O protagonista de Amor e Monstros se chama Joel, e antes que alguém acuse similaridades com The Last of Us nesta aventura pós-apocalíptica, o filme desarma sem vergonha o espectador ao cruzar o caminho do herói com o de um velho e uma menina. Da mesma forma, a ideia de adolescentes que enfrentam os perigos do mundo como jornada de amadurecimento talvez lembre Conta Comigo - e Amor e Monstros a certa altura vai lá e coloca “Stand by Me” para tocar.
É como se o filme estrelado por Dylan O’Brien estivesse tão consciente de um certo esgotamento de fórmulas que a única solução possível fosse mesmo assumir que essas fórmulas - por esgarçadas que estejam, o que é traduzido no filme em forma de piada - podem ainda funcionar. Confiar nelas, portanto, seria algo próximo a um salto de fé, muito parecido com aquele que o jovem Joel executa ao decidir deixar sua colônia subterrânea para procurar um antigo amor a uma centena de quilômetros em terreno selvagem, cheio de insetos, anfíbios e crustáceos gigantes.
O histórico do roteirista Brian Duffield, mais conhecido pelo terror A Babá, já demonstrava essa predisposição para a brincadeira de gênero. O que acontece em Amor e Monstros, porém, não é um exercício cínico como Zumbilândia, onde as referências pop se encerram em si mesmas e o filme parece existir somente em função delas. Duffield e o diretor Michael Matthews na verdade tecem comentários de carga metalinguística (inscritos principalmente em toda a narração em off de O’Brien) apenas para se antecipar e anular o eventual cinismo que o espectador possa trazer consigo ao “entrar” no filme. Uma vez dentro dele, o que vale é a confiança no material e nas convenções de gênero.
É isso que permite que Amor e Monstros transite tão à vontade e graciosamente por situações variadas de terror de monstro, filme de travessia, comédia romântica e aventura de parceiros. O filme está indicado ao Oscar de melhores efeitos visuais e isso é obviamente o apelo central, neste modesto exemplar de cinema de atrações, mas o que faz Amor e Monstros funcionar, mesmo, é a crença na fabulação: pressupor que o espectador vai encarar uma boa e velha suspensão de descrença, se o próprio filme mostrar que acredita no que está contando, autoconsciente mas sem cinismos.
O resultado parece algo que Joe Dante faria numa eventual adaptação de Fall Out, um filme de fim de mundo que não fica remoendo chatices funcionais (do tipo: que tecnologia parece crível, o que é preciso carregar na mochila ou o que cada animal comeria) e sim enxerga o potencial de parque de diversões que é conceber set pieces no meio do mato com bichos gigantes. Em outras palavras: a polícia da verossimilhança vai chiar; ao longo do filme acompanhamos um herói de apocalipse que mal se preocupa com suprimentos ou munição além de uma besta caseira, um colar para a garota e um livro de desenhar.
Isso pode parecer displicência de roteirista mas é um manifesto muito consciente contra as burocráticas narrativas sombrias-e-realistas. A crença na fabulação e nas convenções de gênero fica muito evidente no apreço que Joel tem pelo seu livro, onde ele desenha criaturas como um guia de sobrevivência. Essa é uma das formas visuais que o filme arruma para defender o poder da imaginação contra a tecnocracia do verossímil, sem recorrer a uma solução literal de metalinguagem como fizeram A História sem Fim ou Coração de Tinta.
É curioso acompanhar um filme que elege suas prioridades de forma tão convicta e concisa, porque depois parece que sobra tempo para fazer graça, sem isso soar como um excesso. No caso, Duffield e Matthews não perderiam, claro, a oportunidade de zoar justamente a paranoia do funcional: sempre que Joel explica por que saiu de sua colônia, os outros personagens perguntam se ele foi expulso por roubar comida. Que obsessão é essa com a comida? Ela parece muito válida em filmes sérios, sombrios e realistas de fim de mundo como A Estrada, mas em Amor e Monstros essa preocupação seria francamente uma distração, até um fardo. Mais importante é ainda lembrar como se divertir.