Como parte da longa programação de Natal iniciada em novembro, a Netflix lançou Dash & Lily como mais uma série sobre as celebrações desta época do ano. A produção chegou ao catálogo de modo tímido e há muitas razões para considerar Dash & Lily uma boa opção de entretenimento. A produção-executiva de um dos Jonas Brothers e o nome de David Levithan nos créditos de adaptação já seriam o bastante para chegar ao radar midiático. Mas Dash & Lily é, acima de tudo, uma série sensível, divertida e confortável, do jeitinho que o público tanto anseia nesses tempos de atribulação.
Esse é um traço comum à obra de David Levithan. O escritor tem uma longa carreira junto ao público adolescente, mas seu diferencial está nos registros conceituais de suas histórias. O mundo adolescente de Levithan é complexo, sensível, sagaz e minimalista. Ou seja, nada de grandes eventos, festas, viradas rocambolescas e gente rica e linda passeando pela cidade. Os párias sempre lhe atraíram mais. Dele são os ótimos Will & Will, sobre a amizade entre um jovem gay e outro hétero, que compartilham do mesmo nome; e Todo Dia, que apesar da adaptação cinematográfica medíocre é uma originalíssima história sobre uma consciência adolescente que acorda todos os dias em um corpo diferente.
Levithan também adora escrever em duplas: Will & Will é dele com John Green, e Dash & Lily é sua parceira com Rachel Cohn. Quando escreve com um parceiro, Levithan tem um método incomum. As histórias escritas em dupla sempre são focadas em dois personagens principais e cada escritor fica responsável por um. Ao terminar um capítulo, este era enviado ao parceiro, que tinha que continuar o próximo. Ao terminar, o livro voltava para o colega e assim sucessivamente (os dois já publicaram uma continuação de Dash & Lily). A trama é desenvolvida quase num improviso, já que é impossível planejar o que vai acontecer a partir do momento em que você não sabe para onde o colega vai levar a história. Não espanta, então, que o livro Dash & Lily tenha mais problemas de organização que a série; na adaptação, o trabalho do produtor principal e roteirista Joe Tracz faz coisas muito boas pela trama.
Desafio
Na trama, a jovem Lily (Midori Francis) tem 17 anos, uma família asiática rígida e nunca foi beijada. Ela decide que está na hora de se apaixonar e seu irmão Langston (Troy Iwata) lhe dá a ideia de encontrar um amor a partir de um jogo. Lily cria alguns desafios, anota num caderno vermelho e coloca na prateleira de uma livraria para ser encontrado por quem tope entrar na brincadeira. Quem alcança o caderno é Dash (Austin Abrams), que, mesmo sendo um pouco mais ajustado que Lily, não tem o otimismo que torna a menina tão especial. Assim, ele cético e ela crédula, começam uma dinâmica divertida em que o segredo da identidade de ambos - um para o outro - é o grande ponto de expectativa do espectador.
Em apenas oito episódios de 28 minutos, a trama de Dash & Lily se desenvolve com o típico charme das comédias românticas americanas, que quando se passam no Natal nos envolvem ainda mais, com a neve e as luzes agindo sentimentalmente no resultado final. Nova York nunca pareceu tão lúdica, mas, apesar disso, as coisas entre Dash e Lily não deixam de levar em consideração o mundo ao redor. Dash ainda é o garoto rico que fica sozinho no apartamento dos pais em Manhattan, mas ele é mais que isso. Lily ainda é a menina introvertida que sofreu bullying na escola, mas a maneira como isso determina suas motivações é transmitida para o espectador com elegância. Os clichês são parte essencial da série, mas eles são todos usados com maturidade.
Como em todas as histórias de David Levithan, os protagonistas são carismáticos e os coadjuvantes mais ainda. A série não desperdiça nenhum deles. Da ex-namorada de Dash ao rapaz que fez bullying com Lily na infância, todos conseguem nos fazer querer ver mais deles. O destaque é o irmão de Lily, que contempla o belo trabalho de Levithan na representação gay. Nos livros do escritor, os personagens gays são tratados pelos outros personagens com naturalidade. O fato de serem gays não é o centro motor de suas existências na trama. Langston, irmão de Lily, é outro bom exemplo disso. Além dele, a dupla Jodi Long e James Saito, que fazem a tia-avó e o avô de Lily, encabeçam um elenco maduro corretíssimo.
Dash & Lily talvez seja uma das produções mais aconchegantes deste ano, com sua tentativa quase distraída de nos inspirar a continuar acreditando, mesmo que esse seja o tipo de “mensagem” que faria Dash revirar os olhos e Lily suspirar para o horizonte. Dash & Lily tem corrida para o aeroporto, tem coincidências, tem até um pouco de síndrome de Cinderela. Mas aqui nenhuma menina desengonçada é descoberta pelo bonitão do bairro. Dash & Lily não se salvam. Eles só se encontram.