Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime tem nas mãos um trunfo que muitas produções de true crime -- ou seja, que recontam histórias de crimes reais -- nem sonham em ter: uma entrevista exclusiva com sua personagem central. No caso, Elize, assassina confessa de seu marido, Marcos Matsunaga, a quem também esquartejou.
A minissérie documental dirigida por Eliza Capai (Severinas), sabe aproveitar bem essa entrevista, a primeira e única concedida por Elize, presa desde 2012. As palavras de Elize são o fio condutor de uma narrativa que traz não apenas o seu lado da história, mas a sua própria história. É por meio delas que conhecemos a menina pobre, vítima de abuso, que não via a hora de sair de Chopinzinho (PR); e é também a partir delas que temos um relance da vida de Elize e Marcos antes do crime que ganhou os noticiários no Brasil.
É uma vida que não se encaixa por completo no rótulo de “vida de princesa”, expressão usada várias vezes ao longo da minissérie. Elize relata as infidelidades do marido, as brigas intensas do casal e uma convivência marcada por peculiaridades que são impossíveis de dissociar da tragédia. Ambos, por exemplo, compartilhavam um interesse por armas e por caça. Elize, que aprendeu a atirar com o marido, chega a relatar em detalhes como os dois procediam para desossar os animais que matavam, em um dos momentos mais desconfortáveis da série.
O documentário anda em uma linha muito fina. Elize, afinal, é quem pode compartilhar sua história diretamente, enquanto amigos, colegas e advogados falam de Marcos e da perspectiva que tinham sobre o relacionamento do casal. Mas a produção, justificadamente, não está interessada em inocentar ninguém, e sim em compreender as motivações por trás de um crime bárbaro, já julgado na Justiça. Elize nem sempre tem respostas para o que fez, mas Era Uma Vez Um Crime se revela um exercício interessante que passa longe do sensacionalismo com que parte da imprensa tratou o caso ao longo dos anos e consegue lançar um outro olhar sobre Elize, humanizando-a.
A produção é conduzida com elegância, tem um visual bem trabalhado e consegue criar tensão em sua narrativa, mesmo que o público já conheça bem o final daquela história. Ao final, no entanto, é sentida a ausência de um elemento de novidade -- principalmente em um momento no qual o público acompanha, em tempo real, os desdobramentos do Caso Evandro, podcast que ganhou uma bem-sucedida série no Globoplay.
O tempo e o distanciamento do caso, provavelmente, farão bem a Era Uma Vez Um Crime. Mas o resultado da minissérie é interessante o suficiente como registro histórico -- e vai aplacar a curiosidade de quem quer ouvir a versão de Elize pela primeira vez.