado pelo fandom. Se fossem mais ousadas e realmente trouxessem ideias novas para a franquia, talvez o cenário fosse outro.

Mas quem mais pecou por sua falta de ousadia foi Cavaleiro da Lua. Personagem de quinto escalão da Marvel, o justiceiro de múltiplas personalidades poderia ser a cobaia perfeita para que o Marvel Studios testasse uma história mais viajada e não-linear. No fim, a série apenas flertou com essa loucura em potencial e acabou se tornando mais uma história de origem burocrática e óbvia.

Deu certo: novos gêneros

Precisamos reconhecer que o MCU nunca se reduziu à ação e aventura. De 2008 para cá tivemos óperas espaciais, ficções científicas, fantasia, suspense de espionagem e filmes de assalto. A Fase 4 continuou essa expansão de gêneros cinematográficos com thriller psicológico (Cavaleiro da Lua), conto de amadurecimento (Ms. Marvel) e comédia de tribunal (Mulher-Hulk: Defensora de Heróis). O Marvel Studios até colocou seu primeiro pézinho no terror com Doutor Estranho no Multiverso da Loucura e Lobisomem na Noite.

A exploração de novos gêneros indica um futuro mais variado e gostoso de acompanhar para o MCU, que agora tem em seus especiais para o Disney+ a arma perfeita para testar a resposta do público a estilos diferentes antes de levá-los para suas produções maiores - algo feito em Lobisomem na Noite, por exemplo.

Já tendo perdido nomes como Edgar Wright, Scott Derrickson e Patty Jenkins por causa de seu esmagador controle criativo no passado, o Marvel Studios sinaliza, com esse leque mais abrangente, um momento de maior liberdade criativa. Com isso, cineastas de diferentes visões e estilos devem se sentir mais seguros em assinar com o estúdio, algo que, a longo prazo, pode tornar o MCU tão colorido e diverso quanto os gibis que o inspiram.