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Katy Perry - Witness | Crítica

Katy Perry tenta entregar pop com propósito, mas acaba soando confusa e repetitiva em novo disco

12.06.2017, às 12H29.
Atualizada em 12.06.2017, ÀS 13H02

Nos últimos tempos, Katy Perry aprendeu uma valiosa lição: quem não se posiciona é conivente com o inimigo. Em todos os sentidos: políticos, sociais, humanitários. Isso a  levou (e, com ela, sua equipe de marketing) a repensar sua carreira como estrela do pop e declarar publicamente que chegou à era "Pop com Propósito" - é música pra dançar e pra refletir. Munida de temas como empoderamento feminino, manipulação midiática e liberdade, parece irônico que ela tenha colaborado com os rappers Migos (que declaram sua homofobia aos quatro ventos), e voltado a, publicamente, trazer à tona seu "feud" contra Taylor Swift.

Em meio a essas escolhas no mínimo curiosas, se encontra Witness, um lançamento que trilha por novos caminhos musicais. No entanto, o que poderia ser muito bom, dado o excelente histórico de experimentações de 2017 - Lady Gaga, Harry Styles e Miley Cyrus surpreenderam positivamente em novos estilos - acaba soando tão confuso quanto a tentativa da cantora em alinhar seu discurso com a prática.

Abrindo com a faixa-título "Witness", Katy faz um apelo aos ouvintes: "se eu perder tudo, vocês ficarão comigo?". Parece um presságio do que está por vir. E, na realidade, é. A faixa estabelece o que se ouvirá no restante do álbum: uma sonoridade que brinca com um pop oitentista, com o house eletrônico, e algum acompanhamento de piano e guitarra para quebrar os sons digitais. É um início forte, com um pré-refrão que surpreende em conjunto com batidas em contratempo e refrão grudento acompanhado de um coro de vozes bem colocado. Um grande começo, belíssimo para apresentar a linguagem do álbum e nos tornar "testemunhas" desta nova Katy Perry.

A faixa seguinte, "Hey, Hey, Hey", vem quase de sopetão. Em uma audição descontraída parece quase uma continuação da faixa anterior. Ela canta sobre ser uma "mulher durona", na tentativa de trazer uma feminilidade forte, mas com algumas comparações desnecessárias. "Marylin Monroe em um caminhão-monstro"? O refrão é clássico de pop e dá a sensação de que já foi ouvido em algum lugar. Uma faixa que cai bem depois de "Witness", mas tem pouca força sozinha.

"Roulette" é a primeira música que assume o house das pistas. Com sintetizadores bastante oitentistas e uma batida típica das noites europeias, ela canta sobre se libertar e dançar como uma roleta. Mais tarde ainda usa a analogia para dizer que o amor é como uma bala na agulha, em uma roleta russa. Dançante, a faixa também é um ponto positivo do álbum, trazendo um início que pode soar homogêneo para alguns, pastoso para outros.

A já divulgada "Swish, Swish", colaboração com Nicki Minaj, é uma das faixas mais fortes do disco. É quase impossível se livrar das batidas e não se imaginar curtindo a noite. Uma letra cheia de "shade", remetendo diretamente a rixa com Taylor Swift. Isso pode descontextualizar a mensagem do álbum, mas é um dos grandes acertos da produção.

"Déjà vu" lembra Giorgio Moroder. A letra não tem propósito algum, apenas conta a história de um relacionamento que "todo dia é igual, como um deja vu", mas a melodia e a produção te levam em uma boa viagem. Ela possui um certo minimalismo perto do resto do disco, permitindo que se escute cada timbre de sintetizador, o que colabora para essa sensação de profundidade. Ótimo trabalho do pouco conhecido produtor Hayden James.

Na sequência, a sonoridade muda completamente e entramos no momento que divide opiniões. A primeira faixa da segunda metade do álbum é "Power". Boa letra, sobre se livrar de um relacionamento abusivo empoderando-se. A faixa apresenta melodia interessante em uma produção bastante pesada. O trabalho é de Jack Garrat, e tem momentos interessantes, como a ponte antes do último refrão, o uso do saxofone extremamente nostálgico, quase como detalhe no fundo do instrumental, e a mixagem que dá uma roupa oitentista ao som. Mas a quantidade de camadas sonoras pedia uma batida mais marcante, que desse movimento a música, afinal é um álbum pop.

E a confusão iniciada em "Power" segue se estendendo. "Mind Maze", produzida pelo duo-eletrônico Purity Ring, tenta ser uma ponte entre balada de letra depressiva e um remix para as pistas. Não funciona bem como nenhum dos dois, misturando piano a fortes sintetizadores, colocando efeitos robóticos na voz de Katy, e terminando sem marcar o final da música. Não dá pra entender muito bem aonde tentaram chegar.

A receita se repete na balada (dessa vez, realmente uma balada) "Miss You More", ainda produzida pelo duo, mas com um pouco mais de sucesso. Adiciona-se ao piano tons de harpa, os efeitos vocais ficam reduzidos a um coro no fundo da voz de Katy, e as batidas são minimalistas na maior parte do tempo.  O problema é na ponte e no refrão final - a tentativa de elevar os ânimos com guitarra, orquestra e uma batida mais forte acaba sendo demais, quase distorcendo a música.

O primeiro single "Chained To The Rythm" ainda é uma das músicas mais sólidas do projeto, em letra, melodia e produção. É um alívio após a confusão das faixas anteriores, nas quais vemos Katy flertando com o bright-pop que a consolidou. A faixa que segue é "Tsunami", quase uma analogia ao orgasmo, com frases nas quais ela convida o parceiro a "ir profundamente e sem medo, até começar um tsunami". A analogia divertida é marcada por um sintetizador que pouco varia, tornando a produção bastante "reta", pouco marcante. Na sequência, a colaboração com os rappers Migos "Bon Appétit", escolhida para ser o segundo single do álbum é claramente genérica. As analogias sexuais, que colocam Katy Perry como um "banquete" contrastam com as tentativas de criticar o "sistema" em seu clipe. Simples, dançante, mas que seria facilmente substituída por "Swish, Swish" - ambas se parecem em estrutura, melodia e estilo, mas a segunda é bem mais divertida.

"Bigger Than Me" também segue uma fórmula genérica de tantas outras músicas, dando aquela sensação de 'eu já ouvi isso antes'. Nas mãos do duo Purity Ring novamente, ela canta sobre sentir algo maior do que ela que não pode ser ignorado, em uma letra que se repete por minutos e minutos. Aparentemente o Purity Ring não teve tanta sorte com as músicas que lhes foram dadas.

Em "Save As Draft" ela encarna a garota moderna, que sofre por um amor e desiste de mandar mensagem, salvando-a como rascunho. Uma balada adolescente, pop, que poderia ser melhor aproveitada caso não estivesse logo depois de "Bigger Than Me" - a progressão de acordes de ambas (assim como de outras no álbum) é muito parecida, você pode cantar a melodia por cima e casa perfeitamente. Dá a sensação de falta de criatividade, unindo letra sem muita profundidade ao repeteco harmônico. O final do álbum ganha um bom respiro com "Pendulum". Alegre, brilhante, como a boa Katy Perry de antes. Na letra, ela canta sobre 'não tentar se reinventar', 'permanecer clássico' - uma dica que a mesma poderia ter aproveitado, pois a melodia upbeat ainda soa fresca, em uma produção saudosista com piano e uma boa divisão de vozes em um coro gospel.

O álbum termina com "Into Me You See", que lembra de leve "Not Like The Movies", outra bela balada da cantora. Bonita, tocante, uma música que poderia ser melhor aproveitada em outra posição no disco mas que cumpre o papel de fechar a jornada.

Entre poucos altos e muitos baixos, Katy Perry mostra que quer ser encarada com mais seriedade. Poucas músicas felizes, poucas harmonias brilhantes, e muita tentativa de tornar 'a coisa mais séria'. Mas ela esquece que dá pra fazer "Pop com Propósito" sem perder a característica dançante, animada e brilhante que a marcou - pense em "Express Yourself", de Madonna, "Born This Way", de Lady Gaga, ou até mesmo "Firework". Seria um caminho mais seguro, que agradaria gregos e troianos. No entanto, uma coisa é certa: ela segue acertando nos clipes e escolhendo bem seus singles, o que pode tornar o álbum rentável e bem quisto pelos fãs - ouça o disco.

Nota do Crítico
Bom