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Como Folklore muda tudo para Taylor Swift

Sem grandes estratégias comerciais ou hits óbvios, a maior novidade do novo álbum da cantora é seu mundo mágico de narrativas não vividas

04.08.2020, às 14H10.
Atualizada em 04.08.2020, ÀS 14H53

Há três anos, Taylor Swift começou o álbum Reputation com “... Ready for It?”, uma declaração bem pontual de que o que estava por vir não seria familiar. E não foi. Reputation marcou novas sonoridades sombrias e introduziu uma Taylor bem menos amigável. Dois anos depois, Lover chegou abrindo uma nova fase com a primeira música “I Forgot That You Existed”. Poucas faixas do sétimo álbum da cantora deixam tão clara a mensagem de que o rancor ficou para trás e o que aconteceu já passou. O trabalho, mais leve e autocelebratório, trouxe uma fase mais independente de Swift muito por causa da ideia de águas passadas. 

Agora, sem estratégias comerciais de aquecimento ou single para preparar para a bomba que viria, Swift retornou no ano da quarentena com Folklore, seu trabalho mais diferente até hoje. E ele começa de um jeito novamente bem representativo. “the 1” imagina como a vida teria sido diferente se um amante antigo tivesse se tornado seu grande amor. A canção, apesar de não ser exatamente revolucionária por si só, abre portas para um outro tipo de composição para Swift, totalmente inédito, e não apenas porque abre Folklore com um palavrão na primeira frase. As novas canções de Swift vêm de outro lugar de sua mente, são escritas de um mundo mais fantasioso, e trazem a compositora investindo muito mais em uma vida não vivida do que explorando acontecimentos pontuais de sua biografia. 

São muito mais personagens, acontecimentos diferentes e, mais importante, diversos pontos de vista, representando uma das mudanças mais empolgantes na carreira de Swift. Combinando perfeitamente com a estética cinza de Folklore, não é exagero dizer que a obra não tem preto e branco, não há julgamento de valor; certo e errado se misturam de forma fluida. Em Folklore, Swift é diferentes personagens, que cometem erros, que traem, que amam, se apaixonam, esquecem, e seguem em frente. A coleção de sentimentos, que são escritos de maneira mais poética e subjetiva, cria espaço para o álbum, talvez, mais humano de Swift. Os sentimentos de Folklore, ao contrário do estilo mais familiar até hoje da cantora, não são exclusivamente dela. São universais. 

Claro que Taylor Swift não se emancipou totalmente dos temas que sempre a inspiraram, e eles continuam aqui, desde o seu namoro atual a seus inimigos e, inclusive, sua rixa com a antiga gravadora, que atualmente detém o direito de seus primeiros álbuns. Mas quando a cantora reflete sobre estes assuntos em Folklore, o resultado é algo mais melancólico e figurativo. Talvez o maior exemplo disso seja “My Tears Ricochet”, uma letra que parece narrar seu funeral, mas muito provavelmente fala com os executivos da Big Machine. “Você usa as mesmas jóias que eu te dei enquanto me enterra” é uma das melhores frases de Folklore, e uma das muitas imagens fantasmagóricas que aparecem no álbum. 

Muito por causa dos aprendizados demonstrados e dessas assombrações presentes em Folklore, o oitavo álbum de Swift também soa de alguma maneira quase póstumo. É por causa do distanciamento que a cantora toma de si mesma e de sua vida que ela é capaz de ter uma visão maior e criar um universo amplo. Aqui, ela toma uma posição de cima, e olha para um mundo distante, sem julgá-lo, mas admirando um universo e sua complexidade. Não à toa, a incorporação de diferentes personalidades em um disco só também faz com que Swift flutue em suas interpretações: enquanto um sotaque inglês surge em trechos de “Cardigan”, sua puxada country no vocal aparece em “Betty”. 

Outro elemento claro da evolução de Swift pode ser percebido em suas canções mais feministas. Enquanto Lover nos trouxe a ótima “The Man”, Folklore traz o discurso da liberdade feminina, tantas vezes confundida por loucura, em formas mais sutis e amplas. Swift reflete sobre estas questões ao recontar a história da socialite Rebeka Harkness em “The Last Great American Dynasty” mas principalmente em “Mad Woman”, uma das melhores letras do disco. 

Swift daqui para frente 

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Em termos de som, não haveria como analisar Folklore sem passar pelos nomes que estão por trás de Swift no disco, seu produtor Jack Antonoff - que veio para levar a cantora na direção mais próxima à Lana Del Rey - e Aaron Dessner, do The National, provavelmente o maior responsável pela sonoridade absolutamente distinta de Folklore no contexto da discografia da artista. Mas, enquanto as mudanças de estilo e arranjo são as mais óbvias e imediatamente perceptíveis em Folklore, a revolução de 2020 para Swift é em suas letras. O que Antonoff e Dessner significam é mais um desprendimento sonoro que também torna seu futuro mais intrigante, mas não são exatamente os motivos de sua revolução.

A ideia de narrativas universais faz sentido com a tradição de música folk que Folklore pretende passar, mas quando se fala de sonoridade, o álbum de Swift está muito mais fundamentado nas bases de um indie alternativo ou electro folk que não, não deixa o pop para trás. Seu movimento maior é um abandono do pop mais radiofônico, e esta é outra mudança muito bem-vinda. Desde a primeira frase do álbum, o desprendimento com as rádios - que censuram palavrões e se distanciam de letras com “shit” ou “fuck” - é bem claro. O irônico é que Folklore marcou um sucesso bombástico há algum tempo não atingido pela própria cantora. Ela chegou ao topo das paradas de álbuns e músicas simultaneamente (e se tornou a primeira artista a fazer isso), e “Cardigan” se tornou seu primeiro número 1 desde “Look What You Made Me Do”.

Claro que é chover no molhado dizer que Swift amadureceu. Seria esperado que uma artista fizesse isso sempre, principalmente na idade que a cantora se encontra, tendo ela feito isso de modo consistente durante toda a sua discografia. Mas a mudança que chega agora na carreira de Swift faz dela não apenas uma compositora e letrista mais completa, como também mais desafiadora e inventiva, seguindo os passos de Beyoncé, cujas decisões artísticas estão acima das tendências radiofônicas. É uma fase muito bem-vinda, que não apenas torna o contexto atual do pop mais diversificado, como eleva uma estrela do gênero à uma compositora ainda mais eclética e intrigante.