Criar música pop nos dias de hoje é um desafio. Conforme o mundo lá fora se desdobra em crises apocalípticas consecutivas e sobrepostas, e a própria forma como consumimos arte se transforma e se fragmenta, artistas pop são obrigados a repensar seus formatos e suas sentenças o tempo todo. É possível (e legítimo) se desprender totalmente desse esfarelamento da realidade em sua música, é claro, criando um conteúdo puramente escapista ou inteiramente entregue aos prazeres estéticos da cultura pop, ao seu fluxo retroalimentar. Embora toda arte produzida por seres humanos seja inevitavelmente um comentário sobre sua época, o artista não tem nenhuma obrigação de se engajar com ela de forma frontal, por assim dizer.
Acontece que Dan Smith, o vocalista e compositor principal do Bastille, claramente busca esse engajamento. Give Me The Future, o quarto álbum de estúdio da banda britânica, é uma sessão de terapia em 13 faixas, nas quais o músico deposita ansiedades e julgamentos sobre a contemporaneidade, meditando principalmente sobre a difusão da linha que separa ficção e realidade no nosso dia-a-dia consumido por experiências e interações virtuais. “Estou sentindo que/ Se isso aqui é a vida/ Eu escolho a ficção”, canta ele já na canção de abertura do disco, “Distorted Light Beam”.
Smith entende, portanto, o impulso de se esconder no escapismo diante de um mundo que parece doente para além de qualquer possibilidade de cura - especialmente para uma geração (que não é bem a do vocalista, nascido em 1986) que pouco ou nada tem a ver com o motivo pelo qual chegamos a esse predicamento. O Give Me The Future sabe que entender o que é real pouco importa em um mundo cada vez mais absurdo, que faz a fantasia parecer mais sedutora a cada momento. “Na minha cabeça, eu fujo com você/ Quando meus sonhos correm ao seu lado/ Por que eu ficaria acordado?”, pergunta Smith mais tarde, na faixa “Stay Awake?”.
Musicalmente, o disco pareia esse lirismo apocalíptico com uma produção estilosa, mas um tanto óbvia. Canções como a já citada “Distorted Light Beam”, “Plug In…” e “Club 57” se apóiam em sintetizadores propulsivos, que se afastam do pop rock épico que já foi a assinatura do Bastille e se aproximam de um dream pop ansioso e verborrágico. Quando os baixos e guitarras reaparecem, em faixas como “Back to the Future” e “Thelma + Louise” (facilmente dona das melhores ideias do álbum, mas confinada em sufocantes 2:17 de duração), elas adicionam às melodias espertas de Smith um sentimento mais genuíno de empolgação pop.
É simbólico, por exemplo, como o Give Me The Future troca os corais bombásticos de hits anteriores da banda, como “Pompeii” e “Laura Palmer”, por versões sintetizadas dos mesmos. O uso do autotune aqui é propositalmente exagerado (Smith mostra que não precisa dele com os vocais sentidos da balada suicida “No Bad Days”), uma escolha artística deliberada para sublinhar a irrealidade do mundo sobre o qual o disco está versando. É o Bastille subvertendo a sua própria sonoridade como parte de seu comentário social.
O problema surge quando os (admitidamente rápidos) 32 minutos do disco vão passando, e a banda não apresenta nada que suplante esse reconhecimento tácito da irrealidade contemporânea. Nas composições, Smith alude a referências pop que vão de Thelma & Louise a Admirável Mundo Novo, 1984, De Volta para o Futuro e O Vingador do Futuro, e encontra formas criativas de elaborar e reelaborar esse quase impulso suicida que nasce da experiência de encarar um mundo em plena desintegração, mas falta a ele a honestidade emocional de um Matty Healy, por exemplo.
Citar o vocalista e compositor do The 1975 aqui é oportuno porque, dois anos atrás, os compatriotas do Bastille lançaram o Notes on a Conditional Form, um disco que encara as mesmas angústias reconhecidas pelo Give Me The Future, mas tira delas um produto diametralmente oposto. Com 22 faixas e 80 minutos de duração, o Notes é um épico fragmentado em mil pedacinhos, que se serve de referências musicais caleidoscópicas (jazz, folk, música ambiente) e incorpora a artificialidade da paisagem pop contemporânea às declarações sinceras, confusas, tremendamente humanas de Healy.
O Give Me The Future, por outro lado, mesmo com todas as aflições universais que comunica, nunca parece… bom, real. Smith é um compositor metódico demais para deixar de fato que o caos do tempo que ele quer retratar se infiltre em sua música. A grande exceção é o single “Shut Off the Lights”, um pop quase analógico que segue a deixa de “Promises”, interlúdio poético declamado por Riz Ahmed no coração do álbum, e abraça a possibilidade da conexão, do toque, como fonte de catarse diante das ansiedades expressadas nas outras canções.
“O tempo está em um loop, como o Sol, é o destino dele”, diz Ahmed em “Promises”, evocando a futilidade cósmica de se debater individualmente contra as transformações da humanidade como coletivo. É como se ele entregasse a Smith e seus colegas de banda uma permissão para abraçar a futilidade de suas próprias neuroses quanto ao presente e ao futuro, a desimportância delas diante de todo o resto. O Give Me The Future nunca é melhor do que quando faz exatamente isso - uma pena que faça tão pouco.