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Sugestões dos Chefs: <i>Nevermind</i>

Sugestões dos Chefs: <i>Nevermind</i>

05.04.2004, às 00H00.
Atualizada em 23.11.2016, ÀS 11H03

Nevermind - Nirvana

Lançado em 24 de setembro de 1991

Produtor - Butch Vig
Mixagem - Andy Wallace

Nirvana:
Kurt Cobain
- guitarras, vocais
Krist Novoselic - baixo, vocais
Dave Grohl - bateria, vocais

Kirk Canning - cello

Tracklist:
Smells Like Teen Spirit
In Bloom
Come As You Are
Breed
Lithium
Polly
Territorial Pissings
Drain You
Lounge Act
Stay Away
On A Plain
Something In The Way
Endless, Nameless (faixa bônus que foi incluída em algumas prensagens do disco)












Poucos são os discos sobre os quais se pode dizer que mudaram o mundo.

Quando Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl se reuniram com Butch Vig (produtor e, mais tarde, baterista do Garbage) para gravar o segundo disco do Nirvana (as aspas vêm por conta da irregularidade do primeirão, Bleach, uma colagem de gravações anteriores) decerto não planejavam tal façanha.

Cenário

No final dos anos 80, início dos 90, o rock sofria de uma severa crise de identidade. A rebeldia e independência que marcaram o início da coisa tinham se diluído em uma massa amorfa meio teatral, uma pleonástica mistura do frescor do glam com as baixarias do punk - estas elevadas ao cubo e hermeticamente embaladas para a mídia.

Os principais nomes do rock eram gente do porte de Guns N Roses, Dire Straits, Aerosmith e Bon Jovi e o alternativo da época era o heavy metal.

O descontentamento com este quadro e a falta do que fazer gerada pela recessão somaram-se, levando a gurizada do interior a criar novas formas de se divertir. Nada surpreendente, pois, que a música tenha sido a escolha.

Naturalmente a inspiração daquele pessoal inculto recairia nos três acordes do punk. Algumas pitadas do heavy metal do qual era impossível manter-se afastado na época e mais um movimento traidor do movimento estava formado: o grunge.

Não que fosse muita coisa na época. Mudhoney, Melvins e Temple of the Dog tinham uma popularidade limitadíssima naqueles dias e a gravadora Sub Pop estava como terminou: uma bagunça mal gerida.

Xapralá

Depois do lançamento de alguns singles independentes e do álbum Bleach pela Subpop, o Nirvana acabaria mudando de gravadora (a DGC, selo da Geffen, os abrigou) e finalmente entraria em estúdio em abril de 2001, para gravar o que viria a ser seu segundo lançamento de catálogo.

O estúdio Sound City, na Califórnia, foi o escolhido para a empreitada. Kurt passaria então horas admirando os discos de ouro paridos ali, mas apesar de Rumours, do Fleetwood Mac, ter sido gravado ali, foi o disco do dublê profissional Evil Knievel que encantou o músico, que certa vez chegou a afanar os originais de prensagem.

As gravações não foram fáceis, no tocante em que os ciclos de mania e depressão do vocalista eram cada vez mais curtos. Butch Vig chegou a descrever episódios em que teve que caprichar na paciência e na psicologia infantil para a coisa andar adiante - diversas vezes teve de apelar para o ídolo de Kurt, John Lennon, dizendo que o ex-Beatle faria tal coisa, só para superar a teimosia do rapaz.

A mixagem final ficou a cargo de Andy Wallace, que acabaria dando o tom mais palatável das músicas tradicionalmente sujas e pesadas da banda. Kurt deixaria claro mais tarde que não gostou da "limpeza" do som, achando uma atitude "covarde".

O nome do disco, que era para ser Sheep (ovelhas), acabou virando Nevermind (um somatório de "never mind" - "deixa pra lá" em inglês) por sugestão de Kurt, que achou bastante divertido o trocadilho do título e oportuno que fosse também um trecho de Smells Like Teen Spirit.

A Repercussão

A celeuma começou com a capa do disco. A idéia inicial era mostrar uma mulher dando à luz debaixo dágua, pois Kurt havia visto um documentário sobre o assunto e ficado fascinado. Como não conseguiu os direitos autorais para usar uma imagem do programa, veio o então a imagem bebê Spencer Elden, que nada nu em direção a uma nota de dólar. As "partes" do moleque apareciam boiando livremente e as grandes redes tipo Wal Mart e afins se recusaram a vender um disco com aquela "capa indecente". Pois que a Geffen teve de fazer uma série de álbuns "cock-free" para que a criançada pudesse ouvir sobre como a Natureza é uma puta ou sobre uma garota seqüestrada sem que isso fosse uma afronta à sociedade.

Anos depois a revista Rolling Stone faria piada com o fato, cortando o bilau de Bart Simpson na capa-paródia que foi às bancas (veja aqui).

Entre a gravação do disco e seu lançamento, em 24 de setembro de 1991 o Nirvana excursionou pela Europa com o Sonic Youth, declaradamente uma de suas maiores influências. A turnê encerrou-se no festival de Reading, o mais influente da Grã-Bretanha, da Europa e talvez do mundo. Aquela edição foi bastante incomum, e a organização acabou rendendo-se à vontade de Cobain e escalando uma espécie de "dia grunge" no festival.

Em 14 de outubro de 1991 Smells Like Teen Spirit estreou na MTV e o mundo mudou de repente.

Uma juventude perdida e irada acabou encontrando seu porta-voz mundo afora. Não foram apenas os norte-americanos abalados pela crise que correram atrás daquele rapaz sujo e agressivo. A Europa e o resto do mundo também caíram de quatro diante da música e da imagem do Nirvana.

O conceito de rock foi revisto, o punk renasceu das cinzas e abriu caminho para coisas excelentes (os "rivais" do Pearl Jam, os nerds do Weezer e até mesmo os estranhos do Radiohead surgiram na cola do Nirvana ou no vácuo deixado depois dele).

Na Grã Bretanha a gurizada também viu que poderia fazer e ouvir a música que quisesse e o rock independente saiu das garagens diretamente pras rádios - e assim se fez o britpop. Não fosse, pois, pelas lamúrias de Kurt Cobain, não teríamos hoje em dia os questionamentos do Blur, nem os irmãos Gallagher brigando com Deus e o mundo. Justine Frischman, do Elastica, disse que ela e seu namorado Damon Albarn não achavam que o Nirvana falasse sobre a vida deles e foi aí que o nosso manifesto começou. Life is Rubbish, do Blur, quase se chamou England Vs. America.

Muita gente penou para renascer depois da subida do underground ao poder, mas hoje em dia as coisas voltaram ao "normal", com os mesmos Aerosmith e Bon Jovi ainda vendendo milhões e fazendo sucesso sobre uma infinidade de bandas e músicas de qualidade.

Se hoje o mercado é tão variado a ponto de aceitar Darkness e Beyoncé na mesma lista de vendagem é porque houve um momento em que um depressivo de mão cheia de Aberdeen resolveu mostrar os dotes musicais que não tinha. E o resto é ahistória que continuamos a escrever.

O Disco

O que à primeira audição (e alguém ainda se lembra de sua primeira audição de Nevermind?) pode parecer sem muito brilhantismo mostra, numa análise mais apurada, composições de extrema sensibilidade musical, divertidas e tocadas por uma banda afiadíssima.

É certo que músicas como Breed, Stay Away e Territorial Pissings não chegam perto de comparação com pérolas pop como Smells like Teen Spirit, Polly, Come As You Are, Drain You, In Bloom e Lithium ou da qualidade de On A Plain, Something In The Way e Lounge Act. Mas isso não chega a comprometer a qualidade do álbum, que nasce justamente da habilidade de Cobain, Novoselic e Grohl combinarem a sonoridade punk com a sensibilidade pop para fazer um terceiro gênero que é muito imitado até hoje, mas pouco alcançado.

... e dizer que tudo o que Cobain queria apenas era soar como os Pixies...

Links

Influências

Beatles, Sonic Youth, Sex Pistols, The Clash, heavy metal, Melvins, Mudhoney, Vaselines, Pixies e, até um certo ponto, as farofices radiofônicas da época.

Influenciados

Todo o underground que resolveu subir à tona de 1991 para cá - desde o óbvio Silverchair até Weezer ou Radiohead. O próprio Brit Pop de Oasis e Blur foi uma resposta ao grunge que vinha dos Estados Unidos.

Isso sem contar quem se aproveitou da abertura do mercado para o alternativo sem ser influenciado pelo Nirvana - o que acaba incluindo virtualmente todo mundo mesmo.

Para Ler

  • Journals - os diários de Kurt Cobain em versão chique de centro de mesa.
  • Mais Pesado que o Céu - A biografia de Kurt Cobain, o homem que no fim era o Nirvana.
  • Fragmentos de uma Autobiografia - Análise "psicológica de boteco" de todas as letras do Nirvana.

Mais sugestões dos chefs:

Substance - New Order
London Calling - The Clash

Paranoid - Black Sabbath

Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band - The Beatles
Pet Sounds - The Beach Boys
Revolver
- The Beatles
Parklife - Blur
Dois -
Legião Urbana
Never mind the bollocks (here´s the Sex Pistols)
- Sex Pistols