A exibição de Eu Me Importo para aqueles que leram “comédia” na descrição do filme pode ser confusa. Dificilmente você vai soltar alguma risadinha durante a projeção. De fato, na maioria do tempo, o longa causa muito mais ojeriza. Então, ele não é exatamente uma comédia. Porém, a direção ágil, a linguagem pop e os personagens caricaturais são traços da comédia como gênero e, por isso, afastam o filme do drama. Contudo, as perseguições, torturas e sequências de ação sugerem o lugar do thriller. Mas, como dizer que essa produção é somente um thriller, se há tantos elementos cômicos e dramáticos?
Quando essa miscelânia acontece sem planejamento, o resultado pode ser uma sensação de desorganização. Esse não parece ser o caso de Eu Me Importo, que mesmo que deslize entre essas categorias sem se apegar de verdade a nenhuma delas, consegue manter o enredo sob controle e a estética com uma surpreendente elegância. O diretor J Blakeson sabe exatamente a história que deseja contar e como usar todos os elementos à disposição, como peças de uma estrutura dramatúrgica que não tem a pretensão de ser complexa e sim eficiente. Isso torna o discurso final de Marla Grayson (Rosamund Pike) ainda mais referencial: saiba exatamente quem você é e use isso a seu favor.
Sabemos que a comédia enquanto gênero não exige tanto de si mesma e que se difere da comédia enquanto senso comum. Blakeson – que também assinou o roteiro do filme – resolveu levar esse descompromisso com a comédia sensorial até o limite, apresentando ao público uma história que se apoia na mais abjeta personificação da vilania: aquela que se aproveita de velhinhos indefesos. Quando Marla surge como uma mulher fria e calculista que rouba de idosos ao se declarar tutora de suas vidas, a audiência se encolhe enojada, indignada com o quanto aquilo realmente não tem graça nenhuma. Essa mesma audiência é levada até a linha de chegada do jogo. Marla é uma ladra de modos elegantes; e alguém vai aparecer para fazê-la pagar por isso.
Os planos do diretor se concretizam quando esse esperado rival de Marla – necessário para que a história ande – surge na pessoa de Roman Lunyov (Peter Dinklage), um dos entes queridos da última vítima da predadora. Até então (e como bem se vê nos minutos iniciais do longa), Marla estava acostumada a lidar com filhos supostamente negligentes e fracos. Roman, contudo, é um mafioso russo dos mais perigosos e não vai permitir que aquela mulher se aproveite da situação. Enfim, a trama de Eu Me Importo se constrói sem nenhum vestígio de maniqueísmo. Marla é uma pessoa horrível, Roman é uma pessoa horrível e vamos continuar acompanhando só para ver qual dos dois vai conseguir se safar.
Quem Se Importa?
A indicação de Rosamund Pike ao Globo de Ouro não é uma surpresa, mas pode soar “mais do mesmo” para o espectador mais exigente. Marla Grayson foi construída a partir dos mesmos códigos que fizeram a atriz impressionar o mundo no incrível Garota Exemplar (2014). Marla é dura, rígida, implacável, sem nenhuma compaixão ou empatia pelos idosos que ela trancafia em asilos depois de roubá-los. O roteiro de Blakeson, entretanto, não está interessado nos desdobramentos disso ou em politizar a narrativa. Mesmo assim, Marla demonstra sentimentos reais e intensos pela namorada, com quem divide tudo e para quem dedica todas as próprias conquistas. Esse é, inclusive, o aspecto redentor da performance de Rosamund.
Em histórias bem contadas, vilões e mocinhos podem alternar posições. Sem mocinhos para defender, Eu Me Importo vai provocando o espectador com as possibilidades de vitória, seja para Marla ou para Roman. Algumas vezes o roteiro tenta nos fazer torcer por ela e às vezes só queremos que ela escape para saber qual será a próxima armadilha. Rosamund também acertou muito ao reforçar para o espectador que vencer Roman é importante para Marla porque homens nunca esperam que mulheres serão tão duras e implacáveis quanto eles. A partir de determinado ponto tudo se torna uma questão pessoal, uma batalha de gêneros, que é interessante justamente por não se apoiar em tópicos moralistas.
Ainda que sem muita inventividade na exploração de planos e sequências, Blakeson fez um filme interessante, intrigante, que reforça o poder de uma mulher acima da ética estabelecida. Sendo assim, era de se esperar que o diretor fosse preparar um final que respeitasse o núcleo principal da própria história: se essa é uma perseguição de bandido e bandido e não houve julgamento até agora, por que fazer isso nos minutos finais? Ao mesmo tempo, é possível encerrar uma narrativa como essa sem punir ninguém? Aí chegamos a uma pergunta derradeira: se fosse para punir um deles, quem seria? Marla ou Roman? O homem ou a mulher?
Se alguém se importa em descobrir, o filme já está disponível na Netflix e no próximo dia 28 de fevereiro, a 78º Cerimônia de Entrega do Globo de Ouro também pode ou não se importar com Rosamund Pike. Vamos conferir.