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O filme de Boris Karloff |
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O primeiro disco |
Birmingham, Inglaterra, início da década de 60
Birmingham era uma das mais importantes cidades metalúrgicas da Inglaterra no início da década de 60. No entanto, isso não era sinônimo de prosperidade para a população local, muito pelo contrário. Birmingham era uma cidade pobre, a maioria da população composta de operários rudes, que levavam uma vida bastante dura e cuja paixão pelo futebol ultrapassava em muito o limite que separa este sentimento do fanatismo. A vida das mulheres também era muito difícil e a maioria delas se encaixava em duas categorias: aquelas que engravidavam cedo, casavam-se e se tornavam donas de casa e esposas de metalúrgicos e aquelas que também se encaixavam no estereótipo acima, mas que cumpriam uma dupla jornada, trabalhando tanto em casa quanto nas fábricas da cidade.
Birmingham era um pedaço do mundo reservado às perspectivas e ideais dos adultos, com muito pouco espaço para que crianças e jovens pudessem sonhar com um destino diferente daquele reservado a seus pais. Uma das filosofias que reinava dentre os habitantes da cidade era a máxima "trabalho dignifica - trabalhe até morrer", independente do fato da maioria dos empregos ali disponíveis serem reservados àqueles dispostos a encarar longas jornadas de trabalho pesado, bruto, sem perspectivas e com uma remuneração quase insignificante.
Diante desse cenário, os jovens da cidade - especialmente os homens - desenvolveram o hábito de andar em grupo, em gangues, cervejas e correntes nas mãos, prontos para entrar em brigas com grupos rivais ou cometer pequenas e grandes contravenções.
John Thomas Osbourne era um dos operários que viviam em Birmingham. Pai de seis filhos, ele e a esposa, Lilian, trabalhavam em fábricas para tentar sustentar a família. Ele era um ferreiro; ela trabalhava no setor siderúrgico de uma fábrica de carros populares. E ambos estavam preocupados com o destino de um de seus filhos, John Michael Osbourne. John era o que poderia ser chamado de "garoto problema". Antes mesmo de completar 16 anos, ele já havia se provado inepto para os estudos e fracassado em dois empregos. Para piorar, o garoto começou a se envolver com uma das gangues locais e, ao assaltar uma loja, acabou sendo preso e cumpriu seis semanas na Winson Green, a prisão local.
No momento em que o jovem John Michael chegou em casa, depois de sair da prisão e beber em um pub, ele pediu que o pai lhe comprasse um microfone e uma caixa de som, Thomas explodiu: não só negou o pedido como ainda passou um belo sermão no filho, que nada disse. John Michael, mais conhecido como Ozzy, apenas dirigiu um olhar triste para o pai e abaixou a cabeça. Naquele instante, Thomas reviu a vida do filho e notou que as perspectivas não eram nada boas. Um microfone e uma caixa de som, mesmo usadas, custariam cerca de 50 dólares, algo muito acima das posses da família. No entanto ele sentia em seu íntimo que aquilo poderia representar a salvação ou a derrocada definitiva do filho. Resolveu arriscar.
Mal sabia ele que, com aquilo, acabava de plantar a semente que daria origem a uma das maiores bandas de rock da história.
Bandas e mais bandas
Já no ano de 1964, Ozzy ingressou em uma banda chamada Approach, adepta de uma estranha variação de R&B. Aqueles que ouviram o som do grupo o classificaram como "muito ruim". O fato da banda só ter conseguido uma apresentação, já nos idos de 1967, em uma festa em um colégio local e seu som não combinar muito com a voz de Ozzy, fez com que o vocalista acabasse deixando-a. Um pouco antes, no entanto, Ozzy havia conhecido o pessoal de uma outra banda, a Music Machine e acabou se tornando um grande amigo do guitarrista do grupo, Terence (Terry) "Geezer" Butler. O Music Machine estava tendo problemas com seu vocalista e, por fim, Terry convenceria os demais membros a passarem o posto para Ozzy.
Infelizmente, depois de algum tempo a Music Machine desandou. Ozzy e Terry recrutaram parte da banda e montaram o Rare Breed . Desnecessário dizer que ela também durou pouco e logo se desfez.
Enquanto Ozzy cumpria pena por assalto, do outro lado da cidade, um jovem guitarrista chamado Frank Anthony (Tony) Iommi começava a realizar o sonho de formar uma banda. Depois de enfrentar uma série de dificuldades para domar o instrumento (dentre elas, o fato de ser canhoto e ter perdido as pontas de dois dedos de sua mão direita na fábrica onde trabalhava), Iommi finalmente reunira quatro amigos, dentre eles o jovem baterista William (Bill) Ward e fundara sua banda, a The Rest .
Em 1967, o The Rest não existia mais; Iommi e Ward se reuniu com três amigos e formou outra banda, a Mythology, cujo som era uma mistura de blues pesado com jazz, uma maluquice só. Como parecia ser a sina das pequenas bandas de Birmingham, a Mythology também teve vida curta.
A união faz a força
Em março de 1968, Ozzy ainda não tinha conseguido trazer muita grana para dentro de casa com seu novo ofício. Pra piorar, ele e Terry estavam ainda à procura de músicos para formar uma nova banda, sem sucesso. Sem muita saída, Ozzy apelou e colocou um anúncio do jornal local, com os seguintes dizeres: "OZZY ZIG - VOCALISTA - PROCURA BANDA - POSSUI EQUIPAMENTO PRÓPRIO". Os primeiros músicos a responderem o pedido foram justamente Tony Iommi e Bill Ward. Pronto! Aos trancos e barrancos estava reunida a primeira formação do que viria a ser o Black Sabbath! Não que as coisas tenham sido tão fáceis daí pra frente, dado o histórico de infortúnios do quarteto.
Antes de se tornar o Black Sabbath, Ozzy e companhia adotaram a alcunha de Polka Tulk, nome de uma marca de talco, que, além do quarteto acima, contava ainda com Jimmy Philips no baixo e um tal de Clark no saxofone. Clark também tocava outros instrumentos quando o grupo se enviezava pelas viagens jazzísticas adoradas por Iommi e odiadas por Ozzy.
O Polka Tulk começou a tocar pelos pubs de Birmingham e região, sem chamar muita atenção, até que Ozzy começou uma conspiração para tornar o som da banda mais pesado, deixando o jazz de lado. Sua idéia era que a banda fosse um quarteto e que tocassem alto o suficiente para atrair a atenção de alguém interessado em agenciá-los. Ozzy sabia que o sonho de Tony era viver de música e soube exatamente quais cordas tocar para convencer o relutante guitarrista.
Logo o som do Polka passou por mudanças e a banda passou a fazer experimentações no palco, sempre com o som dos amplificadores no máximo. Isso incomodava alguns donos de pubs, que acabavam por desligar a aparelhagem antes do fim do show. Desnecessário dizer que isso gerava reações pra lá de negativas em Ozzy, desencadeando várias brigas entre a banda e os donos dos pubs.
Cansados das brigas, Clark e Jimmy deixam a banda. Terry assume o baixo e o Polka Tulk ressurge como o Earth. Segundo Iommi, a mudança de nome é justificada pelo fato da banda ser agora um quarteto e precisar de algo marcante para ser reconhecida. Alguns críticos dizem que a mudança de nome foi necessária devido ao fato do nome Polka Tulk estar bem desmoralizado entre os donos de pubs e promotores de shows de Birmingham e região devido às pancadarias constantes. Essencialmente, no entanto, só o nome da banda mudou, já que o estilo das músicas e o seu comportamento no palco não sofreram muitas alterações. E o Earth conseguiu alguns êxitos em apresentações, começando a chamar a atenção das pessoas certas.
Certa vez a banda foi contratada para tocar em uma festa da alta-sociedade de Birmingham. A coisa era tão chique que o empresário que os contratou lhes deu quatro ternos brancos para que pudessem usar no palco. Desnecessário dizer que a selvageria e a altura do som do Earth foram mais do que suficientes para acabar com a festa! Mais tarde descobriu-se que tudo não passou de um grande mal-entendido. Já havia outra banda chamada Earth na região e era ela a cotada para tocar no evento. Ozzy e cia foram contratados por engano. Isso e o surgimento da Manfred Manns Earth Band em Londres fizeram com que o grupo decidisse trocar novamente de nome.
Apesar dessa decisão, Ozzy e cia continuaram se apresentando como Earth por todo o ano de 1968 e parte de 1969. Foi no começo de 1969 que um tal Jim Simpson assistiu a uma apresentação do Earth e, certa noite, bateu à porta de Tony Iommi. Jim era um promotor de shows que tinha um selo próprio, o Big Bear, e empresariava algumas bandas inglesas sem grande importância. No geral, Jim não era nem um pouco diferente dos demais empresários e agentes que rodeavam o Earth, com uma pequena exceção: Simpson já havia excursionado com os Beatles para a Alemanha diversas vezes. Pelo menos foi o que alegara e o que fez com que ele fosse escolhido como o primeiro empresário da banda. Foi exatamente nessa época que o Earth passaria a ser conhecido pelo nome que fez seus músicos entrarem para a história, Black Sabbath.
Interlúdio: A cultura dos anos 60 e o surgimento do satanismo
Os anos 60 foram marcados pela liberdade cultural. Foi a época da revolução da contracultura, dos hippies, "paz e amor", etc. Grande parte dos movimentos culturais da década eram formas de procurar novas alternativas que os afastassem do padrão cultural imposto principalmente pelos Estados Unidos e seu "American way of life" nas décadas anteriores.
O movimento hippie, no entanto, não era muito homogêneo. Muito pelo contrário. Devido ao fato de pregar a liberdade de pensamento, o movimento acabou abrindo espaço para o surgimento de manifestações culturais menores que acabavam se distanciando dos seus princípios originais. Todas as formas de experimentações e rompimento das regras impostas pela dita sociedade eram válidas. E isso também acabou se estendendo pelo terreno religioso. Se até então o protestantismo e o catolicismo ocidentais eram quase que uma regra, os movimentos culturais dos anos 60 abriram espaço para que religiões como o hinduísmo, budismo e até mesmo o islamismo se tornassem mais conhecidas e acessíveis no ocidente. Nessa onda, o satanismo começou a se popularizar aos poucos.
Não se sabe exatamente quando ou onde se originou o satanismo nos moldes praticados pelo ocidente. Acredita-se que ele se baseie em rituais pagãos praticados há milhares de anos por comunidades européias e da Oceania. Acredita-se que o satanismo tenha chegado aos Estados Unidos através de comunidades rurais de imigrantes, que tinham o costume de fazer oferendas ao "coisa ruim" como forma de alcançar a prosperidade. Os rituais de oferendas geralmente ocorriam em meados de maio, próximo da época do plantio, em um dos feriados instituídos pelos celtas, conhecido como Beltrane. Durante a celebração - um verdadeiro bacanal repleto de sexo, bebidas, frutas e carnes - oferendas eram entregues a um representante de Belzebu na Terra, para que a colheita fosse próspera. Deturpações do ritual incluíam sacrifícios de virgens e crianças, também oferecidas ao Senhor das trevas. Desse ritual veio o nome "sabbath", "sabá" em português.
Então, no clima libertário dos anos 60, tornar-se satanista virou moda. O satanismo se espalhou, principalmente na arte e em especial no mundo pop. Até mesmo a Igreja Satânica foi fundada por Anton Lavey, auto-dominado "sacerdote de Satã". Outros famosos que abraçaram a doutrina foram o guitarrista do Led Zeppelin Jimmy Page (um dos poucos que continuou pesquisando o assunto quando a moda passou, chegando ao cúmulo de, em 1972, adquirir um castelo que pertencera à Aleister Crowley), Mick Jagger, Keith Richards e os demais Rolling Stones, que chegaram a lançar um álbum intitulado "Their satanic majesties request" e o hit "Sympathy for the devil".
A influência do satanismo chegou mesmo ao cinema e em 1968 Roman Polanski filmou o clássico O bebê de Rosemary, que muitos consideram como o primeiro filme a tratar de forma sóbria o satanismo que se popularizava no ocidente. Infelizmente, para Polanski, a mesma liberdade cultural que tornou seu filme um clássico também foi a responsável pela morte de sua esposa da época, a atriz Sharon Tate, assassinada pelo bando de malucos de Charles Manson.
No fim dos anos 60, o satanismo já era parte da cultura ocidental e sua influência é exercida até os dias atuais, sendo ele - em parte - o responsável por ter alavancado as carreiras de bandas como o Kiss e o Iron Maiden, dentre outros. Além, é claro, do Black Sabbath.
Finalmente, surge o Black Sabbath
Foi vivendo a influência desse clima cultural que, em um sábado à noite, Geezer Butler foi assistir a um filme de terror no cinema perto de casa. Estrelado pelo legendário Boris Karloff, a película de 1963 se intitulava "Black Sabbath" (O Sabá Negro) e a trama girava em torno dos rituais organizados por bruxas e bruxos à meia-noite, com o intuito de invocar o "coisa-ruim".
Geezer ficou impressionado com a reação do público ao filme e, ao chegar em casa, começou a rabiscar uma música que levava o nome da fita. Já havia alguns dias que Geezer e os demais estavam tentando compor músicas próprias. Até então, o repertório da banda era exclusivamente composto de covers.
Ainda sob a influência do filme e da reação do público, Geezer chegou ao ensaio no dia seguinte e comentou com os demais membros suas impressões. Falar do capeta estava na moda e poderia ser uma boa tendência a ser seguida. Ele mostrou aos outros a letra em que estava trabalhando e, desta forma, um dos maiores clássicos do heavy metal foi adquirindo forma.
Os dias 25, 27 e 28 de abril, 3, 10 e 20 de maio marcam o início de uma excursão do grupo à Alemanha, começando por Hamburgo. A boa repercussão fez com que a banda conseguisse novas datas e excursionasse não só pelo território germânico, mas também na Inglaterra durante todo o mês de maio. A fama conseguida nesses dias garantiu mais duas datas em Hamburgo, nos dias 12 e 16 de junho. E foi nestes shows que eles resolveram testar se a postura satanista funcionaria.
Já no final da apresentação do dia 12, Ozzy anuncia uma nova música. Iommi e Ward introduzem uma canção sombria, com uma letra assustadora e inovadora para a época. A precisão dos músicos aliada à performance teatral de Ozzy Osbourne faz a casa de shows quase vir abaixo, tamanha a empolgação do público. E fica decidido: Dali por diante, o Earth seria conhecido como Black Sabbath e adotariam um visual mais sombrio, macabro, soturno, tornando-se a primeira banda "dark" da história do rock.
Quatro meses depois, a banda já possui um número razoável de fãs e em novembro de 1969, um executivo da Vertigo Records aparece no escritório de Jim Simpson em Birmingham com uma proposta de contrato. No começo de dezembro, Ozzy, Iommi, Geezer e Ward entram em estúdio para a gravação de seu primeiro álbum, "Black Sabbath"!
O primeiro álbum e os primeiros problemas
Black Sabbath (o álbum) demorou exatos três dias para ser gravado e mixado, custando míseros 1.200 dólares. Apesar de ter sido gravado de forma um tanto quanto amadorística e experimental, e talvez por causa disso, o disco é um marco no que diz respeito a gravações de disco de rock pesado. Nunca antes um álbum teve o trio baixo-guitarra-bateria soando tão seco e direto e com uma ênfase tão grande nas distorções. Mérito do produtor Roger Bain.
Para alavancar as vendas do álbum, a Vertigo decidiu lançar um single. A primeira música de trabalho marca a primeira briga dos músicos com a gravadora. O problema é que a banda queria a música "Wicked world", já a Vertigo acreditava que uma música mais levada para o pop daria mais certo. A escolha da gravadora era um cover da banda Wegand-Waggoner, chamada "Evil woman (dont play your games with me)", que havia sido um sucesso nos anos 60. A Vertigo acabou ganhando a briga, em parte. O single foi lançado com "Evil woman" no lado A e "Wicked world" no lado B. O tal cover é talvez a pior canção já gravada pelo Black Sabbath. Nenhum dos músicos da banda queria gravar a dita e o fizeram da forma mais desleixada possível, até mesmo como uma forma de protesto. Segundo consta, a banda nunca a tocou ao vivo em seus shows, sempre dando preferência à "Wicked world".
Depois de muita discussão e negociações dentro da Vertigo - muitos executivos desaprovavam a contratação e a postura da banda - Black Sabbath chega às lojas no dia 13 de fevereiro de 1970, "coincidentemente", uma sexta-feira 13. O vinil já chama atenção não só pela famosa capa da bruxa saindo de uma casa mal-assombrada, que estimularia discussões sobre as tais mensagens ocultas nas capas de discos, coisa que era uma moda na época, como também pela presença de uma cruz invertida na contracapa, contendo, em seu interior, o poema "Still falls the rain" ("Ainda cai a chuva"), que foi adicionado ao álbum sem que os membros da banda tivessem conhecimento. Um poema escolhido à dedo por Jim Simpson e os executivos da Vertigo, já que tem tudo a ver com a letra da faixa título. (A íntegra de "Ainda cai a chuva" pode ser vista mais abaixo, na seção curiosidades.)
Muitos críticos mais enjoados consideraram Black Sabbath "música feita por e para macacos". Mesmo assim, e quase sem ter o apoio de rádios e contando com muito pouca publicidade, o disco foi capaz de chegar à liderança das paradas, encerrando um reinado que já durava seis semanas de Let it be. É isso mesmo, o álbum de estréia do Black Sabbath desbancou nada mais, nada menos que o álbum póstumo dos Beatles. Nada mal para um material estranho e pouco convencional.
A partir daí, o Black Sabbath começou a vivenciar todas as glórias e mazelas que acompanham o sucesso. De uma hora para outra, a banda começou a tocar em casas sempre lotadas e excursionar por toda a Europa. O grande sucesso da banda pode ser atribuído, em parte, ao grande número de seitas satânicas que haviam surgido na Europa naquela época. Essas seitas acabaram elegendo a banda como seus maiores ídolos - alguns mais malucos consideravam os membros da banda como uma espécie de "guias espirituais" - e os acompanhava por todos os lugares onde se apresentavam. Isso fez um bem muito grande para a fama do Black Sabbath e gerou matérias em jornais e revistas britânicas, chamando bastante a atenção de mídia e público. Este sucesso possibilitou que a Vertigo investisse pesado no lançamento do álbum nos Estados Unidos, que, no fim do ano, já havia alcançado o 5º lugar na parada da Billboard. Para ser lançado nos Estados Unidos, no entanto, a capa do disco foi alterada. A censura americana barrou a capa original e a bruxa foi substituída por uma cruz. A capa original só seria conhecida pelos americanos anos mais tarde. Eita "terra da liberdade"...
Voltando a falar do Demo, a postura satanista trouxe excelentes frutos ao Black Sabbath, mas também um grande incômodo. O problema é que, apesar da postura e das letras, os membros da banda não eram adeptos à rituais de magia negra e coisas do tipo. A presença cada vez maior de satanistas em seus shows chegou a incomodar Tony Iommi que certa vez comentou com Jim Simpson que achava que as pessoas estavam levando a banda muito a sério. E algumas estavam mesmo.
Em agosto de 1970, depois de tocar para 1.200 pessoas em Leicester, Inglaterra, o empresário Jim Simpson recebeu o telefonema de uma tal "Madame Svetla", que gostaria que o Black Sabbath se apresentasse em Hamburgo, durante uma convenção na qual se reuniriam vários grupos ocultistas. Uma convenção de bruxos, pra ser mais claro.
Jim se prontifica a marcar a data com a banda, mas eles se recusam a ir. Ao saber disso, Madame Svetla lança uma maldição sobre a banda, via telefone mesmo, na qual dizia que eles morreriam em um acidente na estrada, perderiam seu talento e que desgraças se abateriam sobre seus familiares. A coisa piora quando os membros da seita comandada por ela descobrem os números dos telefones das casas dos membros do Black Sabbath e começam a telefonar para cada um deles de forma incessante, reiterando a maldição. É nisso que dá recusar um convite pra prestar homenagens ao Tinhoso...
As coisas ficam tensas dentro da banda e seus membros vivem cada vez mais paranóicos e com medo de que algo lhes acontecesse. A neura só diminuiria quando, ao visitar seus pais em Birmingham, Ozzy conta a seu pai sobre as ameaças recebidas. Ao saber do que ocorria, Thomas se enfiou em sua oficina caseira e saiu de lá com uma pesada cruz de alumínio e mandou Ozzy usá-la. Se ele a usasse e mantivesse sua fé, nada de mal lhe aconteceria. Quem assistiu ao reality-show "The Osbournes" e estranhou o fato da casa de Ozzy ter crucifixos em praticamente todos os cômodos, já pode saber de onde veio a obsessão de "Mr. Madman" por tais objetos.
O senhor Thomas fez ainda cruzes semelhantes para os demais membros do Black Sabbath. Há pouco tempo, em uma entrevista, Bill Ward disse o seguinte sobre o assunto: "Foi um dos melhores presentes que já ganhei em minha vida. Estávamos passando por um estado tal de paranóia que eu simplesmente não sei o que poderia acontecer se continuássemos daquele jeito. Até hoje eu tenho a minha cruz, guardada - aquela que o pai de Ozzy fez pra gente!".
A perseguição das seitas satânicas não diminuiu depois disso. Na verdade, tudo iria piorar muito antes de melhorar. No entanto, aos poucos, os membros do Black Sabbath aprenderam a lidar com a situação e até mesmo tirar proveito de tudo aquilo. Não são poucas as histórias de verdadeiras orgias envolvendo os membros da banda e seguidoras de seitas satânicas.
Com os ânimos renovados e embalados pelo sucesso, era hora do Black Sabbath entrar em estúdio para gravar o maior álbum de sua carreira: Paranoid.
Álbum novo, problemas antigos
"Paranoid" foi gravado quase que no mesmo esquema de experimentação de seu predecessor, levando quatro dias para ser finalizado. Pode-se dizer, sem medo de errar, que este é o melhor álbum de toda a longa carreira do Black Sabbath, concentrando o maior número de clássicos produzidos pela banda e um marco na história do heavy metal, que começou realmente a chamar a atenção após Paranoid conquistar o mundo. Nunca o quarteto formado por Ozzy, Iommi, Geezer e Ward funcionou ou voltaria a funcionar tão bem quanto neste segundo álbum da banda.
"War Pigs" é a faixa de abertura e já mete o dedo na ferida, ao fazer uma crítica à guerra e aos homens que a propagam. É uma crítica especialmente dirigida aos altos escalões das Forças Armadas, generais e demais oficiais que cuidam do planejamento de ações militares, mas não encaram o inimigo. Ao invés disso, enviam jovens soldados e oficiais de graduação inferior para a frente de batalha, ficando eles mesmos distantes e salvos na segurança dos quartéis. A letra chega a comparar os tais generais discursando às tropas com bruxas falando para seus seguidores. A composição em si começa com um dos mais conhecidos e perfeitos riffs de guitarra da carreira de Tony Iommi e tem diversas mudanças de andamento, construídas sobre um ritmo quase marcial, que lembra as marchas dos soldados nos quartéis. Uma das canções mais trabalhadas do Black Sabbath, não é à toa que ela foi escolhida pela banda não só para abrir o seu segundo LP, como também para intitulá-lo. E isso gerou um grande problema com a Vertigo, do qual falarei abaixo.
"Paranoid", a faixa título, acabou se tornando, a contragosto da banda, a canção mais conhecida do Sabbath. Contém um riff de guitarra fantástico, considerado por muitos como o melhor de todos os tempos.
"Planet Caravan" vem a seguir e é uma faixa mais cadenciada. Acústica, com alguns efeitos de guitarra bem colocados, é uma canção pra lá de melancólica, na qual a voz de Ozzy tem um papel fundamental.
"Iron Man" é outro clássico imortal da carreira do Black Sabbath. Recheada de riffs e solos de guitarra cativantes é o ponto alto da carreira de Tony Iommi. A letra conta a história de um homem que se transforma em algo maldito para desencadear sua vingança contra a humanidade.
"Eletric Funeral" é uma das músicas mais macabras da carreira do Sabbath. Seu ritmo é lento, cadenciado e, ao mesmo tempo, pesado e sombrio, com destaque novamente para o vocal de Ozzy e para a letra, que relata a história de um mundo devastado pela radiação atômica.
"Hand of Doom" é a faixa mais trabalhada do disco. Com diversas mudanças de ritmo, é outra crítica à guerra, mas, desta vez, o alvo é o conflito no Vietnã, que estava ocorrendo à época. A letra se concentra nos soldados que, na frente de batalha, usavam drogas como uma tentativa de escapar da realidade opressora que os cercava.
"Rat salad" é uma música instrumental, que mostra toda a competência da "cozinha" da banda, formada por Iommi, Geezer e Ward.
Finalmente, "Fairies wear boots" fecha a obra-prima do Black Sabbath. É a canção mais simples e despretensiosa do álbum e relata um incidente acontecido nos primeiros dias da banda, no qual seu equipamento fora roubado por um bando de skinheads, que seriam as tais fadas do título.
Como foi dito lá em cima, a idéia inicial era que o disco se chamasse War Pigs, tanto que a capa com o homem segurando uma espada e um escudo foi bolada em cima disso. Porém, os executivos da Vertigo não gostaram muito da idéia de que uma faixa criticando a guerra fosse o carro-chefe do LP, ainda mais porque a gravadora tinha o objetivo de escancarar as portas do mercado americano para o Black Sabbath. Lembrem-se que naquela época rolava a guerra do Vietnã e o assunto era recheado por polêmicas e tabus.
Aí começou o segundo cabo-de-guerra entre Jim Simpson e o Black Sabbath e a Vertigo. Simpson e a banda queriam que o álbum se chamasse War Pigs e que esta fosse a faixa de abertura; os executivos da Vertigo haviam se apaixonado por Paranoid e, por isso, queriam que ela fosse a faixa de abertura, que desse nome ao álbum e que "War Pigs" fosse empurrada pro lado B e ficasse meio que escondida ali ou mesmo nem fosse lançada. Depois de muita discussão, chegou-se a um consenso: o álbum se chamaria Paranoid, mas "War Pigs" seria a faixa de abertura. Pra não sair em desvantagem, a Vertigo fez com que a banda assinasse um contrato no qual era estipulado que, se o álbum não vendesse um número pré-determinado de cópias nos Estados Unidos, a segunda prensagem sairia com as mudanças propostas pela gravadora.
Em outubro de 1970, Paranoid desembarca nas lojas e escoa das prateleiras. Alcança as primeiras paradas em diversos países, chegando ao primeiro lugar da parada inglesa. Em dezembro, repete o feito nos Estados Unidos. Alcança nada mais, nada menos, do que quatro milhões de cópias vendidas em terras ianques. Com isso, a banda é agraciada com um disco de platina duplo e agenda cheia para excursionar por toda a América e Europa.
Era a consagração definitiva daqueles quatro garotos das ruas de Birmingham que, de membros de gangues e alunos medíocres, passaram a reis do rock pesado. Hoje sua cidade natal até mesmo lhes presta homenagens, dedicando um dia especial à seus filhos mais ilustres.
De 1969 a 1979 o Black Sabbath fez suas maiores turnês e lançou seus álbuns mais antológicos. Em 79, Ozzy foi despedido pela banda, que perdeu todo o seu carisma. Vocalistas de maior calibre, como Ian Gillan (Deep Purple) e Ronnie James Dio ocuparam a vaga deixada pelo "Madman", sem conseguir transmitir toda a loucura da qual só Ozzy é capaz.
Nos anos 80 o Black Sabbath mergulhou no ostracismo que detonou o fim da banda. Na segunda metade dos anos 90 eles tentaram uma reunião, com o quarteto original, que resultou em um álbum e uma curta turnê. Quando os problemas de antigamente voltaram a aparecer, a banda se desfez novamente. Desde então, cogita-se uma nova reunião que, a cada dia, torna-se mais improvável.
Curiosidades:
1. Eis, na íntegra, o poema "Ainda cai a chuva", presente na contra-capa de Black Sabbath.
"Ainda cai a chuva"
Os vestígios da escuridão se amoldam às árvores escurecidas
Que, contorcidas por uma violência desconhecida
Deitam suas folhas cansadas, e dobram seus galhos
Frente à Terra decadente, repleta de asas de pássaros
Entre as folhagens, cães sangram diante da morte gesticulante
E jovens coelhos, nascidos mortos em armadilhas
Permanecem imóveis, como se guardando o silêncio
Que ecoa e ameaça engolir
Todos aqueles que se atrevem a escutá-lo
Pássaros mudos, cansados de repetir os horrores de ontem
Gorjeiam juntos no recesso das colheitas malditas
De cabeças retornadas dos mortos,
Do cisne negro que flutua desvanecido em uma pequena poça na choça
Dali emerge uma inebalável e misteriosa bruma
Que traça seu caminho em direção a circundar os pés
Da estátua degolada de um mártir
Cuja única realização foi morrer muito cedo,
E que não poderia esperar a derrota
A catarata da escuridão se forma densa
E a longa noite macabra se inicia,
Ainda perto da lagoa, uma jovem garota espera,
Ainda que ela acredite ser ela mesma etérea
Ela sorri tenebrosamente ao tocar de sinos distantes,
... E a chuva continua caindo".
2. "Paranoid" foi composta e gravada em cerca de dez minutos. O petardo foi resultado de uma das jam sessions que Iommi e Geezer gostavam de fazer no estúdio, enquanto trabalhavam nas idéias para suas músicas. À tal jam foi acrescentada a bateria acelerada de Bill e coube a Ozzy criar uma letra em cima de tudo. A letra reflete o estado de espírito do vocalista após ter sido largado por uma namorada anos antes. Em cinco minutos, o resto da música foi composto e em mais três ela foi gravada apenas com o intuito de "ocupar espaço" no álbum, que já estava com um volume bem legal de material. Quem diria que essa brincadeirinha se tornaria um dos maiores clássicos do rock and roll?
3. No final de 1968, Ian Anderson, vocalista do Jethro Tull assistiu a uma apresentação do Earth e, impressionado pela versatilidade de Tony Iommi, convidou-o para integrar sua banda em algumas apresentações. Iommi permaneceu com o Jethro Tull por duas semanas antes de voltar para sua banda e o único registro do guitarrista ao lado de Ian Anderson e sua trupe encontra-se no DVD The Rolling Stones rock and roll circus.
Influências:
Beatles, Rolling Stones e músicos de Jazz e Blues.
Influenciados:
Iron Maiden, Judas Priest, Sepultura, Faith No More, Type O Negative, Iced Earth e por aí vai...
Frases:
- "Pai! Mãe! É a minha voz num pedaço de plástico!" - Ozzy Osbourne, chegando em casa em Birmingham, com uma das primeiras cópias do álbum de estréia da banda debaixo do braço.
- "Nunca vou me esquecer do adiantamento que recebemos pelo primeiro disco. Foram 105 libras, e eu nunca havia ganhado tanto dinheiro em toda minha vida. Fui direto comprar uma camisa nova e a maior garrafa de Brut que encontrei. E o resto do dinheiro dei para meus pais" - Ozzy Osbourne.
- "De repente, recebíamos da Vertigo um adiantamento que era mais libras em nossos bolsos do que jamais poderíamos juntar em seis meses de apresentações - seis meses das piores e mais duras turnês que fazíamos no começo! Aquilo tudo era como um sonho, que estava se realizando ali, na nossa frente". - Tony Iommi
- "O quê?!? Estão brincando? Agora, se fizermos "hip-hip-hurrah" no estúdio, eles vão querer lançar como single também???" - Geezer Butler, ao saber que a Vertigo queria lançar "Paranoid" como single e não "War Pigs", como era vontade da banda.
- "E aí, amorzinho, que tal sair com o rei do mundo agora? Ah, aproveite e diga aos bundões aí que eles podem comer aquele contrato com a cláusula da prensagem!" - Ozzy Osbourne em telefonema a uma secretária da Vertigo, ao saber que "Paranoid" havia alcançado o primeiro lugar nos Estados Unidos.
Assista, ouça e navegue pelo Omelete
Assista:
- The Black Sabbath story - Vídeo que mostra os primeiros dias do Black Sabbath, trazendo inclusive trechos de músicas inéditas gravadas pela banda antes mesmo de lançarem seu álbum de estréia.
- The Rolling Stones rock and roll circus - Apresentação que reúne diversos grandes nomes dos anos 60 do rock inglês, como Mick Jagger, John Lennon, The Who entre outros.
Ouça:
- Black Sabbath - O primeiro álbum, trabalho que começou a mostrar o Black Sabbath para um mundo atônito, que ainda não estava preparado para o nascimento de uma banda que executasse uma música naqueles moldes e que é o marco zero do gênero musical conhecido como Heavy Metal.
- The Ozzman Cometh - Coletânea da carreira solo de Ozzy, que traz alguns clássicos do Sabbath. Dentre elas incluem-se as versões originais de "N.I.B" e "Behind the wall of sleep", presentes em Black Sabbath.
Navegue:
- www.black-sabbath.com
- www.ozzy.com
- www.iommi.com
- www.geezerbutler.com
- www.billward.com
- www.blacksabbath.cjb.net
No Omelete:
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