“Mood Ring”, a penúltima faixa do Solar Power, terceiro álbum de Lorde, é a produção que soa mais “completa” no disco todo. Melodicamente bem resolvida, a canção traz a cantora entoando sua meio-zombaria sobre as pseudociências do bem estar contemporâneo por cima de uma batida computadorizada que remete ao R&B do final dos anos 1990. O uso bem humorado e plasticamente belo de harpas, sintetizadores e corais complementa uma confecção fluída e perenemente interessante para o ouvinte.
A inteligência expressiva de “Mood Ring”, no entanto, não se estende por boa parte do Solar Power. Os elementos estão, quase sempre, todos aqui - as melodias geniosas que caracterizam o trabalho de Lorde desde a revelação com “Royals” assombram o pré-refrão de canções como “Solar Power” e “Big Star”, por exemplo, misturadas como um drinque sofisticado com as suas letras confessionais que refletem sempre, de maneira aberta e vulnerável, sobre o processo de amadurecimento.
Deveria funcionar, mas o que falta é acertar o tom. Na fatia inicial do Solar Power, por exemplo, as confissões de Lorde assumem um tom hiper específico que esbarra na autoparódia. Em “The Path”, ela se define como “milionária adolescente que tem pesadelos com o flash de uma câmera”; em “California”, descreve em detalhes o momento em que Carole King anunciou sua primeira vitória no Grammy, em 2014.
Aos poucos, a artista vai ajustando a sua voz para encontrar alguma comunicação com o ouvinte. Em “Stoned at the Nail Salon”, uma pérola folk que poderia estar em um disco de Joni Mitchell se ela escrevesse sobre as angústias de uma outra geração, Lorde evoca a passagem do tempo, cantando sobre seu “sangue quente que tem queimado por muitos verões”, e que já passou da hora de esfriar. Certamente um sentimento pós-adolescente universal.
A sequência de acertos continua com “Fallen Fruit”, um soul-rock sobre a amargura de uma geração que herdou de seus pais um mundo destruído e uma perspectiva de futuro inexistente; e com “Secrets from a Girl (Who’s Seen it All)”, um R&B delicado e gentil em que Lorde fala com sua persona mais jovem num tom conselheiro que lembra um pouco o clássico “You Gotta Be”, de Des’ree.
Ela até acerta na mosca ao convidar a cantora sueca Robyn, há muito tempo a voz das angústias agridoces do adulto baladeiro, para um trecho falado no fim desta última canção. Encarnando uma aeromoça em uma linha aérea mística, ela declara: “A sua bagagem emocional pode ser retirada na esteira dois. Por favor, tome cuidado para não derrubá-la em cima de alguém que ama”. Uma das viradas de frase mais brilhantes da carreira de Lorde, que é cheia delas.
Mas o disco não demora a jogar um balde de água fria no ouvinte, com canções anêmicas e inacabadas como a balada romântica “Man with the Axe”, um tributo anestesiado e deprimente ao amado de Lorde (o executivo Justin Warren) que carece justamente de criatividade melódica - e, pior, se arrasta por mais de 4 minutos. Enquanto isso, faixas como “Dominoes” e “Leader of a New Regime”, tentativas da cantora de se aproximar de um humor mais franco, são traídas justamente pela escolha contrária, de limitar suas durações à por volta de 2 minutos, o que não permite que se desenvolvam o bastante para deixar qualquer marca significativa.
O canto do cisne do Solar Power é a meditativa “Oceanic Feeling”, um exercício de construção melódica por cima de uma harmonia simples de dois acordes que se repete constantemente por mais de 6 minutos, adornada por intervenções criativas de instrumental (sintetizadores graves, guitarras, snippets de voz). A canção mostra que o talento de Lorde não foi para lugar nenhum, que sua expressividade e detalhismo ainda estão vivos - mas que sua arte não pode, nem deve, ser apressada.
Quatro anos se passaram entre o Melodrama, último álbum de Lorde, e o Solar Power. Pareceu muito, para os fãs, durante a espera. Parece pouco, para quem ouve o novo disco, agora. Esta nova era ainda precisava de mais um tempo para chegar ao mundo como merecia: totalmente formada, fazendo jus às brilhantes ideias contidas nela.