Uma verdadeira comoção tomou conta das redes sociais quando a Netflix anunciou um seriado adaptando Os Bridgertons, série literária de Julia Quinn que começou a ser publicada em 2000 com o livro O Duque e Eu. Com 9 obras ao todo, a franquia ganhou cada vez mais fãs ao longo dos anos ao contar a história da família do título e sua jornada pela sociedade aristocrática inglesa. Engana-se, porém, quem pensa que todo esse sucesso se deve somente às roupas de época e romances aterradores. Junto a tudo isso, Bridgerton tem várias camadas de discussões importantes que, felizmente, estão na série da Netflix.
Vale dizer o quanto a produção é um grande passo para o próprio serviço de streaming. Em uma época com cada vez mais plataformas disponíveis, é uma vitória para a Netflix ter os direitos de Bridgerton, entregando aos fãs um grande investimento em figurinos, cenários, fotografia, etc. Assim como acontece em The Crown, essa é uma oportunidade para a empresa mostrar seu potencial não somente como streaming, mas também como produtora.
Falando sobre a série em si, é curioso como Bridgerton se separa claramente em duas fases ainda na primeira temporada, uma decisão que pode parecer estranha, mas foi acertada. O começo é focado na apresentação de Daphne Bridgerton (Phoebe Dynevor) à sociedade e seus primeiros passos para conseguir um bom casamento. Mas, ainda que a rede de intrigas e fofocas na aristocracia tenha seu charme, essa fórmula já começa a ficar cansativa no terceiro episódio. Ciente disso, o showrunner Chris Van Dusen (Grey’s Anatomy) encerra este arco narrativo na metade da temporada e começa um novo, com Daphne e o Duque de Hastings (Regé-Jean Page) em uma nova jornada. Tal decisão traz um respiro para a história e a segunda fase abre brechas para discussões importantes, que vão além de romances e bailes.
Mulheres da temporada
Os homens fazem parte da história de Bridgerton, mas a história é focada principalmente em personagens femininas, que são diferentes entre si, e trazem olhares diversos sobre o que é ser uma mulher em uma sociedade extremamente patriarcal. A protagonista Daphne, por exemplo, tem o sonho de conseguir um bom casamento por amor e ter filhos. Talvez ela pareça menos interessante por ter interessantes tão “comuns” ao que se espera de uma mulher na época, mas é exatamente o fato de a subestimarmos que torna seus momentos de ascensão tão interessantes. Dentro do contexto da vida que escolheu para si, Daphne mostra força ao confrontar situações com as quais não concorda e amadurece, mostrando sororidade com uma personagem que está sofrendo sozinha simplesmente por ser mulher.
Se a protagonista já traz tantas camadas, as coadjuvantes da história tornam tudo ainda mais interessante. Eloise Bridgerton (Claudia Jessie), irmã mais nova de Daphne, é completamente diferente da protagonista. Ao invés de casar e ter filhos, ela deseja estudar e, mesmo sem entender exatamente o que está fazendo, ajuda outras mulheres ao seu redor a ter voz. Violet Bridgerton (Ruth Gemmell), a viúva e matriarca da família principal da história, mostra como há força no amor e é a responsável por conduzir os filhos e filhas à idade adulta. Já a Lady Danbury (Adjoa Andoh) mostra a importância de lutar pelo que acredita, mesmo diante da teimosia e falta de afeto dos homens da época. Os exemplos são vários e a série se aproveita bem de cada trama para dar pitadas disso ao público. Nada é panfletário ou exagerado: um olhar com mais significado ou uma união para descobrir os segredos sórdidos de um pretendente ruim são suficientes para mostrar que a força de Bridgerton está nas mãos das mulheres.
Dentro desse contexto, há duas personagens que merecem um destaque especial. A primeira delas é Marina Thompson, interpretada por Ruby Barker. Trazida para a série em um contexto diferente dos livros, Marina é uma mulher negra que sofre durante quase toda a temporada e funciona como um contraponto interessante para Daphne. Enquanto a protagonista tem os privilégios de sua família, Marina se sente cada vez mais sozinha, triste e culpada. Nos episódios finais da temporada, aliás, a jovem passa por provações além do normal, em um vai e vem de notícias ruins que são de partir o coração. Marina é forte e mostra como é capaz de fazer o que for necessário por sua família, mas sempre deixando claro como sua luta será sempre maior do que a de outras mulheres.
O segundo nome é aquele que causou burburinho na internet: Lady Whistledown. Com voz original de Julie Andrews, a personagem foi comparada à Gossip Girl da série adolescente, por ser a responsável por um jornal que circula entre a alta sociedade e comenta os momentos bons e ruins dos personagens. Curiosamente, no entanto, o papel da Lady Whistledown é bem menor do que o esperado. Ainda que seu jornal movimente a trama algumas vezes durante a temporada, a maior parte dos acontecimentos importantes de Bridgerton acontece sem sua intervenção, apenas com seu comentário espirituoso como complemento. Lady Whistledown não poderia ser mais diferente da Gossip Girl e isso é positivo. Nada aqui soa como uma cópia, mas como, de fato, uma criação inédita e condizente com a época.
Ainda sem uma segunda temporada confirmada, Bridgerton encerra sua primeira temporada fechando alguns arcos importantes, deixando uma ou outra ponta solta e lidando com seu maior mistério de forma surpreendente. O romance e a sensualidade fazem parte da narrativa e agradam quem procura por uma história com essas características, mas o seriado entendeu que só isso não segura uma narrativa. Apostando acertadamente em diversas personagens femininas, a série é interessante de assistir e pode ter um longo e competente caminho pela frente, caso a Netflix decida adaptar todos os livros de Quinn.