A música mais importante para entender o This is Why se chama “Simmer”, e está no Petals for Armor, álbum lançado como solo da vocalista Hayley Williams em 2020. E antes que os fãs se revoltem comigo dizendo que “Simmer” não é realmente uma música doParamore, bom… por que exatamente ela não é, e o que exatamente caracteriza - a essa altura do campeonato - uma música do Paramore? Vale lembrar que This is Why marca a primeira vez em que a banda, durante todos os seus quase 20 anos de história, lança um álbum com a mesma formação de músicos do disco predecessor.
Por conta desse histórico turbulento, “Simmer” - co-escrita e produzida por Taylor York, guitarrista do Paramore desde 2007 - conta com o envolvimento de mais membros atuais da banda do que, por exemplo, o hit “Misery Business”, que Williams escreveu com o há muito despachado Josh Farro. O que faz uma canção ser menos música do Paramore do que a outra? Há quem vá dizer a predominância de guitarras, que Williams trocou por sintetizadores e violões em seu trabalho “solo”, e pode ser que isso seja verdade, mas o meu ponto permanece: This is Why é muito mais uma continuação de Petals for Armor do que de After Laughter, o último álbum oficial do Paramore, lançado em 2017.
A influência está clara principalmente nas melodias do novo disco, imbuídas da mesma qualidade serpenteante que fez de “Simmer” uma canção de atmosfera tão sedutora. A crítica americana definiu o This is Why como um álbum de “rock ansioso” e chamou suas canções de “recortadas”, adjetivações justas para os riffs de guitarra rápidos e precisos que se misturam aos versos que Williams parece tirar direto da coleção de LPs de soul e folk que ela tem - nós sabemos que tem, não nos pergunte como! - em casa.
A ginástica retórica dos meus colegas gringos, no entanto, é desnecessária: tudo isso já estava no Petals, e considerá-lo como parte do cânone da banda faz com que a linha a ser traçada no histórico do Paramore seja uma de evolução direta, não revolução sonora ou resgate de influências. This is Why não é uma “volta à forma” ou uma “mudança de rumo”, tampouco uma elegia nostálgica para a era de ouro do pop punk, mas sim a próxima fase lógica de uma banda cheia de referências e ideias originais, que não tem medo de envelhecer e passar a ver o mundo (e a música) com outros olhos.
Daí também o caráter tematicamente oportuno do This is Why, que segue a deixa de outras explorações apocalípticas recentes da cultura pop e destila as ansiedades dos tempos pandêmicos em música. Muita coisa aconteceu desde a última vez que o Paramore lançou um álbum - e, neste caso, considerar os seis anos de hiato é oportuno, uma vez que o disco solo de Hayley se provou integralmente voltado, no campo lírico, à expiação de demônios íntimos. This is Why olha muito mais para fora de si do que o Petals, e o que o disco encontra é o que qualquer um encontraria: caos.
A genialidade das 10 canções contidas no álbum está em fugir das observações óbvias e abraçar a amargura autoirônica que define a reação da geração online ao colapso social que estamos vivendo. Se os singles “This is Why” e “The News” transformam chavões comuns - a essa altura, quase memes - de alienação em pancadas pop rock, “Running Out of Time” chega logo depois dando o tom cínico com uma letra sobre os esforços falsos que definem a cultura de autoaperfeiçoamento contemporânea. “Houve um incêndio (metaforicamente)/ Chego aí em cinco minutos (hiperbolicamente)", desdenha Williams sobre seu perpétuo status de atrasada.
Já “C’est Comme Ça” usa a frase em francês, símbolo de conformismo (“as coisas são como são”, em tradução livre), para zoar a geração semiletrada em psicanálise que acha que conhecer os próprios problemas é a mesma coisa que resolvê-los. “You First”, talvez minha favorita do disco, combina perfeitamente o seu refrão em antidrop com uma letra venenosa atacando a covardia inerente na ambivalência moral que se disfarça de nuance para deixar de indiciar vilões históricos. E ainda sobra para outra frase de efeito da geração da autoestima como meme: “Viver bem não é meu tipo de vingança/ Acredite em mim/ Vivem bem é só um privilégio”.
O tom é de ironia, sim, e de reflexão do pânico perplexo de toda uma geração diante da infinitude de escolhas (todas catastróficas) que ela pode fazer - mas o This is Why é tão concentrado na primeira pessoa quanto os álbuns anteriores da banda, o que faz com que este veneno musical tenha gosto mais amargo do que ácido. E, quer saber? O Paramore se prova mais apto a ocupar a posição de arautos apocalípticos autodepreciativos do dance rock do que o esperado.
Talvez o This is Why soe menos como a ideia que você tem do Paramore, e mais como todo um leque de outras coisas: uma versão socialmente urgente (e menos teatral) de um dos álbuns bons do Franz Ferdinand ou do Kaiser Chiefs; uma mistura de Joni Mitchell e Björk, se uma fosse mais chegada a guitarras elétricas e outra menos chegada a música eletrônica… Da multiplicação da voz de Williams em corais de soul baixinhos por todo o disco à virada jazz do hino de fúria feminina “Big Man, Little Dignity”, no entanto, o importante é que o álbum nunca parece disposto a mentir para si mesmo ou para o ouvinte.
Este é o Paramore de hoje, e esta é a música que sai dele. Como tudo no mundo que se estende para além de nossas portas, é nossa escolha abraçá-lo ou rechaçá-lo. Mas talvez seja por isso que você prefere não sair de casa, né?