Fundada em 1939, a Marvel Comics é uma das principais editoras de quadrinhos da indústria. De seus personagens mais antigos, como Namor ou Tocha Humana, aos “caçulas” Miles Morales e Kamala Khan, a Casa das Ideias deslumbra leitores há gerações e acumula fãs no mundo todo. Não à toa, a editora se tornou objeto da série documental Marvel 616, que explora diferentes momentos e aspectos do selo e de sua gigantesca biblioteca de personagens. Produzida pela Supper Club (Chef’s Table), a antologia da Disney+ traz diferentes cineastas com experiências distintas com quadrinhos para explorar, com seus olhares individuais, o processo criativo que levou a Marvel a se tornar uma das marcas mais importantes da cultura pop.
Semelhante à vasta biblioteca da Casa das Ideias, os episódios de Marvel 616 – título que faz referência à continuidade principal da editora – têm diferentes tons, temas e narradores. Segundo Sarah Amos, produtora-executiva da série, trazer diferentes vozes é uma maneira de honrar o legado da marca. “80 anos é muita história e isso aponta para onde vamos no futuro. Então queríamos ter certeza de que haveria muitas surpresas ao longo do caminho”.
Do mesmo jeito que leitores se conectam de maneiras diferentes a títulos diferentes, o documentário busca novos ângulos para explorar a história da Marvel. Seja se aprofundando em histórias mais conhecidas ou reintroduzindo personagens mais obscuros, a variedade de temas, narrativas e visões corresponde à pluralidade encontrada nas páginas da editora. “Todos os nossos personagens têm seu tom e ‘vibe’ próprios”, explica Amos. “Quando decidimos contar nossa própria história, queríamos honrar essa tradição. A natureza antológica da série faz sentido, porque queríamos respeitar cada história, cada narrador e deixar cada jornada ter seu próprio momento”.
“Nós nos desafiamos internamente antes de procurar [os diretores envolvidos] para fazer a série a olhar para objeto de estudo e dizer ‘qual a versão esperada do programa?’”, comentou Jason Sterman, da Supper Club.“Se alguém fosse escrever ‘Marvel 616 é isso’, como garantimos que seja diferente?”. Para o produtor, essa ideia permite que cada episódio se torne um momento especial de descoberta para o público. “As pessoas têm uma ideia do que é a Marvel Comics ou do que esperar da série e elas ficarão muito surpresas quando assistirem”.
Porta de entrada para um novo público
Para quem a conhece de séries como Community ou Love, ver o nome de Gillian Jacobs nos créditos de Marvel 616 causa curiosidade. Diretora do episódio “Higher, Further, Faster”, a atriz admite que, antes de entrar para o projeto, nunca tinha nem ao menos terminado de ler uma HQ. “Foi muito bom descobrir não só os nomes importantes da Marvel, como Marie Severin [ilustradora de títulos como Thor e Capitão América], mas também de uma gama de outras mulheres que trabalharam lá ao longo das décadas”, afirmou Jacobs, que entrevistou nomes como Sana Amanat, vice-presidente da Marvel Entertainment, e G Willow Wilson, criadora de Kamala Khan/Ms. Marvel.
“Eu pude me apaixonar pela Marvel, pelos seus personagens, os livros que eles publicaram e foi muito divertido”, continuou a diretora, que disse que sua pesquisa para o projeto a levou aos anos 1920 para compreender o momento atual da indústria dos quadrinhos. Jacobs ainda falou da felicidade de conhecer o trabalho importante de mulheres como Louise Simonson (Superman: O Homem de Aço) e Ann Nocenti (Demolidor) e, depois, entrevistá-las para o documentário.
“A Marvel pode ser para todo mundo”, afirmou Amos, que apontou o processo de aprendizado sobre a biblioteca da Casa das Ideias de Jacobs como um dos grandes atrativos de “Higher, Further, Faster”. “Queremos criar personagens que realmente refletem todos e acho que esse [episódio] faz isso de uma maneira bonita”.
Mundo Esquecido
Ao contrário de Jacobs, Paul Scheer já tinha uma conexão relativamente forte com a Marvel antes de dirigir o episódio “Lost and Found”. Além de escrever para revistas como Cosmic Ghost Rider e Spider-Man/Deadpool, o ator e cineasta também já apareceu como um personagem da revista do Homem-Formiga. O capítulo que comanda também tem um objetivo diferente de “Higher, Further, Faster”: ao invés de apresentar uma visão geral de um aspecto da indústria, Scheer buscou recuperar alguns personagens esquecidos da Marvel, assim como estudar a popularização de personagens que já ocuparam posições de pouco prestígio no panteão da Casa das Ideias.
“Eu penso na Marvel como uma reunião de família”, disse o diretor. “Nós conhecemos os principais nomes, mas aí aparece aquele tio esquisito, que você vê uma vez a cada quatro anos. Qual é a dele? O que ele faz?”. Com um episódio focado em heróis e vilões obscuros, Scheer entrevista nomes como Reginald Hudlin, responsável por alavancar a popularidade do Pantera Negra no começo do século XXI, e Gerry Duggan, que comandou a revista do Deadpool entre 2011 e 2018. Em suas conversas, o diretor relembrou nomes esquecidos pelo grande público da Marvel, como Doutor Druida - uma versão vilanesca do Doutor Estranho -, Ciclone - um velocista que adquiriu seus poderes ao se injetar com sangue de mangusto - e Typeface – um vilão que usa letras gigantes como armas e que já derrotou o Homem-Aranha. “Existem tantas coisas assim que continuam reaparecendo, que ninguém sabia que existiam e, ainda assim, elas são parte do Universo Marvel”, comenta Jason Sterman.
Scheer argumenta que não existem personagens de categorias inferiores na indústria, independentemente de seu destaque nas páginas. Em sua narrativa, o diretor tenta mostrar que as mentes criativas por trás de cada história que determinam se heróis ou vilões serão esquecidos ou não.
Marvel 616, aparentemente, não será uma história para fãs da velha guarda da Marvel. Caso cumpra as promessas feitas pelos produtores e diretores que participaram da Comic-Con@Home, o documentário tem potencial para abrir as portas da indústria para um novo público ao mesmo tempo que renova as impressões que antigos leitores têm da Casa das Ideias.