30.08.2022 - Demi Lovato durante show no Unimed Hall, em São Paulo (Angelo Kritikos/Divulgação)

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Demi Lovato promove catarse pessoal no palco de São Paulo

Converter canções de catálogo em rock é questão de sobrevivência para a cantora

30.08.2022, às 23H25.
Atualizada em 31.08.2022, ÀS 15H56

Na nova turnê de Demi Lovato, ela leva as coisas para o pessoal. A cantora retornou, em seu disco HOLY FVCK, cansada de tentar ser o instrumento de catarse de seu público - agora é a vez dela. Como canta em "Happy Ending", uma das músicas do bis no show de hoje (30) no Unimed Hall, ela já tentou ser um exemplo de superação, uma inspiração para os fãs... e pode até ter funcionado por um tempo, mas ela sentia falta de seus vícios. É só expiando os próprios demônios, a própria história, que ela vai encontrar seu final feliz.

É nesse clima que a americana resgata várias canções de sua já longa carreira, transfigurando-as (com a ajuda de uma banda feminina para lá de competente) no misto curioso e nostálgico de hard rock e emocore que caracteriza o último álbum da artista. De "Here We Go Again" a "Remember December" (acelerada suavemente em relação à versão de estúdio, com ótimo efeito), passando por "Sorry Not Sorry", as canções ganham reinvenções semi-irônicas, semi-sinceras, reconhecendo o lugar delas e de seu sucesso dúbio na trajetória complicada de Lovato com a fama, mas também o lugar icônico que elas ocupam no contínuo da cultura pop.

Quando só a mudança de instrumental não funciona, Demi apela para o mash-up, a referência, e novamente a nostalgia. É o que acontece quando "La La Land" é interpolada com "La La" (de Ashlee Simpson), ou quando a nova "4 Ever 4 Me" se transforma facilmente em "Iris" (do Goo Goo Dolls). Nessa subversão, nesse jogo de paralelos musicais, Demi está muito confortável, abrindo sorrisos conscientes e se movendo pelo palco com deliberação. É só quando exigências de repertório a fazem quebrar a magia - vide "Confident" ou "Skyscraper" - que o show dá uma caída mais franca, e se transforma em um teatro do mercadologicamente inevitável.

Vocalmente, também, Demi está em um campo diferente daquele no qual transitou nos anos mais turbulentos de sua vida. Ela parece querer nos dizer que já tentou essa coisa de vocalista soul, e que, embora tenha o fôlego para isso, decidiu que não é muito a praia dela. O tom ardido e os agudos estratosféricos funcionam melhor mesmo quando se erguem por cima de uma parede de guitarras, rasgando o ar sem fazer concessões ou pensar em quais melismas se encaixam aqui ou ali.

O show da HOLY FVCK Tour, no fim das contas, funciona porque é pensado no espirito da catarse pessoal. Quando a cantora ergue os dedos do meio para o alto em "29", se emociona com a letra sobriamente presciente de "Don't Forget" (levada toda no teclado, em escolha brilhantemente teatral), ou se atira no chão com o frenesi da excelente "Eat Me", a mais pesada do novo álbum, ela faz isso porque precisa fazer. Demi parece ter entendido, enfim, que expiar os demônios dela no palco também faz os nossos irem embora, nem que seja só por um tempinho.