Um dos efeitos da pandemia é a hegemonia dos streamings na lista de indicados ao Oscar 2021. Só a Netflix conseguiu 35 indicações, número comparável ao recorde da United Artists em 1941, com 45 indicações no Oscar daquele ano. A Caminho da Lua, que concorre à estatueta de melhor animação, é um desses filmes, e ao melhor estilo Netflix proporciona um momento de conforto e escapismo, mas sem desperdiçar a chance de contar uma história emocionante e significativa.
O filme foca em Fei Fei, garota de 12 anos que enfrenta dificuldades em superar o luto pela mãe e aceitar a nova noiva de seu pai. Ainda impressionada pelas lendas que sua mãe contava sobre a deusa da Lua, Chang’e, e chateada por descobrir que seu pai nunca acreditou de verdade na história, a menina decide construir um foguete para viajar até o satélite para comprovar a existência da divindade, acreditando que isso fará o pai desistir do novo casamento.
A trama em si de A Caminho da Lua não traz grandes novidades. Colocar uma criança em uma jornada que leva ao autoconhecimento é inclusive a força motriz por trás dos também indicados Dois Irmãos e Wolfwalkers. O que faz o longa se destacar é seu cenário mergulhado na cultura chinesa e a delicadeza com que o luto e sua superação são tratados. A conexão de Fei Fei com sua mãe está presente em seu penteado, suas roupas e em sua dificuldade de aceitar qualquer pessoa ou coisa que não pertença à sua família. Relacionável, Fei Fei é uma boa representação de uma pré-adolescente passando por problemas emocionais e que se esconde de suas mágoas se isolando e criando um mundo próprio.
Embora acompanhar Fei Fei em sua jornada proporcione vislumbres de um mundo colorido e alegre, o foco quase exclusivo na garota prejudica todos os outros personagens do longa, que são pouco desenvolvidos além de nomes e algumas emoções básicas. Chin, por exemplo, passa quase todo o filme sendo ostracizado pela protagonista, mas, sem qualquer explicação, se mostra determinado a fazer Fei Fei aceitá-lo como irmão. A própria deusa Chang’e termina a história mal explorada e, com exceção de um momento tocante no clímax de A Caminho da Lua, parece mais uma pop-star mimada do que uma divindade milenar.
Felizmente, A Caminho da Lua se sobressai no visual. Misturando elementos fantásticos e saídos da ficção científica com detalhes de artes e lendas chinesas, o longa cria um visual impressionante e distinto. Seja no fantástico reino lunar ou na Terra, a atenção a cada detalhe do cenário e da fisionomia dos personagens é perceptível e a delicadeza com que a cultura chinesa é representada torna a experiência de assistir ao longa agradável, embora no fim pareça mais uma sequência de videoclipes do que uma jornada propriamente dita.
A Caminho da Lua talvez não chegue ao Oscar como grande favorito, mas cumpre seu objetivo de tocar e entreter em proporções iguais. Otimista, divertida e fofa, a animação entrega o entretenimento despretensioso que se faz necessário em um mundo que há mais de um ano vive com a preocupação causada pelas dificuldades da pandemia.