Que reveladora sessão dupla seria, passar Invasão ao Serviço Secreto seguido de Esquadrão 6, dois filmes assombrados pelo clima de fatalismo político nos EUA, ambos buscando soluções dramáticas para refazer as ilusões partidas do ideário americano na tela.
Se o longa estrelado por Gerard Butler é mais tradicionalista - refugia-se no prestígio do seu elenco para evocar os tempos áureos do star system, sinônimo de confiabilidade - o filme de Michael Bay pega um caminho mais pessoal (na medida em que dá pra chamar de pessoal a assinatura plástica de Bay, marcada pela estetização quase patológica) e acaba numa encruzilhada. Por ser esse autor que vai sempre na objetificação dos corpos, Bay recusa o caminho do star system; seus protagonistas são sempre joguetes numa dinâmica onde só o movimento importa, então como reencontrar personas com identidade, símbolos de confiabilidade, onde isso é inviável?
Na trama, Ryan Reynolds lidera um grupo de justiceiros que aplica golpes na promessa de acabar com os maiores facínoras globais. A coisa é simples assim: há ditadores por todo lado, a era dos contratos privados de guerra pós-Iraque já se foi, não há a figura do governo como mediadora de nada, o que resta são essas pessoas atléticas e belas imbuídas das melhores intenções, com algum sangue nos olhos e o discurso motivador na ponta da língua. Objetificados, sim, como são objetificados os super-heróis do MCU no mundo dos action figures do cinema. Bay insere seus personagens nesse contexto mas, ao mesmo tempo, não abre mão do viés patriótico, da pompa: mesmo os heróis-objetos agem como ícones do destino manifesto americano, prenhes de legitimidade.
É óbvio que isso gera um curto-circuito: temos diante de nós um time de heróis de ação, com um peso multiplicado na palavra ação, na exigência da presença, e ao mesmo tempo esses heróis são como fantasmas de ideias esvaziadas em 2019: o intervencionismo americano, o maniqueísmo, o armamentismo benevolente. Que o roteiro seja escrito pelos autores de Zumbilândia, Paul Wernick e Rhett Reese, dois dos roteiristas mais cínicos em atividade em Hollywood, só torna mais aguda a separação entre o que Esquadrão 6 oferece e o que discursivamente almeja. Wernick e Reese potencializam nas suas sacadas de metalinguagem (todo o que importa é exterior ao filme, é o comentário) a inviabilidade de Esquadrão 6 existir e se manter como articulação ficcional.
Nesse contexto, este talvez seja o filme mais radical do diretor, porque, como uma metástase que atinge os órgãos vitais, a própria noção do movimento como meio e fim das coisas entra em curto-circuito. Bay atinge níveis novos de desconexão entre planos. Se em Transformers essa desconexão já atordoava espacialmente o espectador - às vezes os carros trilhavam um deserto e no plano seguinte já estavam entrando uma cidade -, em Esquadrão 6, Bay se interessa menos ainda pelas regras da continuidade: num momento, por exemplo, um carro começa a capotar numa rua específica e quando termina os giros, aterrissa numa esquina completamente diferente.
A radicalidade está nesse vazio, na desimportância completa das convenções de elos narrativos. Isso vai desde o macro, as relações mais básicas de causa e efeito (a equipe perde o piloto e para substituí-lo vai atrás de um... sniper??) até a própria essência da linguagem, as relações entre um plano e o plano seguinte. Essas relações são descartadas em Esquadrão 6 em favor da experiência sensorial; essa é a principal jornada de Michael Bay como cineasta, sempre foi, mas o esvaziamento em busca de uma experiência que seja puramente sensorial bate de frente, no fim, com aquele intuito do começo, de refazer sentidos políticos para suprir o fatalismo da era Trump.
O resultado é um filme patriótico em crise, assombrado mesmo, que busca desesperadamente atribuir vida a imagens-cadáveres mas só entende a lógica do gesto mecânico, calculado. As cenas que reivindicam para si um senso profundo de humanismo, caráter político e dimensões trágicas, como o bombardeio no hospital, são justamente aquelas mais esvaziadas pela estetização e pela repetição. Que casamento perfeito e insuportável: o cinismo de Wernick/Reese encontra a obsessão formalista de Bay numa obra que, na impossibilidade de curar o fatalismo, simplesmente o abraça, num ambiente de vácuo moral que aspira para dentro de si toda e qualquer possibilidade de sentido.